segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Segurança tardia, por Irapuã Santana

O Globo

Brasil enfrenta gargalos profundos: baixo índice de resolução de crimes, excessiva sensação de impunidade

Durante décadas, a segurança pública foi tratada como tema secundário, embora seja, há anos, a principal preocupação da população brasileira. O medo da violência molda rotinas, influencia eleições e destrói vidas. Agora, finalmente, o país parece disposto a discutir o tema de frente — com a PEC da Segurança Pública e a Lei Antifacção reacendendo o debate sobre como proteger melhor a sociedade e restaurar a confiança nas instituições.

É preciso foco e paciência. A segurança não se resolve com discursos inflamados nem com medidas apressadas. O Brasil enfrenta gargalos profundos: o baixo índice de resolução de crimes, a excessiva sensação de impunidade e leis brandas, muitas vezes mal aplicadas pelo sistema de Justiça. Apenas uma resposta articulada entre polícia, Ministério Público, Judiciário e sociedade civil pode romper esse ciclo.

A PEC da Segurança Pública busca dar estrutura e coordenação ao setor, tornando-o prioridade de Estado e criando um Sistema Único de Segurança Pública para integrar União, estados e municípios, além de valorizar as carreiras policiais e planejar ações de longo prazo. A Lei Antifacção visa a enfraquecer o crime organizado, permitindo a transferência de líderes de facções para presídios federais, restringindo sua comunicação externa e reforçando a cooperação entre as forças de segurança, bem como a punição de quem financia ou apoia essas organizações.

Somente com segurança jurídica no âmbito penal poderemos colher frutos reais na sociedade. Uma pessoa livre do medo, que não precisa se preocupar com o caminho de volta para casa, é mais feliz, mais produtiva e contribui muito mais para o bem coletivo. A segurança pública precisa, portanto, ser pensada como projeto de nação, e não como um slogan de campanha.

Apesar de serem um bom sinal, é importante observar que ambas as medidas são essencialmente repressivas e, se não forem acompanhadas de políticas sociais robustas de prevenção, voltadas para educação e geração de emprego, estaremos apenas enxugando gelo.

O incentivo inibitório é importante, mas aquele que busca criar comportamentos positivos é ainda mais. No livro “Essencialismo”, Greg McKeown conta um caso interessante de incentivos em políticas públicas, ocorrido a partir da mudança de mentalidade adotada pela polícia de Richmond, no Canadá, liderada por Ward Clapham. Em vez de apenas punir jovens quando cometiam infrações, a polícia passou a recompensar comportamentos positivos — como jogar lixo na lixeira, usar capacete, chegar no horário à escola ou ajudar alguém.

Em vez de multas ou punições financeiras, havia vales de recompensa, como ingressos para o cinema ou atividades de lazer. A lógica era simples: reforçar o comportamento desejado antes que o crime acontecesse, invertendo o tradicional modelo punitivo. O resultado foi impressionante: a reincidência criminal caiu de 65% para 8% ao longo de cerca de dez anos.

O Brasil está diante de uma oportunidade histórica — transformar o medo em ação concreta e racional. Se houver seriedade e perseverança, poderemos começar a construir um país em que a segurança pública — e jurídica — seja pilar de uma sociedade mais justa e confiante.

 

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