sábado, 19 de dezembro de 2009

Merval Pereira :: Zelig verde

DEU EM O GLOBO

Já comparei aqui certa vez o presidente Lula ao personagem de um pseudo-documentário de Woody Allen, de 1983, sobre a vida de Leonard Zelig, o homem-camaleão, que modificava a aparência para agradar às outras pessoas. Pois foi essa capacidade do político Lula de parecer o que não é de maneira convincente que andou irritando a senadora Marina Silva lá em Copenhague, na reunião do clima A provável candidata do Partido Verde à sucessão presidencial está em seu ambiente e não precisa fazer esforço para falar de aquecimento global, desmatamento ou desenvolvimento sustentável, assuntos em que é uma referência mundial.

Mas foi o presidente Lula quem fez sucesso na reunião internacional, assumindo posições de vanguarda e convocando os dirigentes mundiais para um esforço para salvar o planeta, uma preocupação que nunca teve.

Lula não deixa pedra sobre pedra quando descobre um atalho para chegar ao lugar que lhe interessa. Não hesitou em contrariar a ministra Dilma Rousseff, sua candidata a presidente, ao anunciar que o Brasil está disposto a participar de um fundo internacional para financiar a redução de emissões nos países pobres.

A adesão a um fundo desse tipo tivera o apoio do presidenciável tucano José Serra, no que foi seguido pela senadora Marina Silva, do Partido Verde. Mas a ministra fez pouco caso da proposta, dizendo que US$ 1 milhão não faria “nem cosquinha” na solução do problema.

Pois Lula viu nesse impasse uma possível vantagem para os candidatos oposicionistas, que fizeram dobradinha em Copenhague, e se comprometeu a participar do fundo, deixando na mão Dilma e os governistas que se batiam contra a proposta.

A senadora Marina Silva, que saiu do PT depois de 30 anos de militância, por “falta de condições políticas” para avançar na sua luta “de fazer a questão ambiental alojarse no coração do governo e do conjunto das políticas públicas”, viu agora em Copenhague uma atuação de liderança de Lula na questão ambiental e irritou-se.

De fato, ter enviado a ministra Dilma Rousseff para chefiar a delegação brasileira foi uma decisão oportunística e que se mostrou inócua para a imagem da ministra, pois ela não tem a capacitação — e muito menos gosto — para liderar qualquer coisa nesse campo.

Sua presença em Copenhague não teve a menor repercussão, e realçou seu estilo autoritário de comando, ao desmentir em público o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, que foi colocado em segundo plano para que ela brilhasse sozinha.

Ao contrário, quando Lula chegou à reunião, Dilma submergiu de tal maneira que acentuou ainda mais sua posição subalterna em relação a ele.

Quando, em seu discurso, pulou um “não” sem se dar conta e disse que o meio ambiente era uma ameaça ao desenvolvimento do país, Dilma não deu apenas um ótimo motivo de críticas para seus adversários, mas cometeu um ato falho que talvez tenha revelado o que lhe passa na alma.

A disputa entre Marina e a super ministra Dilma Rousseff já foi definida como a luta entre os ambientalistas e a tocadora de obras que, assim como o presidente Lula, se irrita com a preocupação com a preservação dos bagres, que atrasa a construção de hidrelétricas.

A saída de Marina, por discordar do modelo de desenvolvimento, foi vista no mundo como um sinal de que o governo Lula virava as costas para a maior defensora da Amazônia.

A última derrota de Marina foi consequência da decisão do presidente Lula de entregar ao então ministro de Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger, o Plano da Amazônia Sustentável (PAS), o que a fez deixar o Ministério do Meio Ambiente.

A MP 458, apelidada pelos ambientalistas de “a MP da Grilagem”, é a operacionalização das ideias contidas no PAS.

Além de reclamar da “transformação” do presidente Lula, Marina chamou a atenção para o fato de que, enquanto a cúpula do governo estava em Copenhague assumindo uma posição de vanguarda, no front interno a base parlamentar do governo aprovava no Congresso uma legislação que, na prática, esvazia o papel do Ibama e dá aos estados e municípios um poder maior para licenciar obras. Isso, para ela, é o sinal para licenciamento, reduzindo os devidos cuidados ambientais para agilizar as obras.

Mesmo que a senadora Marina Silva tenha razão na visão crítica, não há como não reconhecer a habilidade e a capacidade do presidente Lula de roubar as bandeiras alheias e assumilas como se fossem suas, o que, compreensivelmente, irrita os adversários.

Mas em todos os casos anteriores, e também nesse especificamente, ele acaba assumindo posições interessantes para o país. Foi assim com os instrumentos para a estabilidade econômica, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, o superávit primário, a atuação autônoma do Banco Central em relação aos juros, que ele cultiva hoje, com maior ou menor intensidade, mas já foram objeto de críticas anteriores.

Assim também acontece agora com as medidas para tentar reverter os danos ao meio ambiente.

O Brasil não tem metas compulsórias, apenas objetivos voluntários que serão cumpridos à medida da necessidade nacional, mas Lula agiu na reunião de Copenhague como se fosse um dos líderes ecológicos internacionais.

Houve determinado momento em que, com o presidente francês Nicolas Sarkozy, liderou um movimento entre os chefes de Estado para tentar chegar a um acordo global.

E houve mesmo uma troca farpas com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que chegou tarde e saiu cedo da reunião, sem ser decisivo como o momento pedia.

Lula deixou Copenhague com um saldo positivo, mas mais uma vez, será difícil transferir para Dilma parte de seu sucesso

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