O tabuleiro de xadrez do Oriente foi desarrumado com a eliminação do chefe da Al-Qaeda. Osama bin Laden era o comandante dos mujahedines, guerreiros religiosos, portanto líder militar e religioso. Sua eliminação pelos EUA não altera apenas o quadro da luta contra o terrorismo, mas tem implicações no universo político-religioso islâmico onde o wahabismo de Bin Laden disputa com os salafitas a hegemonia da ortodoxia sunita que, por sua vez, se opõe ao radicalismo xiita.
Apesar da fragmentação, as facções islâmicas majoritárias estão impregnadas pela devoção teocrática, antisseculares e antidemocráticas. A morte do mais audacioso dos fanáticos islâmicos não altera o quadro conflituoso, mas reforça a necessidade de fortalecer o laicismo onde quer que esteja ameaçado.
A recente decisão do STF em favor da união civil de cidadãos do mesmo sexo representa um avanço em nosso País, mas as discussões sobre a execução de bin Laden não estão contemplando o fato de que foi o mandante assumido de um massacre religioso que produziu 2.982 vítimas inocentes em 11 de setembro de 2001.
Graças à explosão dos fanatismos estamos sendo expelidos de um século que parecia dedicado à razão, à tolerância e remetidos ao passado remoto dominado pelo obscurantismo e intolerância. Nosso empenho em humanizar o outro, desarmar conflitos e construir alianças humanitárias é permanentemente confrontado pelos demônios da exclusão. Na véspera do 63º aniversário da criação do Estado de Israel a questão do fundamentalismo torna-se crucial, magnificada por vetores opostos. De um lado, facções político-militares como a Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah dedicadas a varrer o país do mapa e, do outro, a coligação político-religiosa que domina a nação e a empurra para um perigosos isolamento.
A criação do Estado de Israel em 1948 tornou-se possível graças à ONU do ano anterior que optou pela partilha da Palestina em dois Estados. Não importa que a criação do estado árabe tenha sido impedida pelas monarquias do Egito, Transjordânia (hoje Jordânia), Iraque e pela Síria e pelo Líbano que não admitiam a existência de um Estado não islâmico naquele território sagrado. O que preocupa é que Israel não aceite a existência de um Estado previsto na mesma ocasião e pelas mesmas circunstâncias: o Estado da Palestina. Israel não tem o direito de negar aos palestinos os benefícios de uma decisão que permitiu a sua existência.
Aqui entra a inflamação teocrática: no passado a direita israelense também não admitia a partilha da Israel bíblica. A direita israelense hoje engrossada pelo fanatismo religioso não consegue pensar política ou estrategicamente como aconteceu em 1979 quando Menachem Beguin aceitou devolver a península do Sinai ao Egito de Sadat reduzindo as tensões regionais. O premiê Benjamin Netanyahu tornou-se refém de um delírio religioso que não prega a guerra santa, mas compartilha do mesmo irracionalismo dos fanáticos adversários.
Bin Laden foi o símbolo da exaltação religiosa. Melhor seria julgá-lo. Não deu: foi derrubado pela onda de ressentimentos que ele próprio gerou. Hora de repensar as religiões. Ou apenas em Deus.
Alberto Dines é jornalista
FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)
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