- O Globo
No julgamento de ontem no Tribunal Regional Federal da Segunda Região (TRF-2) que devolveu para a prisão o presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani, e dois outros deputados estaduais, houve uma indicação de que a suspensão dos mandatos, mesmo sem a prisão, será mantida.
Relator da Operação Cadeia Velha, o desembargador Abel Gomes, disse que a Alerj cometeu outra ilegalidade, além de mandar soltar os presos sem o aval da Justiça: deliberou sobre o afastamento dos mandatos, com base na decisão do Supremo Tribunal Federal , “matéria que não é de sua competência”.
A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, também se pronunciou a respeito, afirmando que a decisão do STF que permitiu ao Congresso vetar medidas cautelares que impliquem afastamento de parlamentares do mandato não se aplica a deputados estaduais e vereadores. “A Corte Constitucional não ampliou sua decisão a ponto de abarcar todas as Casas Legislativas do país. Além disto, não enfrentou a peculiar situação de um Tribunal Federal decretar a prisão de um parlamentar estadual”, disse a procuradora-geral.
Tudo indica, portanto, que, embora a nova prisão dos deputados estaduais possa ser efêmera, a suspensão do mandato deverá ser definida pelo TRF-2 em novo julgamento, desta vez a pedido do Ministério Público. O recurso dos deputados será encaminhado ao STF, que terá oportunidade de destrinchar sua decisão anterior, evitando abusos evidentes que vêm ocorrendo pelo país afora.
Esse caso teve a vantagem de fazer com que a questão da redução do alcance do foro por prerrogativa de função, popularmente conhecido como foro privilegiado, entrasse novamente na ordem do dia das discussões da sociedade justamente às vésperas do final do julgamento, que está marcado para amanhã no Supremo.
Da maneira ampla como existe hoje, tudo indica que o foro privilegiado está com os dias contados. Esse mecanismo foi tão generosamente distribuído ao longo dos anos, a partir da Constituição de 1988, que ninguém sabe ao certo quantas são as autoridades protegidas por ele.
O ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo no STF, estima que sejam 37 mil funcionários públicos beneficiados. Pela proposta de Barroso, que já tem quatro votos favoráveis, das ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e do ministro Marco Aurélio Mello, detentores do benefício devem responder a processos criminais no Supremo somente se os fatos ocorrerem durante o mandato e em função do mandato.
Se a posição de Barroso, como tudo indica, prevalecer, ao final do julgamento, que será retomado depois do pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes, a decisão terá efeito generalizado. Barroso calculou que apenas 10% dos processos envolvendo parlamentares permaneceriam no STF, os demais desceriam para a primeira instância, resolvendo assim não apenas uma questão ética, mas também administrativa.
No STF, vários ministros já se pronunciaram contra o foro privilegiado, embora exista quem queira ampliá-lo para ex-presidentes, em claro benefício de Lula e do presidente Michel Temer. O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, já se declarou “decididamente contrário à prerrogativa de foro”.
Mas admite que ele seja mantido unicamente para os chefes dos Três Poderes, o Procurador-Geral da República e os ministros do Supremo, como órgão de cúpula do Poder Judiciário. Toda essa confusão político-jurídica está se desenrolando devido à interpretação extensiva dada ao foro privilegiado pela decisão do Supremo que acabou beneficiando o senador Aécio Neves.
A Constituição só exige aprovação da Casa Legislativa a que pertence o acusado em caso de prisão, mas o plenário, com voto de Minerva da ministra Cármen Lúcia, estendeu o entendimento para medidas cautelares diversas da prisão, como o afastamento do mandato.
Assim como, nesse caso, o exemplo do STF foi utilizado indevidamente por diversas Assembleias para libertar seus presos, também o precedente do então presidente do Senado, Renan Calheiros, admitido pelo Supremo, de não receber o oficial de Justiça que lhe comunicava o afastamento do cargo, fez com que, no julgamento da Assembleia Legislativa do Rio, uma oficial de Justiça fosse barrada quando tentava entregar uma ordem judicial para que as galerias fossem abertas ao público, o que acabou provocando a anulação da sessão pelo Tribunal de Justiça do Rio.
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