Foi só um mal entendido...
Cada absurdo protagonizado pelo presidente Jair Bolsonaro desde que tomou posse não se limita a produzir estragos apenas à imagem dele, o que já não seria pouco. Estraga também a imagem dos que o socorrem para impedir que o mal se alastre.
Foi o que voltou a acontecer depois que Bolsonaro suspendeu o reajuste do preço do diesel anunciado pela Petrobras. Ao fazê-lo, metendo-se em um assunto que desconhece, Bolsonaro deixou em maus lençóis o ministro da Economia e o presidente da Petrobras.
Paulo “Posto Ipiranga” Guedes censurou com elegância a decisão do presidente da República e disse que se dará um jeito no estrago. Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras, preferiu fazer de conta que nada simplesmente aconteceu.
Que história é essa de que Bolsonaro suspendeu o aumento anunciado pela Petrobras? Coisa nenhuma. Foi a empresa que suspendeu porque quis, segundo seu presidente. “A Petrobras é livre para tomar suas decisões”, disse ele. “Petrobras é uma coisa. Outra é o governo”.
A suspensão do reajuste custou à empresa uma perda de R$ 32 bilhões em valor de mercado na última sexta-feira com a queda de 8,5% no preço das ações. Ontem, o preço continuou caindo. Castelo Branco foi incapaz de explicar por quê.
Toffoli, uma caricatura de ditador
A censura voltou!
De duas uma. Ou falta conhecimento jurídico ao ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ou sobra vocação para ditador. Há uma terceira hipótese: à ignorância jurídica e à vocação para ditador alia-se o medo de ser flagrado em ato ilícito.
Está na Constituição: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. Está lá também: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
E como se não bastasse, outro artigo da Constituição determina: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Seria preciso dizer algo mais a respeito? Por desnecessário, não.
Pois bem: Toffoli pediu e seu colega Alexandre de Moraes ordenou à revista eletrônica Crusoé e ao site O Antagonista a retirada do ar de uma reportagem onde o empresário Marcelo Odebrecht revela quem era o dono do codinome “amigo do amigo do meu pai”.
O pai de Marcelo se chama Emílio. O amigo de Emílio era Lula. O amigo de Lula era Toffoli. Foi o que Marcelo contou em depoimento à Lava Jato. Toffoli foi o advogado-geral da União entre 2007 e 2009 enquanto Lula presidia o país e a Odebrecht ganhava dinheiro.
Ganhou muito nos dois mandatos de Lula, inclusive superfaturando o preço para a construção de uma hidrelétrica no Rio Madeira. A Odebrecht pagou propina no contrato firmado com o governo. Marcelo disse não saber a quem a propina foi paga.
O mais escandaloso nisso tudo, para além da censura, foi que o depoimento de Marcelo, uma vez tornado público, acabou retirado dos autos da Lava Jato depois que juiz da 13ª Vara, Luiz Antonio Bonat, pediu informações a respeito. Quem retirou? Por ordem de quem?
Em resumo: a Lava Jato quis saber quem era “o amigo do amigo do meu pai”, fato; Marcelo respondeu que era Toffoli, fato; a Crusoé e O Antagonista limitaram-se a contar o que havia ocorrido, fato. Então a censura proibida pela Constituição foi restabelecida no país, fato.
Uma aberração deu origem a outra. A censura é filha da portaria baixada por Toffoli para apurar “notícias fraudulentas, denunciações caluniosas e infrações revestidas de animus caluniador, difamador e injurioso que possam atingir a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros e familiares”.
Alexandre de Moraes foi designado por Toffoli para presidir o inquérito aberto. Ele pode convocar juízes para auxiliá-lo – e já o fez. E acionar a Polícia Federal, e já acionou. Alexandre é quem dirá se uma notícia é fake, caluniosa, e se põe em risco a segurança do STF enquanto instituição, ou dos seus ministros e parentes.
A portaria de Toffoli envergonhou vários dos seus pares, a maioria deles, contudo, sem coragem suficiente para declarar que ela é simplesmente bizarra e deve ser revogada o mais rápido possível. Se não for, melhor que se reconheça que no país da jabuticaba brotou mais uma – a ditadura da toga.
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