O
debate sobre a participação dos militares no governo Bolsonaro levou a que o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia, propusesse proibir militares da ativa de
servir no governo federal em cargos não afetos à defesa nacional. Os cientistas
políticos Octavio Amorim Neto, da FGV, e Igor Acácio, num trabalho publicado na
edição em português do “Journal of Democracy”, editado pelo Instituto Fernando
Henrique Cardoso, consideram que esse seria um ponto de partida para conter o
retrocesso que veem acontecendo com a politização dos militares no governo
Bolsonaro.
“Se
militares desejam servir em cargos civis da administração pública federal, a
solução é relativamente simples: presta-se concurso público, ou aceita-se a
nomeação mediante passagem à reserva. Não se retorna à tropa”. Essa decisão
seria coerente, ressaltam, com as reformas profissionais engendradas pelo
Marechal Castello Branco, as quais visavam pôr fim ao estadismo militar, com
oficiais que concorriam a mandatos e ocupavam cargos públicos para retornar à
caserna à espera de uma nova função.
Outra sugestão, que eles encampam, foi dada pelo historiador José Murilo de Carvalho, da Academia Brasileira de Letras: eliminar cinco palavras – “à garantia dos poderes constitucionais” – do Artigo 142 da Constituição, em que se lê que as Forças Armadas “são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
A
remoção acabaria com divergências sobre a interpretação do papel constitucional
das Forças Armadas. Os autores sugerem mais três possibilidades “de mais rápida
e fácil implementação, todas tendo como norte a retirada dos militares da arena
política e o reforço da orientação das Forças Armadas para atividades
relacionadas à defesa nacional”.
Na
Estratégia Nacional de Defesa, publicação oficial do Ministério da Defesa de
2008, havia a promessa de criação de quadro de especialistas civis em Defesa,
“de forma a constituir-se em uma força de trabalho capaz de atuar na gestão de
políticas públicas de defesa, em programas e projetos da área de defesa, bem
como na interação com órgãos governamentais e a sociedade, integrando os pontos
de vista político e técnico”.
Passados
doze anos, dizem Amorim Neto e Acácio, “o país dos concursos públicos e dos
“concurseiros” ainda não conseguiu realizar o concurso para o quadro de
especialistas civis em Defesa”. Estima-se que seriam necessárias
aproximadamente cem vagas para a criação do quadro. “No longo prazo, os
especialistas civis permitiriam democratizar as relações civis-militares em seu
ponto nevrálgico, o Ministério da Defesa – por retirar dos militares o
monopólio sobre o conhecimento e as informações a respeito de tais assuntos.
Nossos vizinhos argentinos e chilenos já passaram por esse processo há tempos”,
ressaltam os autores.
De
forma correlata, “se queremos melhorar a qualidade do debate legislativo sobre
Defesa Nacional, é necessário realizar mais concursos para o Corpo Permanente
de Consultores Legislativos das Casas do Congresso. Tais profissionais –
especialistas em Defesa e Forças Armadas – são vitais para informar os
parlamentares sobre esses temas”.
Para
aplacar a previsível resistência, apontam Amorim Neto e Acácio, um novo
presidente de origem civil não deverá contingenciar o orçamento de investimento
da Defesa, de modo que as Forças Armadas possam ter a garantia de que
conseguirão concluir seus principais projetos dentro dos prazos planejados.
“Será uma conta salgada, sobretudo para um país que estará em profunda crise
econômica e social no pós-pandemia, mas pagá-la é condição necessária para que
a Forças Armadas possam concentrar-se em suas funções precípuas”.
A
última sugestão dos estudiosos é prestar atenção a uma recente afirmação de
Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa, de que já tratamos aqui na coluna “Ao
poder político cabe definir a Política Nacional e a Estratégia Nacional de
Defesa, os objetivos, a estrutura e os meios das nossas Forças Armadas”.
Octavio Amorim Neto e Igor Acácio advertem que “os líderes do Congresso deverão
iniciar uma vigorosa discussão sobre a Política Nacional e a Estratégia
Nacional de Defesa, de modo a imprimir plena chancela parlamentar ao emprego
das Forças Armadas em atividades intimamente relacionadas à defesa nacional”.
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