Arthur
Lira venceria mesmo sem o patrocínio de Bolsonaro. Talvez fosse mais difícil,
com segundo turno; mas venceria. Venceu porque não teve adversário. Ou melhor:
tinha a vitória encaixada quando finalmente o quiseram enfrentar. E, quando
Baleia Rossi tentou, foi Mario Andreazza contra Paulo Maluf na convenção do PDS
em 1984: crente numa campanha terceirizada e de gabinete, dedicada a pedir
votos de parlamentares a governadores, prefeitos e líderes partidários; isso
enquanto o adversário mercadejava no mano a mano, pé na estrada, falando aos
iguais com a linguagem que cativa os que comerciam poder.
Lira
tinha já costurados pelo menos 200 votos quando Rodrigo Maia ainda contava com
o golpe de Alcolumbre pela reeleição; o que significou frustrar expectativas de
aliados que esperavam a vez. Não há deputado fiel a ponto de aceitar um
presidente da Câmara permanente; o que equivaleria a aceitar o próprio
engessamento.
Maia — um bom presidente — confundiu seu tamanho com o do cargo. Sua dimensão individual parecia maior não porque tivesse crescido muito — mas porque era muito baixa a estatura média dos pares. Desqualificados, os que compõem o pior Parlamento da história, que, no entanto, têm o mesmo peso de voto.
Maia
tomava café frio desde que o Supremo derrubara o movimento golpista contra a
Constituição. Errou demais e em pouco tempo. Apostou —dizendo não querer — em
que o STF lhe daria o direito casuístico de se reeleger. Então estimulou ao
menos cinco candidaturas inviáveis. Esperava que um impasse entre esses
aguinaldos resultasse na ascensão de seu nome como solução pacificadora. Quando
o golpe fracassou, aquele arranjo fantasioso — o dos vários bivares insuflados
a uma sucessão sob seu controle — impôs-lhe a anarquia. Exatamente o terreno em
que melhor prospera o bolsonarismo, o do caos. Maia — cuja gestão se baseara na
confiança dos pares — havia perdido. E talvez seja o caso de avaliar se não
seria derrotado mesmo sendo ele próprio o candidato.
Lira
fez a leitura correta. Propôs nova partilha de poder — perspectiva de novas
lideranças. E levou. Agora é Lira. E Lira é Lira, é Lira, é Lira. Como Bolsonaro
é Bolsonaro. Se ainda não tivermos aprendido: jaca não vira cereja. Com poder,
mais jaca será. Será Lira na presidência da Câmara. Jaqueira. Para Bolsonaro,
um investimento na blindagem contra impeachment e nas condições para o
exercício fiscal do populismo financiador daquilo em que somente pensa: a
reeleição.
Atenção.
Não é que Bolsonaro de súbito se tenha convertido ao Centrão — ele comeu
naquelas bordas por três décadas. É produto daquela engenharia com fim em si
mesmo. Nem que o Centrão de repente vá transformado em bolsonarista — a lógica
de funcionamento do varejo legislativo sempre encontrou campo de expansão
favorável associada ao motor autocrático. Havendo bilhões, um alimenta o outro.
Será,
pois, Lira no comando da Câmara: fiando o jorro de dinheiros para enfrentar a
pandemia que Bolsonaro — criador de dificuldades para colher oportunidades
eleitorais — faz prolongar. Grandes reformas? Antes seria necessário o governo
apresentá-las. E depois — em vez de jogar aqueles fatias requentadas de tributária
e administrativa no Parlamento — trabalhar por elas. Não creio. Creio na nova
CPMF, porque alguém terá de pagar a conta.
A
ideia otimista de que o governo doravante não terá mais desculpas para não
aprovar as reformas é ingênua. Tem como pressuposto a mentira de que Maia as
impedia. A verdade é que Bolsonaro e seus sócios jamais diminuirão a fartura da
teta em que se alimentam; no caso do presidente, há 30 anos, para a edificação
de bem-sucedida empresa familiar. Privatizar? Isso corresponderia a diminuir o
volume de leite condensado com que chupadores como Bolsonaro e Lira incham a
pança.
Como
escrevo aqui há meses: o auxílio emergencial voltará — e no improviso. Tem sido
assim. O governo nada faz, a miséria se aguça, o Congresso reage — pressionado
pela inação calculada de Bolsonaro —, e o presidente ganha um cartaz para
chamar de seu. O Parlamento se mexe; o Planalto colhe os louros. Isso é
perfeitamente alinhado aos interesses do Centrão; um parceiro que não se
incomoda — desde que mamando — em ancorar um programa de reeleição fiscalmente
irresponsável que, uma vez alcançado, tende a se desdobrar na volta dos avanços
golpistas.
Para
além de garantir proteção e guarida a seu populismo, Bolsonaro — o maior
empenhador de emendas parlamentares da história — patrocinou a ascensão de Lira
de modo a interditar, plantando desconfiança, qualquer movimento desde o centro
para desafiá-lo em 2022. Por exemplo: a eleição na Câmara indica — com o abraço
provinciano de ACM Neto — ser mais fácil o DEM compor com Bolsonaro do que numa
chapa de oposição. O presidente engajou o que o Tesouro não tem para
desarticular o pouco que havia de centro, petrificar o tabuleiro e ter como
adversária — numa nova peleja entre rejeições — a esquerda figurada em Lula ou
em seu cavalo da vez.
Uma eleição que reproduza “ele não” para cada lado. É o paraíso para Bolsonaro, convencido de que eleitores que lhe deram o voto em 2018 — mesmo os que ora rejeitam seu governo — repetirão a escolha se ante a possibilidade de o PT voltar ao poder.
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