A
arte de enganar
De
tanto ir e vir, dizer algo hoje e amanhã o seu oposto, o presidente Jair
Bolsonaro criou as condições para escapar impune aos efeitos do seu
comportamento errático. Salvo um bando cada vez menor de jornalistas incômodos,
ninguém se espanta mais com o que ele diz ou faz. O país limita-se a observar
entediado.
Normalizou-se
o absurdo. Em novembro último, descobriu-se que um total de 7 milhões de testes
da Covid-19 mofava em armazéns de Guarulhos, na Grande São Paulo, e que seu
prazo de validade expiraria no final de dezembro. O que fez o Ministério da
Saúde? Prorrogou o prazo para o final de abril próximo. Simples.
Agora,
incapaz de aplicá-los em sua totalidade, decidiu doar parte dos testes ao
Haiti. Um gesto humanitário de um governo que pouco se importa com a
preservação de vidas, como cansou de demonstrar ao longo da pandemia. Dos 7
milhões de testes, os armazéns ainda acumulam 5 milhões. Melhor doá-los, pois.
Quem
mais do que Bolsonaro pregou contra a vacinação e desqualificou as vacinas
pondo em dúvida a sua eficácia? Quantos milhões de brasileiras não tomaram
horror à vacina por acreditarem na palavra do presidente da República? Por que
se vacinarem se Bolsonaro já disse e repetiu que não se vacinará?
Mas,
em entrevista à Rede Bandeirantes de TV, Bolsonaro revelou que está sendo realizada
uma votação entre seus irmãos para decidirem se vacinam ou não a mãe, Olinda
Bonturi Bolsonaro, de 93 anos. E que ele votou a favor “mesmo com uma vacina
que não está comprovada cientificamente”.
Se não há comprovação científica por que ele como presidente da República não se opôs à liberação de vacinas pelo Ministério da Saúde? E por que mesmo admitindo que drogas como a cloroquina e outras carecem de comprovação científica, no entanto as recomendou para tratamento precoce da doença?
No
final de janeiro passado, Bolsonaro descartou a volta do pagamento do auxílio
emergencial aos brasileiros mais pobres atingidos pela pandemia “porque isso
quebraria o país”. Na entrevista à Band, afirmou que a volta do pagamento do
benefício “é para ontem”, embora possa trazer “problema” para a economia.
Nada
demais. Está em linha com ele mesmo. Não jurou que se fosse eleito não
governaria com o Centrão e nem lotearia cargos entre os partidos? Rendeu-se ao
Centrão para ganhar o comando da Câmara e do Senado e tentar se reeleger.
Prometeu combater a corrupção e acabou com a Lava Jato.
Pelos
filhos encrencados com a Justiça, fará qualquer coisa. José Vicente Santini,
amigo dos garotos, foi demitido por Bolsonaro em 28 de janeiro de 2020 de um cargo
na Casa Civil por ter viajado sem necessidade para o exterior em um avião da
FAB. Foi para dar exemplo de que o seu era e seria um governo austero.
–
Inadmissível o que aconteceu, tá? Já está destituído da função. Decisão minha.
O que ele fez não é ilegal. Mas é completamente imoral – decretou Bolsonaro à
época.
No
dia seguinte, a nomeação de Santini para outro cargo na Casa Civil foi
publicada em edição extra do Diário Oficial. Como pegou mal para ele, Bolsonaro
mandou anular a nomeação. Finalmente, ontem, Bolsonaro nomeou Santini para
secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República. Que
tal?
ACM
Neto recusa paternidade do novo ministro da Cidadania
Para
não dar razão a Rodrigo Maia
Estava
tudo acertado entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente do DEM, ACM
Neto. Uma vez que os candidatos de Bolsonaro às presidências da Câmara e do
Senado fossem eleitos, o ex-chefe de gabinete de ACM Neto, João Roma, seria
nomeado ministro da Cidadania no lugar de Onyx Lorenzoni.
Roma
é baiano e filiado ao partido Republicanos, que apoiou ACM Neto duas vezes para
prefeito de Salvador, e o apoiará ano que vem para o governo da Bahia. Ele e
ACM Neto são amigos de longa data. Roma filiou-se ao Republicanos a conselho do
ex-prefeito, que costuma distribuir amigos por vários partidos.
Ocorre
que a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidente da Câmara provocou o
rompimento entre o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e ACM Neto. Maia acusa ACM Neto
de ter entregado em uma bandeja sua cabeça a Bolsonaro, comprometendo a posição
de independência do partido em relação ao governo.
O Republicanos quer Roma como ministro. Roma quer ser ministro. Bolsonaro aceitou nomeá-lo. Agora, é ACM Neto que não quer para não dar razão a Maia.
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