quarta-feira, 30 de junho de 2021

Daniel Rittner - O ‘choque de energia barata’ faz dois anos

Valor Econômico

Anunciado em 2019, Novo Mercado de Gás ainda só engatinha

Prestes a completar dois anos, o “choque de energia barata” anunciado por Paulo Guedes ainda está longe de tornar-se realidade. Em julho de 2019, o Posto Ipiranga prometeu uma redução de 40% nos preços do gás natural com iniciativas voltadas à abertura do mercado. No pacote estavam itens como acesso de terceiros aos gasodutos de transporte que eram detidos pela Petrobras e têm elevado grau de ociosidade, diminuição das barreiras para que consumidores industriais pudessem escolher livremente seus próprios fornecedores, privatização das distribuidoras estaduais. Uma parte das ações tinha amparo em um acordo firmado entre o Cade e a estatal, outras vinham de projeto de lei em tramitação no Congresso, a ampliação do mercado livre era uma das contrapartidas para o socorro do Tesouro a Estados com desequilíbrio na área fiscal.

Hoje, quase 24 meses depois, o chamado Novo Mercado de Gás apenas engatinha. Sim, ele tem boas chances de ganhar alguma musculatura e dar seus primeiros passos, mas a baixa velocidade com que esses movimentos vão ganhando corpo deixa nos interessados um sentimento de bastante cautela com o futuro.

Péssima coincidência: a Petrobras aplicou um aumento recente de 39% no preço do gás natural para as distribuidoras, praticamente o tamanho da queda prometida pelo ministro lá atrás, mas com sinal inverso. O último reajuste do gás de cozinha fez o preço do botijão de 13 quilos atingir até R$ 130 em municípios do Centro-Oeste, com tendência de alta e potenciais reflexos na popularidade de Jair Bolsonaro.

Para ser justo, há que se separar as coisas. O petróleo encareceu no exterior e o real se desvalorizou nesse período. Feitas as ressalvas, não houve mudança significativa na estrutura de custos do insumo: a molécula de gás continua sendo vendida por cerca de US$ 8 ou US$ 9, o transporte fica com mais US$ 1,5 ou perto disso, a distribuição abocanha de US$ 2 a US$ 2,5 - sempre por milhão de BTU (unidade de referência no setor). Tudo somado, paga-se ainda de US$ 12 a US$ 13 pelo gás que chega à indústria. Duas a três vezes mais que os concorrentes pagam na Europa ou nos EUA. Em diversos segmentos, o gás atua ao mesmo tempo como matéria-prima e como insumo energético. Para químicos como amônia e metanol, representa até 70%, 80% dos custos de produção.

“Não teve ninguém na indústria de vidro, de cerâmica, na siderurgia que tenha entrado no mercado livre nos últimos dois anos”, afirma o presidente da Abividro, Lucien Belmonte. Estados como Paraná, Maranhão, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul têm um consumo mínimo requerido de 100 mil metros cúbicos/dia para autorizar a migração. Na prática, é uma linha de corte tão alta que se torna completamente inviável.

A Petrobras está em pleno processo de venda de sua fatia de 51% na Gaspetro, que detém participações em 19 empresas estaduais de distribuição de gás canalizado, mas muitos contratos de concessão carregam vícios do passado e vencem apenas na década de 2040 - não importa o dono. O da CEB Gás, no Distrito Federal, vai até 2060! Algumas concessões dos anos 1990, ainda válidas, têm taxas de retorno na faixa de 20% ao ano. Condizentes com as incertezas daquela época, inaceitáveis para padrões atuais.

Dois dos principais gasodutos de transporte da Petrobras - NTS no Sudeste, TAG no Norte e Nordeste - foram negociados com grandes grupos privados, mas os problemas de acesso continuam. Mais de 30% da capacidade dos dutos fica sem uso, mas a estatal garantiu, por meio de contratos repassados para os novos controladores, o monopólio na passagem do gás.

A nova Lei do Gás, sancionada em abril, acendeu a esperança de evolução. Para sair do papel, porém, falta a regulamentação: decretos, portarias, resoluções da Agência Nacional do Petróleo. “Um gargalo é a estrutura da ANP para tocar tudo isso”, diz o gerente de gás natural da Abrace (associação dos grandes consumidores industriais de energia), Adrianno Lorenzon.

Lorenzon resume a percepção do setor privado sobre o Novo Mercado de Gás: “Na vida real pouca coisa aconteceu, mas continua havendo expectativa e há muito trabalho pela frente”. Desânimo? “Não. Se fizermos a coisa certa, podemos colher os resultados a partir de 2022.” Vem aí um choque de energia barata?

Jabutis sem barulho

Nos bastidores, o governo avalia que “jabutis” polêmicos na MP da Eletrobras criaram muito barulho por nada. A construção de 8 mil MW de usinas térmicas a gás, em Estados que não têm suprimento regular do insumo, dependerá de concorrência com preço-teto em torno de R$ 350 por megawatt-hora (mesmo dos leilões de 2019, mais a inflação).

Estão convencidos de que, por esse valor, a maioria dos projetos não vinga. Seria insuficiente para viabilizar a chegada de gasodutos nesses Estados. Análise popular na Esplanada dos Ministérios: diante da falta de interessados, do leilão “vazio”, o TCU não aprovaria nova concorrência nesses termos.

Para insistir nas térmicas, por razões de segurança energética, elas terão que mudar de lugar e ser instaladas perto dos centros de produção de gás. É, pode ser.

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