quinta-feira, 10 de março de 2022

Malu Gaspar: Um poço de conflitos

O Globo

A indicação de Rodolfo Landim para comandar o conselho da Petrobras tem sido tratada na cúpula do governo como solução de emergência para um problema considerado grave pelo presidente da República.

Para Jair Bolsonaro, controlar o preço dos combustíveis é questão de sobrevivência e pode fazer a diferença entre a vitória e a derrota nas eleições deste ano.

Apesar de ter feito uma intervenção na companhia no ano passado, trocando o presidente e quatro conselheiros, Bolsonaro se queixa de que não conseguia conversar com a direção da empresa, nem entender por que não é possível conter a alta nos preços dos combustíveis via Petrobras.

Trocando em miúdos, o fuzuê não deu o resultado que Bolsonaro queria. Nem o general Silva e Luna, que se tornou presidente, nem o almirante Bacelar, que hoje preside o conselho, “resolveram o problema” dele.

A Petrobras continua seguindo a mesma política de preços desde fevereiro de 2021. O valor médio do litro de gasolina já subiu 33%, e o do diesel 44%.

Isso porque a principal razão do aumento é a alta do dólar, componente central do cálculo dos preços da empresa. Apesar da grande produção do pré-sal, a Petrobras ainda precisa importar insumos para fabricar os combustíveis.

Se o governo quiser usar o caixa da empresa para segurar a inflação, será preciso mexer nessa fórmula. E, para conseguir isso, é preciso bem mais que dar uma ordem a um militar, por mais obediente que ele seja.

Essa é a principal razão por que Bolsonaro quer Landim no conselho. Ele acha que o executivo, que passou 26 anos na Petrobras antes de ir para o setor privado, conhece os “atalhos” regulatórios e de gestão que permitiriam ao governo segurar os preços e garantir a reeleição em outubro.

A crença é compartilhada por líderes do Centrão como Ciro Nogueira e Arthur Lira. Eles consideram que o executivo pode abrir um “canal de interlocução livre de dogmas” com a direção da Petrobras, como me disse um integrante do bloco que hoje manda no governo.

Bolsonaro não ignora que a nomeação é carregada de riscos, e os mais graves nem são os processos movidos contra Landim, como presidente do Flamengo, pelas famílias dos dez adolescentes que morreram no incêndio do centro de treinamento do time em 2019.

O executivo está no centro de situações que poderão criar novas crises na própria Petrobras. Uma delas é o rombo de R$ 92 milhões que um fundo gerido por duas firmas de investimentos, incluindo a de Landim, a Mare, provocou no fundo de pensão da petroleira.

Por causa de uma decisão tomada pelo conselho da Petrobras em 2020, existe a possibilidade concreta de a gestora de Landim vir a ser alvo de uma medida judicial da companhia pelo ressarcimento do prejuízo.

Nesse caso, surgiria o constrangimento de o conselho ter de deliberar sobre processar a empresa de seu presidente — ou até ele próprio.

Trata-se de um clássico caso de conflito de interesse, motivo suficiente para o veto a qualquer candidato a um cargo de direção, segundo as regras de governança implementadas após o trauma do petrolão.

O comitê da Petrobras que avalia o histórico de Landim não poderá ignorar tais circunstâncias e poderá até se opor à nomeação, desencadeando uma crise dentro da crise.

Mas há mais. Não é segredo para ninguém em Brasília que Landim é amigo íntimo do empresário Carlos Suarez, mais conhecido como o S da empreiteira OAS, hoje dono de companhias de distribuição de gás natural que são clientes da Petrobras. Suarez chegou a sofrer o bloqueio de US$ 15,1 milhões pelo Ministério Público suíço.

Segundo os procuradores locais, o bloqueio, já suspenso, ocorreu porque a conta de Suarez recebeu dinheiro de uma conta suíça de Landim, que por sua vez também já havia recebido depósitos de contas de passagem usadas para mandar recursos a Renato Duque e Pedro Barusco, célebres personagens do petrolão.

Aliados de Bolsonaro no Planalto dizem que sabem da ligação com Suarez e afirmam que não permitirão que a amizade interfira nos negócios da Petrobras. Mas, se o objetivo fosse mesmo evitar ruídos e suspeitas, não seria mais fácil indicar outra pessoa?

Está cada vez mais nítido que, se pudesse, o presidente da República simplesmente implodiria a governança da Petrobras — para poder inclusive quebrá-la, se necessário fosse para se perpetuar no poder.

Isso já foi feito antes, e as consequências não foram nada confortáveis para os políticos que estavam no comando.

Se Bolsonaro e seus aliados não colocarem as barbas de molho, poderão até resolver o problema dos combustíveis, mas arriscam plantar a semente de um novo petrolão.

 

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