sexta-feira, 16 de junho de 2023

Vera Magalhães - Bolsonaro começa a encarar seu passivo

O Globo

Kassio Nunes Marques pode até ceder à enorme pressão a que é submetido e pedir vista do processo que, cedo ou tarde, levará o Tribunal Superior Eleitoral a declarar Jair Bolsonaro inelegível. A sobrevida que isso pode dar ao ex-presidente não se traduzirá, no entendimento de expoentes da própria direita, em grandes manifestações de apoio a ele nas ruas ou em possibilidade de reverter um placar estimado em 6 x 1 ou, no máximo, 5 x 2 pela perda de seus direitos políticos.

A ação no TSE, uma de 16 que questionam a conduta de Bolsonaro ao longo do processo eleitoral, é apenas o início da confrontação do capitão com seu legado de ataque sistemático às instituições e à democracia, abuso do cargo para buscar a reeleição e condução criminosa durante a pandemia de Covid-19, todas elas frentes com potencial de lhe causar danos sérios.

Até no bolso. Bolsonaro achou que poderia simplesmente deixar de pagar as multas que recebeu por sucessivamente afrontar as normas que determinavam o uso de máscara em São Paulo no auge da emergência sanitária. Aparecer com o rosto descoberto, de preferência jogando perdigotos em incautos, fazia parte do negacionismo bolsonarista e de sua maneira de medir forças com o então governador João Doria, na época ainda um potencial rival.

Pois a conta chegou e já passa dos R$ 400 mil, com bloqueio de valores de quem achou que seria uma eterna galhofa uma tragédia que ceifou a vida de mais de 700 mil brasileiros por quem ele tinha o dever constitucional de zelar como presidente da República. Bolsonaro pareceu preocupado? Que nada. Deu um jeito de incluir as decisões da Justiça paulista nos temas que se prestam a piadas de tiozão e ameaçou pendurar o prejuízo na conta do PL.

No julgamento do TSE, talvez seja mais difícil tirar uma onda. Daí porque a estratégia do mesmo Bolsonaro seja, agora, se vitimizar. Depois de ter a audácia de convocar embaixadores do mundo todo a uma reunião oficial no Palácio da Alvorada para disparar mentiras a respeito do sistema eletrônico de votação, ele agora alega que não era candidato na época (ora, por que então usou o cargo e o palácio para tratar de tema única e exclusivamente eleitoral?) e que o processo corre célere para prejudicá-lo.

Daí vem a cobrança sobre Nunes Marques, que deve a Bolsonaro sua indicação ao Supremo Tribunal Federal. Colegas do TSE e políticos que conhecem o ministro há tempos se dividem quanto a sua disposição de prestar esse favor ao ex-presidente.

Os que acreditam que ele deixará o julgamento seguir argumentam que seria inócuo o pedido de vista para o resultado e que seria um custo alto demais a pagar em termos de desgaste entre os pares das duas Casas. Quem aposta na providência terrena lembra justamente o milagre que foi para Nunes Marques chegar a uma indicação para a maior Corte do país estando, como estava, fora do radar de toda a comunidade jurídica nacional.

Nas conversas de bastidores, não há da parte de aliados do PL, do PP e do Republicanos, partidos que concentram os bolsonaristas, uma comoção genuína para a decisão, que pode vir agora ou lá na frente.

Muitos dos que defendem o ex-presidente diante das câmeras e em postagens nas redes sociais acreditam que, ao retirá-lo da disputa política, o TSE presta, de certa forma, um favor à direita, pois permite a escalação de um nome mais palatável para 2026 sem que haja necessidade de algum afilhado romper com o padrinho para disputar. Herdar os eleitores órfãos de Bolsonaro sem precisar mover um dedo para tirá-lo do jogo é o que os partidos que encheram os cofres à custa do capitão poderiam esperar de melhor.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Ave Maria!