Correio Braziliense
A oitava Constituição foi elaborada em
ambiente de rebeldia e revanchismo. Não havia clima para exame de projeto
elaborado por juristas. O presidente José Sarney o tentou, com a nomeação de
Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, conhecida como Comissão Afonso
Arinos
Nas eleições de 1986, ao votarem em
deputados e senadores para composição do Poder de Legislativo, os eleitores
ignoravam que seriam investidos de poder para redigir e promulgar nova
Constituição. Acreditavam que eram candidatos à Câmara dos Deputados e ao
Senado, para legislar à luz da Emenda Constitucional nº 1/1969, considerada a
nossa sétima Constituição.
Foi no exercício de prerrogativa concedida
pela Emenda Constitucional nº 26, de 17/11/1985, que o presidente José Sarney
converteu o Poder Legislativo em Poder Constituinte. Assim o havia feito o
presidente Castelo Branco em 7/12/1966, quando, pelo Ato Constitucional nº 4,
reuniu o Congresso Nacional extraordinariamente, de 12 de dezembro de 1966 a 24
de janeiro de 1967, para "discussão, votação e aprovação de projeto de
Constituição apresentado pelo presidente da República" (Art. 1º).
O presidente Castelo Branco seguia o exemplo deixado pelo presidente interino José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal, sucessor do deposto presidente Getúlio Vargas. O ministro José Linhares, mediante Lei Constitucional editada em 12 de dezembro de 1945, deliberou que os parlamentares eleitos em 2 de dezembro, para a Câmara dos Deputados e para o Senado, se reuniriam no Distrito Federal, "sessenta dias após as eleições, em Assembleia Constituinte, para votar, com poderes ilimitados, a Constituição do Brasil".
A rigor, a única Assembleia Constituinte
eleita para elaboração de Constituição foi a de 1933/34. O melhor relato desse
histórico momento pertence a Hélio Silva, no livro 1934 A Constituinte. Diz o
parágrafo introdutório, em linguagem magistral: "Os monumentos que
perpetuam a história também têm a sua história e os seus monumentos. Para os
que viram a solenidade de instalação da Assembleia Constituinte, de 15 de novembro
de 1933, aquela Casa havia se preparado para o Momento Supremo. E nunca mais
teria a grandeza que foi abandonando o plenário, os gabinetes, os corredores,
as escadarias" (Civilização Brasileira, RJ, 1969, pág. 21). Rejeitada por
Getúlio Vargas, a Constituição de 34 teve vida efêmera. Foi abatida após três
anos e cinco meses, pela Carta de 10/11/1937.
A oitava Constituição foi elaborada em
ambiente de rebeldia e revanchismo. Não havia clima para exame de projeto
elaborado por juristas. O presidente José Sarney o tentou, com a nomeação de
Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, conhecida como Comissão Afonso
Arinos. Por razões que não vem ao caso examinar, a iniciativa falhou. O texto
não foi submetido à Constituinte, dividida em 8 comissões temáticas, 24
subcomissões e Comissão de Sistematização. Os resultados são conhecidos.
Aos juristas causou espanto o estilo
caracterizado pela prolixidade. Entre outras pérolas, programou para 7/9/1993
plebiscito destinado a permitir ao eleitorado optar pela forma (república ou
monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou
presidencialismo) e abriu espaço para revisão constitucional, após cinco anos
da data da promulgação. Determinou que as taxas de juros reais não poderiam ser
superiores a 12% ao ano. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT), destinado a disciplinar a transição do militarismo para a democracia,
além de se perpetuar foi alongado. Passados 34 anos, permanece em vigor e conta
hoje com 114 dispositivos, 74 acrescentados arbitrariamente pelo Poder
Legislativo.
Promulgada em ambiente de euforia, quando
completou cinco anos a Constituição começou a ser desfigurada. A Emenda
Constitucional de Revisão nº 1, foi promulgada em 2/3/1994; a Emenda
Constitucional nº 1 em 6/4/1992. As Emendas de Revisão são seis. As demais
Emendas atingem o fantástico número de 128. Centenas esperam para ser
analisadas. Em fase de discussão se encontram algumas dezenas. No momento
debate-se a quinta Reforma Tributária. Acredita-se que, ao entrar em vigor,
aumentará a carga de impostos.
Impossível com ela; pior sem ela. Não vejo
como partir para a elaboração da nona Constituição. A falta de serenidade e
racionalidade prevalecem no cenário político. Poucos se mostram dispostos a
ouvir. A radical divisão do Brasil em lulistas e bolsonaristas impede a prática
do diálogo em níveis elevados, essencial ao regime democrático. O rancor é
generalizado. A expressão reforma é utilizada de maneira banal, como se fosse
dotada de poderes sobrenaturais.
Confundida com lei ordinária, decreto,
resolução ou mera portaria ministerial, a Lei Fundamental se tornou vulnerável
a agressões. Como não a conhece, o povo não a discute, nem a defende. Não se
sabe de alguém dotado de autoridade moral para assumir a tarefa da convocação
de Assembleia Constituinte, nomear integrantes de comissão incumbida de
formular projeto de nova Constituição e sustentá-lo perante incrédula opinião
pública.
Estamos presos à Constituição de 1988. Como
Prometeu da lenda grega, o povo está acorrentado à íngreme escarpa da
burocracia, da ineficiência e da corrupção, onde o insaciável Estado abutre
comparece diariamente, para lhe devorar o fígado.
*ALMIR PAZZIANOTTO, advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
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