sábado, 23 de setembro de 2023

Marcus Pestana - Privatizações e a mudança do papel do Estado (I)

As relações entre sociedade, economia e Estado têm configuração cambiante no espaço e no tempo. O papel do Estado na vida social moderna oscilou desde o liberalismo clássico, onde as ações governamentais se concentravam em poucos setores (defesa nacional, garantia da vigência das leis, segurança pública, defesa da moeda), até a experiência do Estado Máximo, no campo soviético, com a estatização radical dos meios de produção. Tivemos a hegemonia do pensamento keynesiano, a partir da grande crise de 1929, com o Estado suprindo as lacunas e distorções herdadas da economia de mercado. Experiências intermediárias entre o liberalismo pleno e o socialismo real ocorreram, como as malsucedidas nacionalizações do governo de François Mitterrand, na França. Os governos podem intervir de três formas: 1) através da via fiscal, arrecadando impostos e organizando o gasto público, segundo determinados critérios e objetivos; 2) pela regulação, fiscalização, controle, política econômica e legislação; e, 3) na produção de bens e serviços através de empresas estatais.

O Brasil experimentou uma trajetória típica de “capitalismo tardio”, nascido do ventre de uma sociedade escravista, no final do século XIX. Registre-se que a Revolução Industrial inglesa, marco inaugural do capitalismo, teve lugar no final do século XVIII. Para superar o atraso e transformar o país de um enorme cafezal em uma economia industrial diversificada, via substituição de importações, o Estado desempenhou papel central. Todo o arsenal de política econômica (crédito, câmbio, juros, tarifas de importação, barreiras regulatórias) foi acionado em nome da marcha forçada rumo à sociedade industrial. Além disso, as empresas estatais foram protagonistas. Os períodos de ouro da industrialização brasileira se deram especialmente nos governos Vargas, JK (Planos de Metas) e Geisel (2º. PND). CSN, Vale do Rio Doce, Petrobrás, BNDE, Rede Ferroviária, Eletrobrás, Siderbrás, Telebrás são nomes indissoluvelmente ligados ao processo de industrialização brasileiro.

O mundo mudou. A experiência soviética naufragou. A China optou por um socialismo de mercado ou um capitalismo de Estado, como se preferir. A socialdemocracia europeia redimensionou o Estado de Bem-Estar diante das restrições fiscais. A revolução tecnológica introduziu novos padrões de desenvolvimento. O conhecimento assumiu a ribalta em lugar de outros fatores de produção. A internet e as telecomunicações integraram o planeta. A globalização reduziu a autonomia dos Estados Nacionais. O setor de serviços roubou crescentemente espaços da indústria e do setor primário. Mudaram a sociedade, a economia e o mundo. O papel do Estado teve que ser repensado.

A reversão do Estado intervencionista, iniciada na década de 1970 e que ganhou força ao final do século XX, impôs uma agenda de desestatização, no Brasil e no mundo. A privatização de empresas estatais entrou na ordem do dia.

No Brasil, primeiro foram privatizados o parque siderúrgico e a EMBRAER. Depois a Vale do Rio Doce, a Rede Ferroviária, os bancos estaduais e o Sistema Telebrás. Recentemente, a BR Distribuidora e a Eletrobrás. Concessões e parcerias avançaram em outros setores.

Há muitas motivações que movem as privatizações. Mas, é preciso responder: Porque? Como? Por quanto?  Voltaremos ao assunto. 

*Economista e Professor. Ex-Deputado Federal pelo PSDB-MG. Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais (2003-2010). Diretor-Executivo do IFI – Instituição Fiscal Independente do Senado.             

Um comentário:

Daniel disse...

Um resumo interessante!