segunda-feira, 29 de julho de 2024

Oliver Stuenkel - Os riscos que Trump corre com seu vice

O Estado de S. Paulo

Conservador nos costumes, vice pode afastar centristas, fundamentais para vencer eleição

As primeiras duas semanas de J.D. Vance como vice da chapa de Trump dificilmente poderiam ter sido piores. A tarefa principal de qualquer político que se apresenta no palco nacional pela primeira vez, como Vance o fez durante a convenção republicana, é construir uma imagem clara e uma narrativa convincente que fortaleça as chances da chapa.

No caso de Vance, porém, os democratas reagiram de forma mais ágil à indicação e inundaram as redes com vídeos de Vance compartilhando ideias vistas como controversas por eleitores indecisos. Um deles é um clipe de 2021, no qual Vance alertou que os EUA estavam sendo governados por “um bando de mulheres sem filhos, infelizes com suas próprias vidas”.

Citou como exemplo a vicepresidente, Kamala Harris, que tem dois enteados. Embora atacar mulheres por não terem tido filhos possa consolidar o apoio de ultraconservadores que já iam votar em Trump, Vance pode atrapalhar as tentativas de atrair centristas, fundamentais para vencer a eleição.

Apesar de Vance ser descrito como “mais trumpista que Trump”, ele difere de seu mentor em um aspecto chave: o conservadorismo nos costumes. Graças a uma trajetória pessoal nada conservadora – que inclui traições, sexo com uma atriz pornô e divórcios –, Trump consegue atrair eleitores que apreciam sua retórica anti-imigrante, mas se opõem a uma agenda ultraconservadora que prevê interferências diretas do Estado na vida íntima dos cidadãos.

MODERAÇÃO. Ciente da necessidade de não assustar os moderados, Trump se afastou do “Projeto 2025”, do centro de estudos Heritage Foundation, elaborado por vários oficiais de seu governo. O documento prevê, entre outras coisas, a criação de uma “vigilância do aborto” por parte de governos estaduais, a proibição da pílula abortiva usada na maioria das interrupções voluntárias da gravidez e a limitação do uso da pílula do dia seguinte.

É como se os escândalos sexuais de Trump ajudassem a amenizar a retórica conservadora e moralista do próprio trumpismo. Vance, por outro lado, tem defendido que o Estado possa processar mulheres que foram a outro Estado interromper a gravidez de forma legal, e seu estilo é bem menos capaz de amenizar preocupações dos moderados. As pesquisas não deixam nenhuma dúvida de que a maioria da população se opõe a restrições amplas ao aborto que Vance defendeu no passado, inclusive em caso de estupro ou incesto.

Outro ponto é que a desistência de Biden alterou a dinâmica da corrida eleitoral de uma forma que levou doadores republicanos a questionarem a escolha de Vance. Enquanto o senador de Ohio se destaca por sua lealdade inquestionável a Trump, sua escolha pode ser lida como sinal de uma sensação de “já ganhou” da campanha republicana.

Enquanto tal sensação possa ter sido compreensível enquanto Biden era candidato, parece evidente que Kamala energizou a campanha. Como o estrategista democrata Ferdinand Amandi comentou recentemente, o cenário mudou “de uma eleição perdida para uma eleição que agora parece poder ser ganha (pelos democratas)”.

Em retrospectiva, parece que a escolha de um candidato conservador mais tradicional e experiente – como Trump fez em sua campanha vitoriosa em 2016, quando escolheu o governador Mike Pence – teria sido menos arriscada. Sobretudo porque, se for vitorioso em novembro, Trump seria o presidente eleito mais velho da história dos EUA, ainda mais velho do que Biden quando venceu em 2020.

Nada disso sugere que Kamala Harris seja a favorita. Será preciso aguardar para verificar se a candidata do Partido Democrata conseguirá manter a energia otimista que a desistência de Biden gerou; se ela conseguirá evitar os erros de sua breve campanha a presidente em 2020, quando desistiu antes das primeiras primárias democratas; e se conseguirá encontrar um vice de chapa que lhe seja complementar, reduzindo as vulnerabilidades de sua campanha aos olhos dos eleitores centristas nos Estados-chave.

TEMPO. Considerando o tempo reduzido que Harris terá para preparar a campanha e suas taxas de aprovação ao longo dos últimos anos, Trump – que tentará descrever sua oponente como uma esquerdista radical – ainda tem, por enquanto, mais chances de ser eleito daqui a menos de 100 dias.

Mesmo assim, tudo indica que será uma votação bem mais apertada do que quando o candidato democrata era o atual presidente. Nesse caso, é possível que Trump chegue a se arrepender de ter escolhido Vance como vice de chapa. •

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Não esquecendo que mesmo Trump tendo menos votos que sua oponente acabou sendo ''eleito'' em 2016.