sexta-feira, 20 de setembro de 2024

George Gurgel* - As eleições municipais de 2024

No Brasil, as distintas realidades regionais e municipais desafiam a construção de novas maneiras de pensar e fazer política no município, refletindo nas formas e conteúdos de organização da sociedade e no próprio exercício da cidadania, a partir da nossa diversa e excludente realidade cultural, social e ambiental.

As eleições municipais,   que irão acontecer em outubro próximo,  colocam em disputa as concepções de governar e de se relacionar de cada um de nós com o lugar em que vivemos, desafiando a construção de novas formas e meios de fazer política, diante das nossas urgências, em função das distintas  realidades econômica, social e ambiental, agravadas com a crise climática em curso - sintoma da insustentabilidade do mundo em que vivemos,   vivida atualmente de forma angustiante e trágica por toda a sociedade brasileira.

Os resultados das últimas eleições municipais de 2020 registraram um nível de abstenção recorde de 23%, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, refletindo no nível de participação do eleitorado de apenas 41%, junto ao nível de insatisfação que foi de 31% da população.

Ao mesmo tempo, constatou-se, nos pleitos municipais de 2020, um maior protagonismo dos movimentos sociais em defesa de uma efetiva participação política das mulheres, dos afrodescendentes, dos indígenas, LGBT+, discutindo as questões específicas da sociedade, renovando as Câmaras Municipais e Prefeituras dos médios e grandes municípios, trazendo novas lideranças, representando a voz rouca dos excluídos da sociedade para a disputa e o exercício do poder municipal. Há ainda que se destacar a eleição de lideranças religiosas, particularmente evangélicas, o que já vem ocorrendo no Brasil, nas últimas décadas.

A Construção de uma Gestão Municipal Democrática e Sustentável

As atuais políticas socias, econômicas e ambientais não atendem às demandas da maioria da população dos municípios   brasileiros, excluídas do bem estar da sociedade contemporânea.

Quais seriam os fundamentos de uma gestão municipal democrática e sustentável?

Os futuros prefeitos e vereadores, a serem eleitos em outubro de 2024, vão enfrentar, desde o primeiro dia dos seus mandatos, a difícil realidade de uma parcela majoritária da população dos municípios brasileiros, que vive de uma maneira insustentável: em condições precárias de moradia, trabalho, segurança, educação, saúde, saneamento e mobilidade urbana.

Os novos vereadores e prefeitos eleitos, em outubro próximo, desde a campanha eleitoral, devem estar comprometidos com o enfrentamento sistemático destes   graves problemas sociais, econômicos e ambientais, atingindo sobremaneira os mais vulneráveis da sociedade.

Os resultados eleitorais das últimas eleições municipais no Brasil apontaram para o fortalecimento do centro político, com o enfraquecimento dos extremos, tanto à esquerda, quanto à direita – apesar da alta popularidade do presidente Bolsonaro. As populações dos municípios sinalizaram que a polarização política não resolve as dificuldades cotidianas da cidadania. Muitas vezes, agrava, quando se repetem na realidade municipal as polarizações políticas nacionais, que não ajudam a enfrentar os reais problemas do município.    

Portanto, a sinalização da sociedade nas eleições municipais de 2020 foi clara: o Brasil bipolar, dos extremos, não conseguiu e não tem conseguido construir soluções para os complexos desafios da sociedade brasileira, nem a nível nacional, muito menos em escala municipal. Os desafios econômicos, sociais e ambientais históricos e atuais da sociedade brasileira devem ser enfrentados de uma maneira propositiva, ampliando a capacidade de diálogo e de construção de pactos políticos, econômicos, sociais e ambientais que avance e consolide a democracia, no caminho de transformação da injusta realidade brasileira.

Nesta perspectiva, a cidadania cumpre um papel mais que relevante nas eleições municipais. Pode e deve participar de uma maneira proativa para mudar a nossa trágica realidade econômica, social e ambiental, desnudada com a pandemia e que continua a nos envergonhar como sociedade brasileira.  

Assim, cada vez mais, nas redes sociais e nas ruas, a cidadania pode e deve construir novas relações com a municipalidade, buscando interferir no processo de construção de políticas públicas para uma governança que se quer democrática, realizadora das mudanças necessárias, a serem pactuadas para a construção da almejada sustentabilidade política, econômica, social e ambiental, em cada município brasileiro.

A criação de mecanismos institucionais de acompanhar e avaliar as relações entre o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e a sociedade municipal em geral desafiam a cidadania e o poder público à construção de novas relações entre os atores políticos, econômicos, sociais e ambientais do município, na busca da desejada gestão municipal sustentável, no caminho de um novo pacto federativo, inclusivo e democrático. Considerando sempre a necessidade de uma visão sistêmica no processo de construção das políticas públicas municipais, onde a educação, a ciência e a tecnologia, a saúde, o saneamento, a habitação, a inclusão digital, o combate à corrupção, o trabalho e a renda  devem ter um papel de destaque.

A governança democrática municipal deve ter como fundamentos a transparência e o diálogo permanente com a sociedade, apontando a viabilidade e as dificuldades  de implementação das políticas públicas aprovadas para o município. Deve-se considerar ainda que uma gestão municipal, que se pretende democrática, deve ter prioridades, através de diálogo permanente entre os que governam e a sociedade, que garanta a  implementação de políticas públicas voltadas para a sustentabilidade municipal, articuladas às políticas regionais, estaduais e federais, construindo pactos de cooperação entre o Estado, o Mercado e a Sociedade Civil, através de redes regionais, nacionais e internacionais, com foco na melhoria do bem-estar da sociedade.

Neste contexto, todos estão desafiados, no processo político eleitoral em curso: os atuais candidatos, os prefeitos e vereadores eleitos nas próximas eleições municipais, em diálogo com a sociedade, a ter uma efetiva participação na construção e na implementação de políticas públicas municipais para os próximos quatro anos, em cada município brasileiro, colaborando com o processo de avaliação permanente dessas políticas, buscando atender as demandas municipais, em sintonia com as outras políticas públicas regionais e nacionais, no caminho da sustentabilidade econômica, social e ambiental de cada município brasileiro.

Estes são os nossos dilemas a serem superados para o avanço da democracia brasileira, com a inclusão dessas populações municipais no processo de construção de políticas públicas sustentáveis, significando a vida das pessoas em cada município do Brasil.

Assim, o exercício pleno da cidadania, com a participação proativa da sociedade, é o caminho que vai criar as condições para uma efetiva transformação da realidade política, econômica, social e ambiental de cada município brasileiro.

*Professor da UFBA e da Diretoria do Instituto Politécnico da Bahia

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Diante de uma crise climática cada vez mais evidente, Gurgel defende, de forma lúcida, o diálogo entre os diversos atores, para além das diferenças e, sobretudo, das polarizações crescentes. Ele nos lembra que a saúde planetária deve estar acima de ideologias, seja à esquerda ou à direita. A proposta de uma agenda de políticas públicas para a sustentabilidade, integrando Estado, Sociedade Civil e Mercado, sugere uma revisita a um clássico da canção mineira, pela harmonia e consciência coletiva: 'Vamos precisar de todo mundo
Um mais um é sempre mais que dois
Pra melhor juntar as nossas forças' (Beto Guedes)"