sexta-feira, 20 de setembro de 2024

José de Souza Martins - A lentidão da consciência eleitoral

Valor Econômico

Já próximos do dia de votação, mesmo na nebulosidade da campanha, o eleitor começa a compreender qual é o jogo, quanto há de falso e de verdadeiro nas candidaturas

Não está claro em que momento do processo eleitoral o eleitor começa a tomar consciência de que já começou e começa a se interessar por seu lugar e seu protagonismo nele. Refiro-me à subjetividade política do cidadão.

Esse é um momento cíclico e rotineiro da manifestação da vontade política dos cidadãos. A decisão do voto é a da sua invenção na tomada de consciência das armadilhas que procuram tolher-lhe o direito de livre opção eleitoral.

Aqui esse momento é demorado e não é rotineiro. Os partidos e os eleitores com ele se defrontam e nele se integram como um movimento anômalo e convulsivo da política.

Não raro pressupõem que as possíveis mudanças decorrentes de uma eleição devem ser temidas. A insurreição golpista de 8 de janeiro de 2023 expressou essa concepção anômala da política de maneira dramática, muitas pessoas levadas ao desespero na manifestação apocalíptica do seu inconformismo.

A incerteza tem enredo e protagonistas, mesmo em eleições municipais como a de agora. Dois agrupamentos de circunstância disputam os votos.

De um lado, o “partido” dos grupos e agremiações que tomam o pleito por decidido antes que o eleitor chegue a conclusões próprias sobre o que pode estar em jogo no processo eleitoral. De outro lado o dos que conseguem compreender a peculiar diversidade de possibilidades ao longo do processo eleitoral e a examinam elaborando seu discernimento político.

Para esse eleitor a consciência política é dinâmica. Expressa o entendimento de que a eleição só termina com o fechamento das urnas e a proclamação dos resultados. A escolha do eleitor não é apenas entre candidatos e partidos. É escolha entre as revelações do jogo político e suas artimanhas.

Aqui, o eleitor consciente sabe que querem enganá-lo ao não lhe dizerem tanto o que a campanha eleitoral revela quanto, principalmente, o que esconde. A descrença na política e nos partidos deve muito à equivocada concepção de que a eleição é uma fraude e de que o político é um mentiroso.

Esse eleitor, porém, consegue definir o que está em jogo sem enunciar suas próprias referências em face das alternativas que melhor expressem o que de fato está em jogo na disputa. Seu candidato, em última instância, será o que, nas horas finais da campanha, resultará não de sua escolha, mas de sua invenção. É muito difícil, apurados os votos, saber em que, e não apenas em quem, os eleitores votaram.

Este é o momento em que o tempo da verdade do voto começa a se definir. Não um nome necessariamente. Já próximos do dia de votação, mesmo na nebulosidade da campanha eleitoral, o eleitor já começa a compreender qual é o jogo, o quanto há de falso e o quanto há de verdadeiro nas candidaturas em disputa. O resultado da eleição não será o de nomes, mas o de revelações políticas.

Nas grandes cidades, sua diversificação social e política, a intensidade e amplitude dos problemas sociais, a fragilidade de vários dos candidatos na compreensão dos dramas decorrentes da urbanização patológica, clara em cidades como São Paulo, a distância entre os poderes públicos e as complexas necessidades sociais da população, criam uma peculiar consciência urbana, que é a das insuficiências. Hoje, a cidade de São Paulo está muito aquém do que poderia ser e do que precisa ser para torná-la a metrópole que se pretende.

A disputa eleitoral pela prefeitura e pelo poder de governá-la envolve uma personagem política oculta na trama confusa da manipulação, tão própria do que é a eleição. Envolve o morador, o protagonista decisivo da sociedade urbana e da cidade.

Henri Lefebvre foi motorista de táxi, em Paris, para compreender sociologicamente as categorias de pensamento que o morador desenvolve e mobiliza para nela viver. Ele é sobretudo seu usuário, personagem das tensões entre o de que carece nessa condição e as insuficiências do que pode dispor para seu uso social.

Por esse meio, Lefebvre descobriu as três categorias de consciência social relativas à espacialidade urbana: o vivido, o percebido e o concebido. Em muitos municípios brasileiros, nesta eleição, esses níveis de compreensão estão de algum modo presentes, em diferentes intensidades.

No caso de São Paulo, a maioria dos eleitores e dos partidos mostra que se movem apenas do terreno do percebido. Não conseguem reconhecer as contradições do vivido. E não se interessam pelas revelações possibilitadas pelo percebido e pelo vivido. Isto é, pela dimensão propriamente política da política.

O eleitor consciente, como indicam as pesquisas de opinião eleitoral, está à beira do abismo de se tornar minoria na cultura da decadência política. Ele será nesta eleição o eleitor insurgente das revelações do vivido.

 

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