Folha de S. Paulo
Um suspiro contra Trump em qualquer birosca
do planeta irá no ato para uma nuvem ao alcance de seu governo
Há duas semanas, um cientista
francês a caminho de um congresso no Texas foi barrado no aeroporto de
Dallas. Teve seu celular investigado e foi chutado de volta para Paris sem mais
aquela. O cientista, não identificado, viajava pelo Centro Nacional de Pesquisa
Científica, instituição séria, financiada por seu governo.
O pretexto para impedi-lo de entrar nos EUA foram comentários que ele teria feito sobre a selvagem política de Trump contra a universidade americana, cortando verbas para a pesquisa e sangrando a vida acadêmica. Segundo os agentes do aeroporto, os comentários teriam caráter "terrorista".
Como o cientista não parecia ser uma
celebridade, por que o teriam escolhido para levar uma geral ao desembarcar? No
passado, as representações diplomáticas dos países sob ditadura informavam a
seus chanceleres sobre possíveis inimigos nos países em que estavam baseados.
Era difícil para um brasileiro entrar, digamos, em Portugal sob Salazar ou na
Espanha sob Franco, se suas opiniões sobre eles desagradassem aos embaixadores
dos dois países. Não lhe concederiam nem o visto de entrada.
Hoje, sob a ditadura da inteligência
artificial, um suspiro contra Trump por um anônimo em qualquer birosca do
planeta irá no ato para uma nuvem ao alcance do governo americano. Mas o caso
do cientista francês é grave, por ser uma agressão à liberdade
acadêmica e à circulação de informações na área científica. É uma das
estratégias de Trump para asfixiar o pensamento.
Em 1988, também fui barrado em Dallas e tive
a mala revistada, mas por motivo menos nobre. A pedido de meus amigos da
Playboy brasileira, eu estava levando para a Playboy americana um pequeno
estoque de microbiquínis de uma butique carioca para uma reportagem. A agente,
fardada, severa e assustadora, desconfiou que eu estava traficando biquínis
para fins imorais.
Custei, mas convenci-a da inocência dos
biquínis e da minha própria. Só depois, ao abrir a mala no hotel, descobri que
ela me surrupiara um microbiquíni.
Nenhum comentário:
Postar um comentário