terça-feira, 7 de abril de 2009

Na rota das bandeiras

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Há um discurso subjacente nas discussões sobre a sucessão presidencial que ameaça contaminar a campanha de 2010, se o candidato do PSDB for José Serra: o de que São Paulo está há 16 anos no poder, é hora de mudar e de acabar com a hegemonia paulista. Êsse discurso ganhou contornos mais fortes com a nota publicada ontem, nos jornais, por associações empresariais do Espírito Santo intitulada "Em Defesa do Pacto Federativo".

Em resumo, reclama da perda de receitas para São Paulo: até agora, importações feitas por empresas paulistas por meio dos portos capixabas recolhiam o ICMS no Espírito Santo. A Decisão Normativa nº 3 da Secretaria de Fazenda de São Paulo mudou esse status quo e o tributo passou a ser cobrado pelo fisco de São Paulo. Antes de oficializar a medida, a secretaria já autuava empresas que recolhiam aos cofres capixabas o tributo referente às importações na "modalidade por conta e ordem".

"Precisamos, sim, restaurar o espírito de Pacto Federativo, sob pena de criarmos um ambiente de desestruturação do Brasil", diz a nota, antes de enviar um recado com o endereço do Palácio dos Bandeirantes como destinatário: "É preciso que o governador de São Paulo mantenha-se atento aos compromissos políticos com a União".

O senador capixava Renato Casagrande (PSB) é mais explícito: "Esse é um comportamento que desequilibra a federação e traz um componente de complexidade política para o José Serra", diz. "A responsabilidade acaba caindo sobre o governador". Segundo Casagrande, medidas como a Decisão Normativa nº 3 são reveladoras de que a visão de quem está no Bandeirantes é a de que "o Brasil termina na divisa de São Paulo".

O discurso antipaulista estava subjacente até poucos dias atrás, quando o governador Aécio Neves, de Minas Gerais, tratou de lhe dar cores mais fortes ao convocar Serra a sair em sua companhia pelo Brasil: "Não se constrói um projeto para o país a partir de alguns gabinetes da avenida Paulista", declarou então o tucano, que disputa com Serra a indicação do partido para concorrer ao lugar de Lula, na eleição de 2010.

Em 2002, quando Serra disputou o cargo, esse discurso apareceu no Norte e no Nordeste. O senador Antonio Carlos Magalhães, morto em 2007, dizia que o paulista não gostava dos nordestinos - "um discurso oligarca", segundo um dos mais fiéis aliados de Serra, o baiano Jutahy Junior (PSDB). No Norte, Serra ainda hoje tem problemas com o Amazonas, por causa de posições assumidas na Assembleia Nacional Constituinte em relação à Zona Franca de Manaus.

Em conversas recentes sobre 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou a interlocutores que compartilha da impressão segundo a qual José Serra, por ser um candidato muito identificado com São Paulo, terá problemas na eleição a partir do momento em que for explicitada "a veia paulista" do governador (em contrapartida Lula já ouviu que em São Paulo há um antilulismo e um antipetismo de enlouquecer).

A questão capixaba já envolveu até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, acionado por seu ex-ministro Guilherme Dias, hoje secretário do governo do Espírito Santo, a mediar o contencioso com Serra. O argumento é que, devido à crise, o momento é ruim para todos, tanto que todos estão abrindo mão de IPI para manter o emprego na indústria de São Paulo. O ICMS sobre as importações por conta e ordem representa 26% do PIB do Espírito Santo, um dos Estados que mais cresceram nos últimos anos.

O deputado Arnaldo Madeira (PSDB) reage com bom humor toda vez que ouve falar sobre os "16 anos de São Paulo no poder", o que, aliás, é recorrente. Costuma responder que um era carioca (FHC) e o outro é pernambucano (Lula) e que há mais de 100 anos não há um presidente de naturalidade paulista. O último foi Rodrigues Alves (1902-1906) - Washington Luís era de Macaé (RJ), Jânio Quadros, de Campo Grande (MS), FHC é do Rio de Janeiro e Lula, de Garanhuns (PE).

É uma relação que também pode ser feita com outro viés: nenhum dos últimos presidentes vindos de São Paulo foi eleito com uma plataforma paulista na campanha: Jânio era o arauto da moralidade (vassourinha), FHC foi eleito e reeleito pelo Plano Real e Lula chegou com o esgotamento do poder tucano.

Madeira chama a atenção para um detalhe: embora seja apontado como o mais paulista dos atuais candidatos a presidente, esse filho de imigrantes italianos da Mooca é atualmente o mais nacional dos políticos paulistas, como demonstraria sua passagem pelo Ministério da Saúde, quando deu atenção aos Estados em geral.

O deputado tucano acha que as queixas sobre o poderio paulista são discriminatórias, todos fazem guerra fiscal contra São Paulo e reclamam quando os paulistas reagem, e têm no momento um caráter eleitoral. "Por que ninguém, por exemplo, aceita o princípio democrático de cada homem um voto?", pergunta, numa referência ao fato de o voto de um eleitor do Acre ou de Roraima valer mais que o de um paulista.

Serra parece atento à questão: desde que assumiu o governo paulista já fez acordos tributários com oito Estados brasileiros, independente do partido a que é filiado o governador: Mato Grosso (PR), Mato Grosso do Sul (PMDB), Rio de Janeiro (PMDB), Rio Grande do Sul (PSDB), Ceará (PSB), Alagoas (PSDB), Pernambuco (PSB) e Paraná (PMDB).

O que interessa é que a eleição presidencial de 2010, ao contrário do que deixam antever alguns movimentos preliminares, não se transforme num contencioso entre Estados. Afinal, por mais baixas que tenham sido as campanhas desde 1989, o país sempre saiu delas um pouco melhor.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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