“Aliviado de suas generosas dimensões humanistas, separado da dialética que o faz conceber a vida como uma totalidade histórica articulada, dinâmica e contraditória, esvaziado da ênfase no valor do trabalho e na capacidade de autodeterminação dos sujeitos, o marxismo foi assimilado como caricatura. Travestido em seu contrário, vaga pelo mundo capitalista atual. Todos se tornaram inconscientemente “marxistas”: passaram a achar que nada mais importa a não ser a voz dos mercados e que tudo o que respira deve ser modelado pelo ritmo da economia. O economicismo tornou-se cultura da época. Temos à disposição teorias econômicas da democracia, do comportamento político, da religiosidade, da cultura e da personalidade. E os Estados parecem não ter outra meta a não ser a conquista do mercado mundial.
Há uma incomensurável distância entre o marxismo de Marx e esse marxismo caricato e inconsciente que trafega por aí, quase como senso comum. A começar da déia mesma de economia. Marx jamais a reduziu aos mercados ou à produção em sentido estrito. Sua teoria fala em economia política, em relações sociais de produção, e sempre afirma que é preciso ligar e articular a economia com capacidades sociais, instituições políticas, déias e ideais. Não pensava que tudo derivava da economia, mas sim que a economia determinava em última instância o modo de vida, ou seja, admitia sem dificuldades que o modo de vida também reagia sobre a economia e a determinava. Não imaginava haver uma via de mão única ligando a economia ao resto da vida, mas sim, precisamente, uma interação dialética, em nome da qual seria possível conceber a liberdade e a autonomia dos sujeitos e, assim, pensar em maneiras de fazer a vida ficar melhor e mais humana. Era essa a revolução radical com que ele sonhava, algo bem diferente da irrupção violenta e sanguinária dos trabalhadores contra o capital, que muitos a ele atribuem. “
Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da UNESP. O economicismo como cultura da época. O Estado de S. Paulo, 22/10/2011.
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