quinta-feira, 24 de maio de 2012

Trapalhadas ou conveniências:: Raquel Ulhôa

Com pose e discurso de candidato a presidente da República, o ex-ministro Nelson Jobim constrangeu o vice-presidente Michel Temer e a cúpula do PMDB, mas empolgou a plateia de um encontro nacional do partido, em Brasília, na semana passada.

Demitido pela presidente Dilma Rousseff após criticar colegas de ministério e revelar voto no tucano José Serra na eleição presidencial, Jobim, agora afastado de cargo público, voltou a "falar demais", segundo correligionários, e surpreendeu pelo tom.

O evento destinava-se à preparação de candidatos às eleições municipais a desenvolverem ações de comunicação e marketing. Jobim, que coordena um grupo criado pelo Senado para discutir pacto federativo, foi convidado a falar desse tema. Usou o assunto como mote para atacar a submissão do PMDB ao PT e cobrar dos dirigentes partidários posicionamento em relação a vários temas relativos à federação. Ao final, defendeu candidatura própria a presidente da República.

Jobim incomodou cúpula, mas base do PMDB gostou

"Não temos posição. Nos tornamos homologadores de posições que não tomamos", afirmou, dirigindo-se a Temer, presidente nacional licenciado do PMDB. "A sobrevivência do PMDB está dependendo de termos cara e voz. É o momento de termos cara e voz, porque quem não tem cara e voz curva-se. E quem se curva leva um pontapé", continuou.

Cochichos e olhares desconcertados revelavam o desconforto dos dirigentes sentados à mesa. Mas a plateia mostrava entusiasmo. Mal estar de um lado e aplausos de outro, carente de líderes. Coube ao vice-presidente responder. A irritação de Temer ficou clara nas entrelinhas e em sua postura. Falou quase o tempo todo de costas para Jobim.

Defendeu as "qualificações políticas" do PMDB, listou supostas bandeiras do partido, disse que a desunião só interessa aos adversários e considerou a candidatura própria a presidente uma questão aberta, "não vedada".

Dias antes, em jantar comemorativo aos 46 anos do PMDB, a uma plateia bem menor, fizera um discurso que repercutiu mal nas bases. Explicou o histórico adesismo do partido como uma ação em benefício do país, para garantir a governabilidade. "Nenhum governo consegue avançar sem o PMDB do lado. Então o PMDB passa a fazer coalizões, se integra à política da modernidade. Alguns acham que porque perdeu a eleição tem que ficar na oposição. Não. Quando o PMDB vai para as eleições, vai para valer, para atingir o poder. Mas, se não atinge, faz coalizões."

Jobim falou o que 99,9% dos pemedebistas gostariam de ter dito e expressou o sentimento da base do partido, segundo um dirigente da legenda. O discurso não seria fruto apenas do seu voluntarismo. Esse pemedebista lembra que ingenuidade não combina com a imagem de alguém que foi relator da Assembleia Nacional Constituinte, ministro de três governos sucessivos e presidente do Supremo Tribunal Federal.

A fala de Jobim destoa do pensamento da cúpula partidária, mas pode ser conveniente, ao mostrar que o partido tem uma ala menos submissa ao Palácio do Planalto e ao PT. "É só o Eduardo Campos começar a ser cortejado para ser o vice [numa eventual chapa de Dilma Rousseff à reeleição, em 2014] que Jobim volta correndo a ser chamado para o Palácio do Jaburu [residência oficial do vice-presidente]", afirmou um pemedebista, referindo-se à vontade de setores do PT de substituir o PMDB pelo PSB na parceria.

O partido de Temer, no entanto, não tem nomes nem trabalha na construção de opções para a Presidência da República. O último candidato que teve - Orestes Quércia, em 1994 - foi abandonado pela legenda e terminou em quarto lugar. Entre as atuais lideranças, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, já foi bem cotado, mas está desgastado pelas sucessivas enrascadas em que se envolveu. Outros nomes não passam de possibilidades futuras, como o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e o deputado Gabriel Chalita, candidato a prefeito de São Paulo - se ganhar e fizer uma gestão excepcional.

Apesar da tese do adesismo, defendida por Temer, o PMDB vive uma relação de desconfiança com o PT. O partido avalia que, se Dilma disputar a reeleição, o parceiro preferencial da aliança será o PSB do governador Eduardo Campos. De acordo com essa avaliação, o PMDB só manteria a vice se o candidato em 2014 for o ex-presidente Lula.

Para alguns, essa hipótese é reforçada por ações e gestos de Dilma. Um exemplo foi a bronca pública dada por ela no presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski. Não seria uma ação de quem pretende disputar. Lula, por outro lado, embora com problemas de saúde, já parece estar em campanha.

Com Dilma, o PMDB ganhou a Vice-Presidência, mas perdeu espaço e instrumentos de política nos ministérios, como a área da saúde, e está sendo tirado do comando do setor elétrico. Atualmente, o partido identifica movimentação do Planalto para tirar Edison Lobão do Ministério de Minas e Energia. O argumento seria apoiá-lo para presidir o Senado, o que desagrada o atual líder na Casa, Renan Calheiros. Na Câmara, teme-se que o PT não cumpra o acordo de apoiar a eleição do líder do PMDB, Henrique Alves, para a presidência da Casa.

O peso dos partidos em 2014 será decidido a partir do desempenho nas eleições municipais. A meta, segundo Raupp, é lançar o maior número de candidatos próprios aos executivos municipais e aumentar em 30% o número de prefeitos, hoje 1.175, e de vereadores (8,5 mil). Mantendo-se como partido de maior capilaridade, o PMDB espera manter sua condição de parceiro preferencial da aliança - o que afasta o sonho das bases de candidato a presidente.

No fórum realizado em Brasília, prefeitos sentados na plateia comentavam que, se percorresse o Brasil com esse discurso forte, Jobim poderia contribuir para mobilizar as bases e fortalecer o movimento por uma candidatura própria. Mas, como ele não mostra disposição para a militância partidária, a expectativa é que o PMDB continue a reboque do PT.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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