- O Globo
Foi só fechar as urnas e o que era negado passou a ser anunciado. Ontem foi o dia de o governo comunicar as contas públicas de setembro. Todos sabiam que os dados seriam ruins e que a divulgação estava sendo adiada. A verdade foi pior do que os cálculos: pelo quinto mês, o resultado é negativo. No ano, o país tem déficit primário, e o governo vai pedir ao Congresso licença para não cumprir a lei orçamentária.
A presidente Dilma disse enfaticamente que o país não precisava de ajuste fiscal. Mas tudo isso pertence ao mundo que acabou no domingo. As urnas marcam a fronteira entre a fantasia e os fatos. O que o governo disse antes do fechamento da votação está sendo demolido em bases diárias. Quem acreditou no governo tem razões para o desapontamento; quem avaliava com objetividade os dados econômicos sabia da realidade.
Não é surpresa que as contas públicas em setembro seriam ruins, mas poucos podiam imaginar um rombo de R$ 20 bilhões, o déficit no governo central. No setor público consolidado, o buraco é de R$ 25 bilhões. O déficit primário no ano chegou a R$ 15 bilhões; a meta para 2014 era economizar R$ 80,8 bilhões. O secretário do Tesouro Arno Augustin, sabedor de que nada tão grande pode sair da sua sempre frutífera cartola, admitiu que o governo pedirá ao Congresso autorização para descumprir a lei orçamentária.
A alta dos juros foi outra das medidas que o choque de realidade começa a apresentar. Um país cuja inflação está acima do teto da meta precisa mesmo fazer algo. Ajuste fiscal ou aperto monetário, ou ambos. Quando Marina Silva e Aécio Neves falavam disso, a presidente Dilma fulminava tudo dizendo que era preciso traduzir o que isso significava. Os insertes publicitários faziam o resto do trabalho.
Agora se prepara o aumento da gasolina que, pelo menos, teve a vantagem de não ser negado. O ministro Guido Mantega disse várias vezes que o preço sobe todo ano e não seria diferente em 2014. A única mudança foi a data, marcada para depois das urnas.
Fala-se da volta da Cide. O imposto dos combustíveis arrecadaria, se estivesse sendo cobrado, perto de R$ 10 bilhões anuais. Esse dinheiro seria destinado a investimento em infraestrutura de transportes. É esse valor que o governo abre mão para incentivar o uso dos combustíveis fósseis. A renúncia fiscal produz efeitos colaterais: aumenta a poluição, desorganiza o setor de etanol e piora a conta petróleo do comércio exterior, que no ano passado teve um déficit de US$ 20 bilhões. Em resumo, é uma péssima medida. O Brasil precisa de redução da carga tributária, mas retirar ou reduzir impostos tem que obedecer a um projeto. Aumentar o consumo de gasolina não é objetivo que se busque.
Há outras verdades inconvenientes esperando a sua vez para serem anunciadas. O aumento do desmatamento da Amazônia nos últimos meses é um exemplo. Outro é a crise energética, antes de tudo o mais vasto e perigoso desequilíbrio financeiro nas empresas do setor. A Conta de Desenvolvimento Energético acumula um rombo de R$ 8 bi. As distribuidoras têm uma dívida de R$ 28 bi para passar ao consumidor nos próximos três anos. As geradoras apresentam um buraco ainda não medido e não têm para quem passar. Tudo isso foi alertado por analistas e negado pelo governo.
A verdade é teimosa. Ela pode ser escondida temporariamente, mas aparece sempre. O que deve ser discutido são os limites éticos de um governo disputando reeleição. Até que ponto os órgãos públicos podem escamotear, esconder ou adiar as verdades que os eleitores e contribuintes têm o direito de saber? Isso poderia não alterar o voto, mas certamente elevaria a qualidade da democracia.
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