- O Globo
O país se aproxima do fim do ano com o governo anunciando várias medidas e em atividade intensa. Nada desvia, contudo, a atenção geral da crise derivada da corrupção. Os dados do Departamento de Justiça americano, mesmo sem nomes, mostram que a Odebrecht virou um polvo com tentáculos em vários países e levou o Brasil a atingir seu sonho de grandeza pelo pior motivo: o maior caso de suborno da História.
Ontem pareceu diversos dias em um. A manhã começou com o presidente Michel Temer anunciando medidas que iam do uso do dinheiro do FGTS à queda dos juros do cartão de crédito. O Banco Central divulgou o relatório de inflação informando que o índice pode ficar no teto da meta, sem estourá-la, mas refez para baixo suas projeções de crescimento e investimento de 2017.
Depois, o governo voltou a anunciar medidas na área trabalhista. Um projeto de lei com mudanças nas relações entre capital e trabalho, dando mais espaço de negociação. O Programa de Seguro-Emprego, que comentei aqui na coluna, sofreu uma mudança de última hora. Seria permanente, mas a MP estabeleceu dois anos de prorrogação do programa criado no governo Dilma. Mais curto ficou menos ruim.
Em Washington, as informações divulgadas pelo governo americano, ao fim do acordo de leniência da Odebrecht com Estados Unidos e Suíça, confirmam tudo o que ficamos sabendo pela Lava-Jato e dão a dimensão global do corrosivo esquema que floresceu nos últimos anos no país. Não é loucura da Lava-Jato por estar perseguindo o ex-presidente Lula, como disse o Instituto Lula esta semana. É a luta contra um esquema multinacional de suborno que estava destruindo o país.
Como políticos de outros partidos e pessoas de destaque do atual governo permanecem sob a sombra das suspeitas, o tema continuará ocupando espaço nos jornais. E continuará atingindo políticos do governo ou da oposição.
Enquanto isso, o governo precisa exercer seu papel. Ele pode até ter tido a intenção de, com essa hiperatividade natalina, garantir sua permanência até o fim do mandato, mas isso não será decidido na economia e sim no Tribunal Superior Eleitoral ou no andamento da Lava-Jato. Há, contudo, algumas boas medidas no meio de tudo o que foi anunciado ontem.
A liberação das contas inativas do FGTS foi muito mais ampla do que se previa. Não salva a economia, mas é dinheiro que volta ao seu dono. Antes só se podia ter acesso aos recursos parados na conta em casos extremos: compra da casa própria, aposentadoria, três anos de desemprego ou morte. Ainda permanece a contradição de que o dinheiro é do trabalhador, remunerado abaixo da inflação, e ele não pode sequer escolher o gestor. Em caso de pedido de demissão, o trabalhador não tem acesso ao dinheiro e isso provoca várias distorções que vão dos acordos para ser demitido que elidem a lei até o comportamento conflituoso para provocar demissão. O FGTS precisa de novas etapas de modernização, mas a decisão anunciada ontem pelo governo foi um bom passo na direção certa.
A ideia básica do projeto de mudança da lei trabalhista faz todo o sentido. Com as mudanças, será possível tirar férias em etapas com o pagamento também em etapas, será regulamentado o trabalho remoto ou jornada alternativa que se adeque a cada tipo de trabalho. O professor José Pastore, especialista no tema, elogiou a decisão:
— Em qualquer país do mundo vale o negociado entre patrão e empregado, só no Brasil que não. Se fosse por medida provisória, seria mais rápido. Sendo por projeto de lei é mais demorado, mas mais bem discutido.
Outro anúncio foi que as enlouquecidas taxas de juros do crédito rotativo do cartão devem ficar menores. Hoje, estão no estratosférico patamar de 475% ao ano. O governo anunciou uma nova regulação que transformará a parcela não paga em empréstimo pessoal com taxas substancialmente menores. Podem ser de 136%. Altas ainda, mas pelo menos menores.
O que a onda de anúncios de fim de ano do governo mostrou é que é possível tomar decisões que estimulem a economia, ainda que nenhuma delas sozinha vá tirar o país da recessão. Nada disso vence a crise que permanece tendo seu epicentro na política e ao sabor da imprevisível evolução da Operação Lava-Jato.
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