- Folha de S. Paulo
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) é um pensador injustiçado. Não obstante ter contribuído de forma decisiva para várias áreas da matemática, ter antecipado a relatividade do espaço e do tempo e ter tido "insights" revolucionários em vários outros campos, que vão da medicina à computação, Leibniz ficou marcado por uma ideia que não está entre as suas melhores, que é a de que vivemos no melhor dos mundos possíveis.
Na tentativa de responder ao problema da existência do mal num cosmo regido por um ser benevolente e onipotente, Leibniz afirmou que Deus fez todas as contas e chegou necessariamente à solução ótima. Se achamos que há problemas no presente universo, é porque não tivemos acesso aos projetos alternativos. É claro que tamanho otimismo teológico era um convite à pilhéria, que veio pela pena de Voltaire.
"Cândido ou o Otimismo" é um dos mais divertidos textos filosóficos jamais escritos. Voltaire não hesitou em dar uma exagerada básica nas ideias de Leibniz para ridicularizá-las e compor sua obra-prima, criando um enredo fantástico no qual o personagem central, Cândido, discípulo do dr. Pangloss ("alter ego" do filósofo alemão), tenta convencer-se de que vive no melhor dos mundos, apesar da sucessão de desgraças que o acomete. "Cândido" foi um estrondoso sucesso de público e de crítica.
Fiz essa longa introdução para dizer que não é preciso ser um dr. Pangloss para encontrar lances positivos no meio da crise. Um bom exemplo é a constatação de que foi a troca de escaramuças entre Legislativo e Judiciário que permitiu que o Senado finalmente aprovasse um projeto de lei que limita os supersalários de servidores, mais comuns no Judiciário do que nos outros Poderes. O texto segue para a Câmara. Em circunstâncias normais, prevaleceria o acordo tácito do "não mexa nos meus privilégios que eu não mexo nos seus". Há males que vem para bem.
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