Emmanuel Macron conseguiu rara proeza ao desalojar de uma vez da Assembleia Nacional francesa a esmagadora maioria dos políticos tradicionais e renová-la radicalmente. Em 14 meses de vida, seu movimento transformado em partido, République En Marche, conquistou 308 cadeiras, mais da metade das 577 vagas no parlamento e sua coalizão com o centrista Modem, 350. Há maioria suficiente para deslanchar seus projetos reformistas, mas sua rápida ascensão e capacidade de emular o novo não é garantia de sucesso.
O programa de reformas de Macron começará pelas reformas trabalhistas, motivo de ira nas ruas que terminou por fulminar o pouco que restava da popularidade do socialista François Hollande, de quem foi o ministro da Economia. O novo presidente quer descentralizar as negociações trabalhistas, dando maior poder às empresas para negociar salários, horas extras e condições de trabalho, sem que precisem seguir os acordos setoriais.
Enquanto a reforma no Brasil procura privilegiar o negociado com os sindicatos sobre o legislado, Macron quer que o negociado pelas empresas prevaleça sobre o acordado com as poderosas organizações sindicais. Além de permitir maior flexibilidade às empresas, o objetivo é reduzir o custo da mão de obra. O novo governo quer colocar um teto nas multas para demissões sem justa causa.
A legislação trabalhista é tida como uma das responsáveis pela excessiva proteção da mão de obra empregada francesa e, assim, pelo alto índice de desemprego no país. Mesmo assim, a produtividade francesa é alta e rivaliza com a da maior economia europeia, a Alemanha.
A maioria parlamentar esmagadora significa quase certamente que a oposição desaguará nas ruas. Apesar de, somados, a extrema esquerda e a extrema direita de Marine Le Pen terem obtido mais votos nas eleições presidenciais que Macron, sua presença na Assembleia é minúscula, 27 e 9 deputados, respectivamente. Os socialistas foram trucidados nas urnas. Ficaram com 44 cadeiras, junto com aliados, quando detinham 284. Os Republicanos encolheram sua participação de 199 para 137. A abstenção no segundo turno foi de 57%.
As reformas de Macron prevêem corte de gastos de € 60 bilhões em 5 anos, ser obtido, entre outras coisas, com o corte de 120 mil funcionários públicos. O plano de investimentos prevê, no mesmo período, € 50 bilhões. Macron quer reduzir a taxação sobre as empresas de 33% para a média vigente na União Europeia, 25%.
Para corresponder às expectativas de que fará mudanças importantes, Macron terá de mostrar resultados logo. Ele avalia o uso das "ordinances", uma via rápida no parlamento na qual os parlamentares abdicam de fazer emendas aos projetos do Executivo. O verdadeiro teste será a reforma trabalhista para a qual, como contrapartida, o governo quer também pôr de pé um sistema de seguro desemprego mais abrangente e robusto. Uma derrota para os sindicatos, logo no início do governo, retirará boa parte da aura de inovador centrista que tem em suas costas o peso de realizar as transformações que nem direita nem esquerda conseguiram nos últimos anos. Um fracasso abrirá o caminho do Eliseu para os extremos, que têm avançado consistentemente nas eleições.
A renovação na forma de realizar campanha e no método de escolha candidatos podem fazer uma real diferença. O En Marche pediu currículos, entrevistou candidatos, discutiu projetos, abriu espaço para imigrantes, estabeleceu que metade de seus escolhidos para disputar a eleição legislativa fosse do sexo feminino, a mesma proporção de pessoas que não tiveram participação política institucional anterior. A um país acostumado à militância de esquerda, é uma novidade um ativismo de centro, que difere da inclinação política também dos atuais movimentos renovadores do Podemos na Espanha e do Siriza, na Grécia. Resta ver se o entusiasmo será passageiro ou se o novo partido conseguirá arejar a política e renovar práticas, com impacto histórico.
Na política externa, o alinhamento de Macron com Angela Merkel, a caminho do quarto mandato na Alemanha, ajudará a cicatrizar as feridas da saída do Reino Unido e fortalece o núcleo original do bloco europeu. E, ainda que possa ser derrotado na empreitada, Macron propõe que se conclua a arquitetura da união monetária, ao defender uma política fiscal única e uma união bancária mais completa. A Alemanha não gosta das duas ideias, embora aceite discuti-las.
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