- O Globo
Sessenta mil homicídios por ano, sistema carcerário esgotado, policiais fazendo greves. Esses são três dos vários sinais citados pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann, para sustentar sua afirmação de que o sistema de segurança desenhado pela Constituição está falido. Ele propõe redistribuir funções pela União, estados e municípios, garantir mais recursos e criar uma força nacional permanente.
A Linha Amarela, no Rio, foi fechada dois dias consecutivos por tiroteios, e uma operação foi deflagrada com 3.000 homens das Forças Armadas. A ideia desta vez é tentar impedir que armas e drogas transitem, por isso o bloqueio foi pensado para ser por terra, mar e ar. Esta é mais uma semana no Rio:
— O Rio tem posição muito crítica porque vive uma crise econômica, uma crise fiscal, crise de governança, moral e de segurança. É uma tempestade perfeita.
Em entrevista que me concedeu na Globonews, o ministro defendeu que se rediscuta toda a organização do combate ao crime no Brasil, a começar da distribuição das atribuições. A Constituição entrega 80% das responsabilidades aos estados. Eles não podem ter bom desempenho por causa da crise fiscal, e não conseguiriam, muitas vezes, porque o crime atravessou as fronteiras estaduais e até nacionais:
— Vamos supor uma situação muito prática. O PCC, que é uma organização que tem seu centro em São Paulo, resolve dar um salto no Rio, ir para a rua e tocar fogo. O que o governador do Rio pode fazer diante disso? O que se pode fazer se o Nem, a cinco mil quilômetros de distância, declara guerra na Rocinha? E nós temos quatro países na fronteira com o Brasil que são grandes produtores de drogas, como fica isso? O governo federal não dispõe de mandato para cuidar, porque a prerrogativa é dos estados, nem de recursos.
Raul propõe algo como solução que dá urticária nos economistas: um piso de gasto obrigatório com a segurança. Ele diz que educação e saúde têm, mas na segurança o dinheiro efetivamente gasto tem diminuído a cada ano. Os economistas que têm propostas para a crise fiscal brasileira costumam garantir que estabelecer parcelas do Orçamento obrigatórias para cada área foi o que nos levou à situação de colapso das contas públicas. Isso é o engessamento, o principal obstáculo a que o Brasil organize suas contas. O ministro defende que os municípios também passem a integrar o esforço da segurança pública e que haja uma força nacional permanente.
No governo Temer, as Forças Armadas já fizeram 11 operações nos estados do tipo Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Ele diz que isso mostra a banalização do uso do Exército, Marinha e Aeronáutica em missões urbanas, para fazer o trabalho das forças locais:
— Às vezes as pessoas perguntam: por que não entram na Rocinha? Porque elas foram treinadas para destruir, para a guerra, e nós não vamos destruir a Rocinha. E quem tem o mandado judicial para prender e fazer busca e apreensão são as polícias e não as Forças Armadas.
Ele acha que todos esses sinais de crise aguda na segurança precisam ser enfrentados agora:
— É preciso tomar as medidas necessárias antes que seja tarde demais e a gente venha a lamentar por estar repetindo a trajetória de outros países. O México tem 23 mil desaparecidos e, em 15 anos, 350 mil militares desertaram. Vamos chegar nesse nível?
Raul Jungmann acha que hoje o crime é também uma ameaça à democracia, e quando se pede um exemplo do que ele está dizendo, o ministro lembra o que aconteceu em 2016 no Maranhão. O governador Flávio Dino estava cumprindo a Lei de Execuções Penais. O bando criminoso do Complexo Penal de Pedrinhas ameaçou impedir as eleições e passou a queimar escolas:
— Isso é terrorismo. Dentro de uma prisão é onde o Estado deveria ter a máxima capacidade de imposição. A anomalia é que as maiores gangues do Rio, São Paulo, e as outras, a "família do norte”, o “sindicato do crime”, surgiram dentro do sistema prisional. Eles continuam lá dentro mandando aqui fora. Fizemos 33 varreduras, no total, somando 22 mil presos. Desses, 11 mil estavam armados.
Diante de um quadro assim tão dramático, ele estranhou a reação causada pela sua afirmação de que “o sistema estava falido". Acredita ter dito uma obviedade.
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