- O Globo
Trump não está propenso a aceitar um sucessor na Casa Branca já em 2020
O Nobel de Economia de 2008 e dublê de colunista Paul Krugman define o presidente dos EUA, Donald Trump, como a encarnação de um pesadelo que ronda tanta gente: ter um chefe incompetente que faz de tudo para se agarrar ao cargo e, de lambada, destrói a própria empresa sob seu comando. No caso, a firma se chama Estados Unidos da América. Crítico escancarado do 45º ocupante da Casa Branca, Krugman elenca as decisões e as inações de Trump nestes 6 meses de peste e conclui que, ao desastre epidemiológico e econômico no país, vem, agora, se juntar a falência política do negacionista em chefe. E que talvez já seja tarde para evitar, também, a sua eventual debacle eleitoral em novembro.
É desse contexto que brota a mensagem recebida na manhã da quinta-feira, dia 30, pelos 84,4 milhões de seguidores de Trump no Twitter . Poucos minutos antes, o mundo fora informado de que o PIB americano sofrera a maior queda desde a Grande Depressão. Sem tocar em assunto tão tóxico, o presidente mudou a chave com destreza. No estilo que domina como ninguém — adjetivos que gritam, interrogação final que simula inocência na pergunta — postou: “Com a votação universal por correio, 2020 será a eleição mais IMPRECISA e FRAUDULENTA da história. Será um grande constrangimento para o país. Adiar a eleição até que as pessoas possam votar de maneira adequada, segura e protegida???”.
De pronto instalou-se a habitual reação em cadeia aos disparates do presidente. Tal como ele planejara.
Para muitos, era preciso denunciar a intenção de Trump de tentar adiar eleições que nos EUA se realizam na mesma data desde 1845 — “na terça-feira depois da primeira segunda-feira do mês de novembro”, diz a lei. Tomando a pandemia como justificativa, Trump estaria tentando ganhar tempo e fôlego para se recuperar nas pesquisas eleitorais que no momento lhe são cruéis.
A preocupação soa desnecessária, visto que nem Trump nem qualquer presidente dos EUA tem autoridade para adiar a data eleitoral. Precisa da aprovação do Congresso, que jamais a concederia.
Para outros, o melhor é não perder tempo com mais esta patacoada do reality show trumpiano. Um pouco na linha defendida em 2016 pela criadora do “HuffPost”, Arianna Huffington, que à época prometeu confinar toda notícia envolvendo Donald Trump às páginas de entretenimento do site que comandava. Fracassou, claro, pois deu-se o oposto: desde o primeiro ano de mandato, foi Trump quem se esparramou por todos os setores de mídia do planeta — da política à economia, da cultura às páginas policiais.
Normalizar as aberrações do presidente, por mais estapafúrdias que pareçam, tampouco é prudente. Trump e o brasileiro Jair Bolsonaro têm em comum desdizer rápido e sem cerimônia declarações que repercutem mal demais. Passam a tratá-las como “brincadeirinhas”, ou iscas de atormentar a mídia. Na verdade, são balões de ensaio, descartados quando não dão certo. Assim foi desta vez. “Se eu quero mudar a data?”, corrigiu Trump horas após lançar seu torpedo. “Não, quero que a eleição se realize. Mas não quero esperar três meses para só então descobrirmos que faltam votos enviados por correio, e que a eleição não valeu”.
A real intenção da postagem presidencial foi deslegitimar por antecipação o resultado das eleições de novembro. Já fez isso quatro anos atrás, quando saiu vitorioso no Colégio Eleitoral e conseguiu chegar à Casa Branca. Ainda assim, até hoje não reconhece a humilhante surra que levou de Hillary Clinton no voto popular. Difícil, portanto, imaginar que em 2020 será diferente, sobretudo se vier a ser derrotado pelo opositor democrata, Joe Biden. Daí o ataque frontal ao voto por correspondência, que em tempos de pandemia deverá se ampliar a todos os 50 estados do país.
O alvo é perfeito para os cenários apocalípticos anunciados pelo presidente: milhões de cédulas falsas impressas por algum país inimigo (China?), fraudes maciças por ação do Partido Democrata, colapso estrondoso do sistema postal americano.
Certamente não foi por acaso que Trump nomeou para chefe dos Correios um dos grandes doadores de sua campanha, Louis DeJoy, severo enxugador de gastos do serviço deficitário e que acumula atrasos nas entregas durante a pandemia. Problemas haverá, tanto na entrega quanto na devolução e contagem das cédulas enviadas por correio. E serão grandes. Fraudes também, como sempre.
Mas o fato cada vez mais identificável por trás das brincadeirinhas sérias de Donald Trump é este: o 45º presidente dos Estados Unidos não está preparado nem propenso a aceitar um sucessor na Casa Branca já em 2020. Com ou sem voto por correio.
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