Se
insistir em proceder como o anjo da morte, impeachment nele!
O
presidente Jair Bolsonaro gosta de viver perigosamente – e ontem à noite,
depois de mais um expediente de trabalho no Palácio do Planalto, deu nova prova
ao deparar-se à entrada do Palácio da Alvorada com um grupo de devotos que
suplicava por um aceno dele, um mero sorriso ou – quem sabe? – a suprema graça
de desembarcar do carro para uma rápida conversa.
A
suprema graça foi obtida. E Bolsonaro, que antigamente costumava demorar por
ali quando havia jornalistas para serem alvos de seus insultos e também dos
seus adoradores, ouviu os costumeiros gritos de “Mito”, de “Aleluia, irmãos” e
de “Deus seja louvado” antes de puxar o assunto que realmente lhe interessava –
a aplicação de vacinas contra a Covid-19.
Deu
alguma boa notícia a respeito? Não. Pelo menos deu alguma informação de
utilidade pública? Tampouco. Aproveitou a ocasião para comportar-se como uma
espécie de anjo da morte na sua pior versão, o que prefere infundir terror nos
que em breve deverão ser chamados a prestar conta dos seus pecados. Foi logo
advertindo para surpresa dos seus ouvintes:
“Vamos
supor que em uma das cláusulas da vacina que eu vou comprar, vamos dizer que,
lá no meio, está escrito o seguinte: ‘Nos desobrigamos de qualquer
ressarcimento, de qualquer responsabilidade com possíveis efeitos colaterais
imediatos ou futuros’. E daí, vocês vão tomar a vacina?”
Alguns
responderam que não, a maioria ficou calada. Bolsonaro não se deu por
satisfeito e completou antes de dar meia volta volver e embarcar no carro:
“Eu vou mostrar todo o contrato para vocês. Quem tomar vai saber o que está tomando e as consequências. Se tiver um problema, um efeito colateral qualquer, já sabe que não vão cobrar de mim porque eu vou ser bem claro”.
O
recado foi dado. Não cabia contestação. Naquele espaço, a contestação é mal
vista. O presidente pode sempre se indignar e responder com um palavrão, ou
mandar o contestador calar a boca ou simplesmente dar-lhe uma banana. Quantas
vezes já não agiu assim, não é verdade? Teria sido o caso de lhe perguntarem: E
se a vacina demorar a chegar, a quem cobramos por isso?
Ou
então: a quem cobraremos se a vacina demorar a ser distribuída? Ou se faltar
vacina para todo mundo? Ou se a desconfiança do presidente em relação à vacina
estimular seus seguidores a não se vacinarem? E se disso resultar um maior
número de mortos e de doentes? A quem os brasileiros deverão cobrar? Bolsonaro
não responderia a nenhuma dessas indagações.
No
último fim de semana, o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, sanfoneiro
medíocre e companheiro constante de Bolsonaro em suas lives das quintas-feiras
no Facebook, , revelou que o governo não conta com a possibilidade de uma
segunda onda da pandemia, e “torce e reza” para que ela não aconteça. Não há um
Plano B. Gilson sabe o que diz, é amigo do homem.
Ao
contrário do general Eduardo Pazuello, especialista em logística, ministro da
Saúde, incapaz de dar vazão a quase 7 milhões de kits para exames do vírus
estocados há meses em um armazém de Guarulhos, em São Paulo, e cujos prazos de
validade deverão expirar até janeiro próximo. Pazuello pode ser também amigo do
homem, e dos filhos do homem, mas não sabe o que diz.
Em
depoimento, ontem, no Congresso, afirmou lá pelas tantas:
“Esse
vírus se propaga por aglomeração, por contato pessoal, por aerossóis, e nós
tivemos a maior campanha democrática que poderia ter o nosso país, que é a
municipal, nos últimos meses. Se isso não trouxe nenhum tipo de incremento ou
aumento em contaminação, não podemos falar em lockdown”.
Sabe
nada. E quando sabe alguma coisa e Bolsonaro ordena que ignore, ele obedece. A
Fundação Oswaldo Cruz anunciou que a Rede SUS na capital do Rio está com seu
sistema de saúde pública em colapso. Há uma oferta mínima de leitos, demanda
reprimida de pacientes e aumento de óbitos que ocorrem em casa. Na rede
privada, 98% dos leitos de terapia intensiva estão ocupados.
As
inevitáveis aglomerações nas festas de fim de ano não só nas grandes cidades do
país deverão agravar a situação da pandemia. O governo federal não parece se
importar. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, determinou
o retorno das aulas presenciais em universidades federais e particulares
a partir de 4 de janeiro. Os reitores ameaçam se rebelar.
Não se brinca com a vida alheia. Até o governo chinês cairia se brincasse. Se Bolsonaro perseverar no caminho de negar o que se recusa a ver, o país assistirá ao processo de impeachment mais rápido de sua história. É como ensinou, esta semana, o prefeito Alexandre Kalil, de Belo Horizonte: “Se faltar público não tem picadeiro. Sem picadeiro não tem palhaço”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário