Pensar
não dói
Doze
meses e 401 mil mortos depois do início da pandemia no Brasil, passou da hora
de refletir por que nos comportamos de maneira tão conformada e indiferente
diante do maior cataclismo que se abateu sobre o país em pouco mais de um
século. Porque é disso que se trata e que, aparentemente, nos recusamos a ver.
Um em
cada cinco óbitos notificados desde março de 2020 se deve à doença. Foram 76
dias para ir de 200 mil a 300 mil mortos, e apenas 36 dias para chegar aos 400
mil. O Brasil é o segundo país do mundo com maior número de mortos. Em uma
lista de 52, é o 22º em doses de vacinas aplicadas a cada 100 habitantes.
O governo do presidente Jair Bolsonaro, e dos militares paraquedistas que ocupam cargos estratégicos, tem a maior parcela de culpa por tantas mortes, só abaixo da do vírus letal. Deu passe livre à Covid-19 para que ela circulasse sem barreiras, matando os que estivessem marcados para morrer (e daí?).
Bolsonaro
estava cansado de saber que não seria uma gripezinha. Sabia, porque lhe
disseram, que se nada fosse feito, em dezembro último o número de mortos
bateria a casa dos 200 mil (mas ele não é coveiro, não é mesmo?). E que sem
isolamento social e vacinas, a mortandade só faria aumentar, e seguirá
aumentando.
Não foi
por engano, incúria ou ignorância, pois, que ele jogou suas fichas na arriscada
aposta de que a pandemia seria contida por ela mesmo quando 70% da população
fossem infectadas. Entre salvar os mais vulneráveis ou salvar o seu governo
ameaçado pela recessão econômica, preferiu a última e falsa opção.
Pense se
Bolsonaro tivesse feito o contrário. Se aos primeiros sinais da tragédia,
ocupasse uma cadeia nacional de rádio e de televisão para dizer algo parecido
com: a partir deste momento, só vidas importam. Diferenças políticas e
ideológicas ficam suspensas. Convoco todos os brasileiros a lutar contra a
morte.
E, no
comando de um gabinete de crise formado pelos maiores especialistas do país no
assunto, se pusesse à frente de todas as ações contra a doença sem poupar
recursos, viajando pelo país a conferir o resultado das medidas adotadas, e
tendo uma palavra de conforto a oferecer. Quem o venceria no ano que vem?
Mas,
convenhamos, Bolsonaro não seria o que de fato é, um homem rude, mau,
oportunista, interessado unicamente no próprio destino e no destino de sua
prole, se tivesse agido de maneira diferente. Muito menos teria sido eleito se
não fosse um espelho da parcela expressiva dos brasileiros que votaram nele.
Bolsonaro
passará, e quanto mais rápido melhor para todos. Parte do que somos…
Infelizmente não.
Oposição
torce para que Bolsonaro siga desafiando a morte
Assim é
se lhe parece
Ministro
que toma vacina escondido. Ministro que acusa o principal parceiro comercial do
país de exportar vírus. Presidente que se recusa a usar máscara, promove
aglomerações, acusa governadores de roubar o dinheiro da saúde, e não se
vacina…
Tudo
isso será esquecido ao confirmarem-se as previsões dos sábios que raramente
acertam de que a economia, no ano que vem, dará sinais de recuperação e de que
a Covid-19 estará sob controle, incorporada de vez ao calendário das doenças
infecciosas?
Bolsonaro
e seus dependentes desejam que sim, essa seria a única maneira de permanecerem
mais quatro anos no poder. Presidente da República, aqui, sempre se
reelege. Os que querem vê-los pelas costas admitem em voz baixa que isso pode
acontecer.
Contam
para que não aconteça com os inevitáveis erros que Bolsonaro cometerá até lá. É
da natureza dele arriscar-se em saltos mortais de grandes alturas sem rede, não
dar ouvidos a auxiliares que dizem o contrário do que ele pensa, e só confiar
nos filhos.
Por mais
que procure mostrar-se simpático, próximo dos seus devotos e apareça sempre
sorrindo, é um homem triste, angustiado, que enfrenta a solidão do poder com
crescentes dificuldades. Uma pessoa assim está sujeita a muitos erros.
Esta semana, outra vez, ministros preocupados com a situação de Bolsonaro voltaram a pressioná-lo para que mude de comportamento, seja mais prudente, se exponha menos e dê prioridade à compra de vacinas. Ele respondeu que sabe o que faz.
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