sexta-feira, 19 de novembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Mais saneamento

Folha de S. Paulo

Dados dão sinais de que investimentos no setor podem decolar com o novo marco

Pouco mais de um ano após a aprovação do novo marco regulatório do saneamento, que abriu espaço para maior participação do setor privado, há sinais de que o país poderá finalmente reverter décadas de descaso com o setor.

Segundo dados do Ministério da Economia, nos 12 meses encerrados em setembro a carteira de novos projetos em fase de contratação no BNDES chegou a R$ 35,3 bilhões, algo como dez vezes o padrão que vigorava até 2019.

O financiamento privado por meio de debêntures de infraestrutura, título de crédito que propicia isenção de Imposto de Renda no rendimento para pessoas físicas, também disparou no mesmo período, atingindo R$ 12 bilhões. Trata-se de um avanço notável ante média anual de R$ 2,4 bilhões que vigorou entre 2013 e 2019.

As concessões recentes têm atraído forte interesse, como evidenciado nas operações concluídas em Alagoas, no Amapá e no Rio de Janeiro, que juntas geraram R$ 25 bilhões em outorgas e projetam investimentos de R$ 47,3 bilhões ao longo da vigência dos contratos.

A partir de tais números, o país poderá se aproximar do patamar de investimentos observado internacionalmente. Entre 2000 e 2016 aportou-se no setor apenas 0,2% do Produto Interno Bruto ao ano, segundo o BNDES, metade do contabilizado na América Latina e menos de 20% da cifra chinesa.

Já não soa irreal, assim, a meta de universalização do acesso à água potável e de cobertura de 90% das residências com coleta e tratamento de esgoto até 2033.

As mudanças trazidas pelo novo marco, longe de revolucionárias, são simples e sensatas —regulação da Agência Nacional de Águas, exigência de sustentabilidade econômico-financeira das concessionárias, competição com o setor privado e garantia de que áreas deficitárias sejam atendidas com a formação de blocos regionais.

Chega a ser difícil conceber como tais medidas levaram tanto tempo para serem aceitas no âmbito político, por interesses paroquiais ou ideologia cega ao interesse da população até aqui desassistida.

O sucesso ainda está longe de garantido, porém. A regulação é nova e o fluxo de investimentos está apenas no começo. É preciso especial atenção para que nenhuma região fique sem cobertura, objetivo central da regulação.

Existe esse risco, dado que vários municípios ainda resistem a participar, preferindo desenhar planos próprios que podem se mostrar pouco eficientes. Nesse sentido, há muito o que fazer para consolidar uma cultura de parceria federativa e transparência nos contratos.

Está claro, de todo modo, que o novo marco tem potencial e não faltará dinheiro para bons projetos.

Europa em teste

Folha de S. Paulo

Crises sobrepostas envolvendo a Rússia expõem as contradições do continente

Pela segunda vez no ano, os EUA acionaram alertas máximos devido à movimentação de tropas russas em áreas próximas da Ucrânia.

Ao mesmo tempo, Polônia e Lituânia, países que integram a Otan (a aliança militar ocidental) e a União Europeia acusam Moscou de estar por trás da crise na qual refugiados de países miseráveis são atraídos à Belarus e estimulados a entrar ilegalmente no Leste Europeu.

Por fim, a Alemanha suspendeu a certificação de um gasoduto ligando o território russo ao seu, amplamente visto como um instrumento que dará mais poder a Vladimir Putin sobre o mercado energético do qual é ator central na Europa.

Sobrepostas em camadas, essas crises formam um tríptico coerente de embate geopolítico entre a sempre assertiva Rússia e o Ocidente.

Não é filme novo, e a procura por culpados os achará de ambos os lados. Em sua etapa atual, contudo, o sempre vilanizado líder russo pode até ser acusado de explorar contradições europeias, mas certamente não trabalha com matéria-prima fantasmagórica.

No caso ucraniano, Putin sugeriu nesta quinta (18) que o Ocidente fabrica a crise ao aumentar sua atividade militar no vizinho, em vez de buscar uma solução baseada nos acordos que tentaram colocar fim ao choque entre Kiev e os separatistas pró-Rússia que controlam o leste do país desde 2014.

Ele está certo, mas também é fato que a anexação da Crimeia e a guerra civil congelada no leste são imperativos do Kremlin, que não aceita a Ucrânia como parte da Otan, ameaçando suas fronteiras.

Em Belarus, ainda que ajude a aliada a se vingar das sanções ocidentais usando refugiados como armas, Moscou está correta ao criticar os pesos e medidas diferentes de Bruxelas sobre imigração.

Na Polônia, quem ultrapassa a fronteira está sujeito a desumanidades. A crise, de todo modo, baixou de tom com o início de negociações lideradas pela UE —que precisa ser ativa se não quiser se equivaler à ditadura brutal de Minsk.

Na questão do gás, a hipocrisia ocidental é escancarada. Os dois ramais do sistema Nord Stream enfrentaram críticas há anos, mas a necessidade europeia, alemã em particular, de garantir acesso ao produto com bons preços sempre ultrapassou considerações geopolíticas. Deverá ser assim novamente.

Putin segue como o vilão favorito do Ocidente, embora seja um daqueles que expõem as contradições de seus oponentes.

Bagunça do Enem é ‘a cara do governo’

O Estado de S. Paulo

O caos no setor educacional, que afeta milhões de estudantes, é projeto deliberado.

Depois que o presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), na viagem ao Oriente Médio, afirmando desta vez que o teste não mede conhecimento e é utilizado apenas para “ativismo político e comportamental”, as provas marcadas para os próximos dois domingos serão realizadas sob a sombra das lambanças do governo em área tão sensível, que afeta milhões de estudantes e suas famílias.

Diante das suspeitas de que os bolsonaristas tiveram alguma influência na elaboração do exame, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e a Educafro entraram na Justiça para demandar o imediato afastamento de Danilo Dupas da presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que é o órgão responsável pela aplicação do Enem. A justificativa é que ele não tem mais condições morais e administrativas para continuar no cargo. Além disso, a Defensoria Pública da União (DPU) impetrou uma ação civil pública questionando a competência de Dupas para evitar que as provas sejam afetadas por vazamentos, fraudes e patrulhamento ideológico promovido pelo Palácio do Planalto. Por fim, a educadora Maria Inês Fini, que foi a criadora do Enem, em 1998, endossou a denúncia feita pelo corpo técnico do Inep de que teriam sido excluídas, sem qualquer justificativa técnica, pelo menos 20 questões das provas.

Todas essas ocorrências obviamente deixam inseguros os 3,1 milhões de alunos que prestarão as provas, maculando a imagem do Enem, que é a principal porta de entrada nas universidades públicas. O presidente Bolsonaro disse, orgulhoso, que o Enem agora tem a “cara do governo”, e infelizmente tem mesmo: tudo o que o bolsonarismo toca é desvirtuado, e mesmo uma instituição como esse respeitado exame ganha a aparência de bagunça.

Com indicações desastrosas para os cargos mais importantes da Educação, determinadas exclusivamente por critérios ideológicos, o governo Bolsonaro encontra-se hoje paralisado por causa de um confronto generalizado entre o Ministério da Educação (MEC), autarquias e agências de fomento à pesquisa.

Sem experiência em administração pública, o titular da Educação, um obscuro pastor presbiteriano, chegou a afirmar que “a Universidade deveria ser para poucos”. Também disse que é importante “evitar a inclusão, nas avaliações escolares, de questões que sejam peculiares a determinados guetos ideológicos”, uma vez que elas “dão primazia para um grupo já acostumado a determinada linguagem em detrimento da grande maioria do povo”. E ainda tomou uma série de medidas insensatas, que desorganizam programas educacionais já consolidados, como a exclusão de questões de gênero nos livros didáticos distribuídos aos estudantes, e se omitiu na coordenação nacional do retorno às aulas presenciais nas escolas públicas de ensino básico.

Mais grave ainda é a tentativa do MEC de esvaziar o Inep, o que pode acabar comprometendo a realização do próximo Censo da Educação Básica, com base no qual são calculadas as verbas repassadas ao ensino público para distribuir a merenda escolar e pagar os salários de professores. Deflagrado originariamente por razões ideológicas, o problema ganhou corpo quando, sem nenhum propósito público, o ministro Milton Ribeiro passou a esvaziar a autonomia desse órgão, que já está no seu quinto presidente em quase três anos. Entre outras atribuições, o Inep avalia o nível de aprendizagem dos alunos e a eficiência dos programas de ensino adotados pelo Executivo. O problema é que Bolsonaro e Ribeiro insistem em tentar subordinar os avaliadores a quem formula e implementa políticas educacionais, o que é uma aberração em matéria de administração pública.

Em momento algum o presidente e o ministro da Educação demonstraram estar preocupados com os estudantes que farão o Enem. Prejudicados por essa sucessão de confusões às vésperas de uma prova que pode decidir seu futuro, esses jovens estão vendo seu direito à aprendizagem ser negado por um governo que vem arruinando o patrimônio educacional que o Brasil, bem ou mal, conseguiu construir nas últimas décadas.

Nova ameaça europeia ao agronegócio

O Estado de S. Paulo

Com sua política antiambiental, o presidente Jair Bolsonaro proporciona argumentos aos protecionistas europeus

Setor mais dinâmico, mais competitivo e principal fonte de receita comercial do Brasil, o agronegócio está novamente sob ameaça do protecionismo europeu. A Comissão Europeia anunciou a intenção de proibir a importação de mercadorias produzidas em terras desmatadas. Segundo a proposta, só entrarão no bloco bens originários de áreas com desmatamento zero a partir de 1.º de janeiro de 2021. Brasil, Argentina e Paraguai foram citados em nota como países onde tem sido registrada devastação de matas. Governos da Europa têm sido receptivos às pressões protecionistas dos produtores do campo, apoiadas por grupos de consumidores e organizações civis e respaldadas por bandeiras ambientalistas e sanitárias.

A defesa do ambiente é apenas parte de uma história mais complicada e claramente misturada, no lado europeu, com interesses comerciais e obviamente político-eleitorais. No lançamento da Rodada Doha de negociações comerciais, em 2001, negociadores da Europa tentaram, sem sucesso, introduzir na pauta a consideração de temas como a proteção do ambiente e da paisagem, uma forma de beneficiar mesmo os fazendeiros menos produtivos.

Avanços em negociações ambientais, como o Acordo de Paris, acabariam proporcionando mais argumentos aos defensores de restrições ao comércio. A grande mudança nas condições do jogo, a partir de 2019, foi a implantação, em Brasília, de uma orientação antiambientalista e contrária a valores cultuados internacionalmente.

A partir daí, os protecionistas, principalmente europeus, passaram a ter o seu jogo facilitado – e aparentemente legitimado – pelo presidente Jair Bolsonaro e por dois de seus auxiliares, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o de Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Os dois ministros já foram substituídos, mas a mudança produziu efeitos limitados.

O novo responsável pela gestão ambiental, Joaquim Leite, tem sido apenas mais discreto que seu antecessor. É muito difícil apontar qualquer mudança substantiva na orientação do Ministério e, além disso, sua participação na COP-26, a cúpula do clima, em Glasgow, de nada serviu para recompor a imagem do Brasil. A imagem de um país sujeito à livre devastação de florestas e de outros biomas, criada e difundida a partir da ação desastrosa do presidente Jair Bolsonaro, permanece e dificilmente será alterada enquanto ele estiver no cargo.

A ação protecionista recém-anunciada pela Comissão Europeia envolve o desmatamento ilegal e também o legal. Pode-se discutir se esse amplo critério é compatível com o direito internacional, porque atropela o poder de regulação de cada Estado soberano. Mas o argumento usado por dirigentes da Comissão pode ser persuasivo para quem valoriza compromissos como o Acordo de Paris. Respeitar o desmatamento legal pode ser um incentivo à legalização de práticas anti-ambientais. Seria apenas um passo a mais, no caso do presidente brasileiro, já acusado de estimular ações predatórias.

A modernização da agropecuária brasileira ocorreu sem danos ambientais e com moderado aumento da área ocupada, graças ao aumento da produção por hectare. Mas já se encontram produtores, de importância marginal, invadindo áreas de florestas. Mesmo com participação muito limitada na produção, esses fazendeiros proporcionam argumentos ao protecionismo europeu. Além disso, lideranças do agronegócio têm declarado apoio ao presidente Bolsonaro, sem restrições a sua política ambiental. Também esse tipo de manifestação favorece os protecionistas.

Pode-se contestar legalmente, com base em normas internacionais, a imposição de barreiras ao comércio. Mas seria muito mais eficiente agir de acordo com os melhores padrões ambientais e evitar pretextos para conflito. De janeiro a outubro deste ano, o agronegócio faturou no comércio exterior US$ 102,36 bilhões. Esse valor recorde correspondeu a 43,4% das exportações totais do Brasil. A União Europeia absorveu 14,7% das vendas do setor e foi, entre os blocos, o segundo destino mais importante. Alguém deveria contar esses fatos ao presidente.

Escolha do PL para filiação exigirá concessões de Bolsonaro

Valor Econômico

Costa Neto não construiu durante anos a fio um partido para entregá-lo a quem sequer consegue formar um

O presidente Jair Bolsonaro é um candidato mais que problemático, o que desavenças com o PL, partido de sua preferência inicial para abrigar sua campanha à reeleição, mostram claramente. A ideologia do presidente não é um problema para o cacique do PL, Valdemar Costa Neto, que já se alinhou com Lula, Dilma, Temer e o fará com quem mais vier a ocupar o Planalto. Da mesma forma, PP e Republicanos, que com o PL formam o núcleo do Centrão, estão pouco preocupados com o que pensa um político que conhecem de velhos carnavais. As questões centrais para essas máquinas partidárias são poder, dinheiro e capacidade de formar bancadas decisivas no Congresso, isto é, arrebatar votos. Os veteranos líderes das legendas fisiológicas estão receosos com a incapacidade de Bolsonaro alavancar a votação de seus candidatos, especialmente no Nordeste, onde as alianças das siglas vão em várias direções, inclusive na de Lula.

Bolsonaro percebeu, o que não requer um faro político notável, que não está mais em 2018 e que na próxima eleição precisará do máximo de recursos e da maior exposição na TV que for possível - ambas foram mínimas quando se elegeu presidente. Mas ele tem visão limitada e uma estratégia errática. Bolsonaro afastou de si o PSL, hoje dono de um dos maiores recursos do fundo eleitoral, depois de, com o seu prestígio, ter elevado o número de parlamentares da legenda de meia dúzia de gatos pingados à maior bancada na Câmara dos Deputados. Tentou mandar na legenda, não conseguiu e, como sempre, aborreceu-se logo.

Bolsonaro também não é um agregador, quase o contrário, e muito menos um organizador. Tentou criar sua Aliança pelo Brasil e, por vários motivos, não conseguiu. Há 33 partidos no país e mais uma penca pedindo registro. Mesmo na cadeira de presidente, com vários meios a sua disposição, sequer foi capaz de por de pé uma legenda de aluguel, das muitas que parasitam o parlamento brasileiro.

Após 28 anos como político, Bolsonaro cismou que não precisava ter uma base de partidos que apoiassem seu governo. O resultado foi um desastre e, com a ameaça de impeachment e com filhos encrencados na Justiça, mudou de rota e terceirizou ao PP e PL a articulação política, o domínio do orçamento e o comando da Câmara. Mesmo assim, o presidente parece ter perdido o rumo, ou pelo menos a capacidade de ditar um a seus experientes aliados - é dependente deles, e não o contrário.

Bolsonaro precisa de um partido para concorrer, mas suas exigências parecem ser as de um líder com grande popularidade e um bom governo a mostrar, quase o inverso da realidade. Suas demandas são as mesmas que não conseguiu enfiar goela abaixo do PSL - o controle total de diretórios importantes, alguns para colocar nas mãos de seus filhos, e direito de escolha de candidatos em redutos como São Paulo, o principal colégio eleitoral do país.

Costa Neto não construiu durante anos a fio um partido para entregá-lo a quem sequer consegue formar um. Ele interrompeu o “namoro” com Bolsonaro, que já tinha data marcada para filiação, para encontrar uma forma de acolher o presidente sem desmanchar a rede de alianças regionais montadas, que garantem a capilaridade da legenda e suas votações crescentes, que a levaram a formar a terceira maior bancada no Congresso (antes da fusão do PSL e com o DEM).

Após consultas aos líderes regionais, o PL pode desembarcar da candidatura de Rodrigo Garcia (PSDB), ligado a João Doria, não apenas porque Bolsonaro assim o quer, mas porque as pesquisas até agora indicam que as chances de Garcia conquistar o Palácio dos Bandeirantes, por enquanto, são remotas. No Nordeste, região que em peso rejeita Bolsonaro, nada está ainda apalavrado e o presidente é um candidato tóxico. Atender a seus pedidos, de que não se aliem aos partidos de esquerda, Lula à frente - esmagador favorito na região - desestrutura os planos de crescimento da legenda no Congresso. Há problemas na Bahia, Pernambuco, Piauí e outros Estados.

É um jogo da velha política e de Costa Neto, que pode fazer acordos simultâneos com Lula e com Bolsonaro, desde que o presidente seja razoável e perceba, se quer dinheiro e máquina de campanha terá de fazer mais concessões, além das que já faz ao Centrão na Câmara. Mas uma suposta troca ríspida de mails entre o presidente e Costa Neto, não confirmada, deixa em aberto a possibilidade de que Bolsonaro brigue com aliados e piore sua situação, como ocorreu várias vezes antes.

Veto ambiental da UE pode incentivar o Brasil a reagir

O Globo

Embora tenha alta dose de hipocrisia e incoerência, a proposta em estudo na União Europeia (UE) para que o bloco proíba a importação de produtos oriundos de terras desmatadas pode funcionar como incentivo para o Brasil tomar as medidas necessárias a conter a devastação da Amazônia, que não cessa de quebrar novos recordes. De janeiro a outubro, o desmatamento cresceu 33% na comparação com o período em 2020 — pior resultado em dez anos. Nos 12 meses até julho, aumentou 22% ante os 12 meses anteriores e passou de 13 mil km2 — pior número desde 2006, segundo o Inpe.

O documento elaborado pela Comissão Europeia, braço executivo da UE, será enviado ao órgão que reúne os líderes dos 27 países e ao Parlamento Europeu. Se aprovada, a proposta prevê que, para que seus produtos entrem no bloco, os exportadores terão de provar a produção em terras não desmatadas, legal ou ilegalmente, depois de 31 de dezembro de 2020. Hoje, de cada 100 quilos de carne importada pelo bloco, 21 saem do Brasil. Na soja, a participação é de 39%. Trata-se, portanto, de questão crítica para o agronegócio brasileiro.

Barrar importações de produtos agrícolas com base na política ambiental é o mais novo capítulo na saga protecionista europeia. Após a Segunda Guerra Mundial, quando teve início a integração da região, a agricultura foi um dos pilares. O mote na época era segurança alimentar. Sob o pretexto de garantir a comida na mesa, governos europeus criaram impostos de importação altos, barreiras de todos os tipos, subsídios para agricultores e preços mínimos, expressos na famigerada Política Agrícola Comum (PAC). Produtores de fora do bloco são penalizados duas vezes. Primeiro, não entram naquele mercado. Segundo, sofrem com a competição desleal dos produtores europeus beneficiados pela mais escandalosa política de subsídios do planeta.

Outro argumento usado em favor da proteção é a ideia bizarra de que é necessário preservar o estilo de vida do campo (como se o mesmo argumento não pudesse ser aplicado para o estilo de vida de trabalhadores de todos os setores, inclusive os que a UE quer abrir para seus produtos noutros mercados). Nas últimas décadas, a UE foi forçada a ceder. Ainda assim, a PAC continua a consumir 35% de seu orçamento. Para os protecionistas europeus, o apoio dos ambientalistas foi um presente dos céus. O curioso é que a proposta da UE mira somente a agricultura. Ninguém fala em proibir a importação de produtos industriais da China, cuja fonte de energia são usinas movidas a carvão.

Incoerências à parte, não adianta espernear. A pauta ambiental seguirá influenciando o comércio mundial, e é urgente que o governo Bolsonaro entenda isso. Também é do interesse de todos os brasileiros — com exceção de grupos criminosos de grileiros, garimpeiros e madeireiros — acabar com o desmatamento ilegal. Temos muito a perder com os transtornos provocados pelas mudanças climáticas. A própria agricultura sofrerá com a transformação do regime de chuvas se a destruição não parar. Na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP26), o Brasil se comprometeu a zerar a perda de florestas até 2030. Mesmo torto na origem, o protecionismo europeu pode acelerar o cumprimento dessa meta.

País precisa de políticas públicas para conter crescimento de favelas

O Globo

Uma construção de três andares desabou na noite de quarta-feira no Morro do Salgueiro, Zona Norte do Rio, matando um morador e deixando outros três feridos, entre eles uma criança de 4 anos. A tragédia chama a atenção para um problema que o Brasil não consegue resolver década após década de sucessivos desastres: a quantidade colossal de moradias precárias em áreas de risco. Segundo a Secretaria de Assistência Social, as vítimas vieram do Rio Grande do Norte há quatro meses para tentar uma vida melhor na capital fluminense.

Dados do IBGE mostram que o número de favelas no Brasil dobrou na última década — foi de 6.329 para 13.151. Elas também se espalharam mais. A quantidade de municípios com ocupações irregulares subiu de 323 para 734 entre 2010 e 2019. Um levantamento do Projeto MapBiomas divulgado no início do mês corrobora o crescimento das habitações precárias. De acordo com a análise, feita com base em imagens de satélite, de 1985 a 2020 a área ocupada por favelas no país dobrou.

A tendência tem raízes sociais evidentes: crises econômicas, desemprego, deficiência crônica nos transportes, que obriga moradores a buscar áreas próximas ao trabalho, políticas habitacionais falhas e o populismo eleitoreiro que leva políticos a fazer vista grossa para ocupações ilegais. Tudo isso fermenta a expansão desordenada.

O pouco-caso com problema tão grave deixa cicatrizes. No estado do Rio, onde surgiu a primeira favela, no atual Morro da Providência, são incontáveis as tragédias provocadas pelas chuvas. Em janeiro de 2010, deslizamentos de terra no Centro de Angra dos Reis e na Ilha Grande, Costa Verde fluminense, deixaram 53 mortos. Em abril daquele mesmo ano, uma avalanche de lama no Morro do Bumba, em Niterói, soterrou 48 moradores — tardiamente se viu que as casas tinham sido erguidas sobre uma montanha de lixo. O perigo se estende a outros estados do país. No ano passado, as enxurradas deixaram mais de 40 mortos na Baixada Santista.

Uma pesquisa do IBGE divulgada em 2018 revelou que 8,27 milhões de brasileiros em 872 municípios viviam em áreas de risco. O levantamento, feito com dados do Censo e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), mostrou que o maior contingente desses domicílios está no Sudeste (4,26 milhões). Entre as capitais, a situação é mais preocupante em Salvador (BA), onde 45,5% vivem em áreas suscetíveis a deslizamentos ou enchentes.

A situação se torna mais preocupante num cenário em que os fenômenos climáticos extremos, como as tempestades tropicais, se tornaram mais intensos e frequentes. Governos federal, estaduais e municipais precisam agir para conter o crescimento de favelas. É certo que não existem soluções simples. Ninguém mora em área de risco porque quer. Mas é necessário ao menos ter um plano para enfrentar o problema e políticas públicas consistentes para executá-lo, que resistam às mudanças de governo. Não fazer nada não é solução. Convém lembrar que as chuvas

 

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