Folha de S. Paulo
Que o jornalismo não mais abandone a
Justiça em favor de justiceiros; o 'jurista' Reinaldo Azevedo segue atento
A imprensa não militante —chamava-se
"grande" antigamente— deveria ter aproveitado a punição
aplicada pelo STJ a Deltan Dallagnol para
fazer um mea-culpa. Por 4 votos a 1, o tribunal decidiu que o ex-procurador tem
de pagar ao ex-presidente Lula multa de R$ 75 mil, valor que ainda será
corrigido, numa ação por danos morais.
O agora pré-candidato a deputado federal
está indignado e já anunciou uma suposta
vaquinha espontânea na internet, que teria arrecadado quase o dobro desse
valor. Faz chacota da Justiça.
A imprensa condescendeu com todos os métodos ilegais a que recorreu a Lava Jato. Foi além. Tornou-se sua beneficiária à medida que repórteres se transformaram em clientes de procuradores e delegados no mercado negro dos vazamentos. O espetáculo grotesco do PowerPoint, no dia 14 de setembro de 2016, destroçava o devido processo legal.
Dois dias depois, como revelou a Vaza Jato,
Dallagnol foi ao Telegram para bater um papinho com Sergio Moro,
seu chapa e juiz incompetente e suspeito. Sabia que a peça acusatória
—refiro-me à impressa e oficial— era inepta.
Considerou, então: "(...) Como a prova
é indireta, ‘juristas’ como Lenio Streck e Reinaldo Azevedo falam de falta de
provas. Creio que isso vai passar só quando eventualmente a página for virada
para a próxima fase, com o eventual recebimento da denúncia, em que talvez caiba,
se entender pertinente no contexto da decisão, abordar esses pontos".
Para quem não entendeu: ele estava tentando
justificar, diante do chefe, a patuscada do PowerPoint. E explica que apelou
àquele troço para imputar a Lula um crime
que servia a fins propagandísticos apenas.
Com despudor peculiar, expõe: "Não foi
compreendido que a longa exposição sobre o comando do esquema era necessária
para imputar a corrupção para o ex-presidente. Muita gente não compreendeu por
que colocamos ele como líder para imputar 3,7MM [R$ 3,7 milhões] de lavagem,
quando não foi por isso, e sim para imputar 87MM [R$ 87 milhões] de
corrupção."
Bingo! Embora a denúncia oficial se
referisse ao apartamento —e o próprio Moro admitiu em embargos de declaração
inexistir nexo entre as obras da OAS e o tríplex de Guarujá, o que significa
ausência de provas—, o objetivo era "imputar R$ 87 milhões de
corrupção" a Lula, tratado na coletiva como "comandante máximo do esquema
de corrupção" e "maestro da organização criminosa".
Ocorre que também a acusação de que o
petista comandava uma organização criminosa virou uma ação penal, senhores
leitores! Tramitou na 10ª Vara Federal de Brasília. O ex-presidente foi
absolvido pelo juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, que apontou uma
"tentativa de criminalizar a política".
Saibam: o Ministério Público Federal nem
sequer recorreu. Ah, sim: Moro deu a maior força àquele que é agora seu colega
de partido: "Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são
desproporcionais. Siga firme."
O então juiz atendeu ao pedido de seu
pupilo: ao condenar Lula, ignorou a peça acusatória inepta e se fixou no...
PowerPoint! Uma aberração.
Prisões preventivas a perder de vista,
conduções coercitivas ilegais, mandados de busca e apreensão despropositados,
criminalização de doações legais de campanha... Era o terror jurídico a tratar
as garantias do devido processo legal como conivência com corruptos. Moro,
Dallagnol e outros subiram na vida, mas a indústria de construção pesada no
Brasil quebrou, destruindo milhares de empregos.
"Mas e a corrupção?" Vejam o
Ministério da Educação, transformado num verdadeiro templo de vendilhões. Os
mistificadores querem convencer os tolos —com algum sucesso, posto que tolos—
que a lama de dimensões bíblicas em que se afunda o governo Bolsonaro, ao qual
Moro serviu, decorre do que chamam "desmanche" da Lava Jato.
Não! A Lava Jato é que desmanchou algumas
defesas que tinha o sistema político, tornando-o poroso a certo tipo de
pistolagem que a operação, em vez de combater, promoveu, a exemplo dos
"justiceiros" das redes sociais que se fizeram políticos. Não é
mesmo, Moro? Não é mesmo, Dallagnol?
Que a imprensa profissional nunca mais
abandone a Justiça em benefício de justiceiros. O "jurista" Reinaldo
Azevedo segue atento.
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