Editoriais / Opiniões
Brasileiro valoriza democracia acima de
todos os regimes
O Globo
Apoio ao sistema democrático voltou a
atingir o pico histórico no Brasil, segundo pesquisa do Datafolha
O mês de agosto tem se destacado por um
sinal claro e determinado da sociedade brasileira em defesa da democracia e do
Estado Democrático de Direito.
No
último dia 11, duas cartas em favor do sistema eleitoral foram lidas na
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) — a enorme
repercussão atraiu a assinatura de mais de 1 milhão de cidadãos para uma e de
mais de cem entidades do setor produtivo e da sociedade civil para a outra. Na
noite da última terça-feira, a posse do ministro Alexandre de Moraes como
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reuniu as principais
autoridades da nação para ouvir e aplaudir de pé um discurso
enfático em defesa das urnas eletrônicas e do sistema eleitoral. Por fim,
ontem o Datafolha divulgou que o apoio à democracia retornou ao pico histórico
na sociedade brasileira.
Para 75% da população, a democracia é um regime preferível a qualquer outra forma de governo, patamar mais alto desde 1989, que havia sido atingido apenas no levantamento realizado em 2020. Desde o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, o apoio incondicional à democracia subiu 13 pontos percentuais na sondagem do Datafolha. Ao mesmo tempo, aqueles que dizem que uma ditadura pode ser preferível “em certas circunstâncias” não passam de 7%, o menor índice nos 33 anos da série histórica.
A pesquisa de opinião comprova que o fervor
democrático não está circunscrito à elite acadêmica e empresarial, às
lideranças de movimentos sociais ou às lideranças do Congresso, ex-presidentes,
governadores, prefeitos e integrantes da cúpula do Judiciário que aplaudiram de
pé o discurso de Moraes na noite de terça-feira. Ao promover tantos ataques ao
sistema eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro paradoxalmente despertou um
movimento vigoroso de defesa da democracia na sociedade.
Por anos, prevaleceu a impressão de que o
Brasil já tinha deixado essa fase para trás, pois as eleições livres e
periódicas pareciam ser tão corriqueiras como as festas do calendário. Mas as
batalhas por vencer nos campos social — caso do combate à pobreza e à
desigualdade — e econômico — sobretudo o crescimento com base num modelo de
desenvolvimento sustentável — não devem obscurecer a importância de sempre
empunhar o estandarte democrático.
Não existe um caminho inexorável, e a
História é marcada continuamente pela ameaça de retorno de fantasmas do
passado. A democracia, como afirmou ao GLOBO o economista Daron Acemoglu, do
Massachusetts Institute of Technology, não é inevitável. Ela sempre precisa ser
reconquistada, sempre precisa ser defendida.
A união de forças a que o país assistiu
neste mês de agosto deve inspirar as lideranças políticas a buscar novos
consensos fora das suas respectivas bolhas. O Brasil precisa de uma agenda
ampla e plural não apenas para garantir o Estado Democrático de Direito, mas
para ter um sistema tributário mais justo, serviços melhores de saúde e
educação, menos privilégios para as castas do funcionalismo e, acima de tudo,
para promover o sempre adiado crescimento da economia e das oportunidades a
todas as parcelas da sociedade. O melhor caminho para evitar as futuras ameaças
populistas é sem dúvida a democracia. E os resultados da pesquisa demonstram
que a sociedade brasileira tem perfeita noção disso.
Presidente da Colômbia surpreende pela
ousadia ao trocar cúpula militar
O Globo
Gustavo Petro substitui Alto-Comando apenas
por generais com ficha limpa em corrupção e direitos humanos
Mesmo que a Colômbia pareça exceção numa
América Latina com um passado de ditaduras militares (o último golpe por lá foi
em 1953), onde os quartéis continuam a exigir deferência e a se envolver na
política, chama a atenção pela ousadia a atitude do novo presidente Gustavo
Petro. Com menos de uma semana no cargo, ele
trocou o Alto-Comando das Forças Armadas, estabelecendo uma regra simples:
só podem integrá-lo aqueles que não tiverem nenhum registro de violação dos
direitos humanos ou corrupção.
As trocas, somadas a mudanças por outros
motivos, despacharam para a reserva 22 generais da Polícia Nacional, 16 do Exército,
sete da Marinha e três da Aeronáutica. Petro pôs à frente das Forças Armadas e
da polícia uma nova geração de oficiais, subordinados ao ministro da Defesa,
Ivan Velásquez, um defensor dos direitos humanos conhecido pelas denúncias
judiciais contra o ex-presidente Álvaro Uribe, que esteve no poder entre 2002 e
2010. Colocou no comando do Exército o general Helder Giraldo, doutor em
Direito Internacional Humanitário que criou programas nessa área para os
militares.
Mesmo com todos os problemas com guerrilhas,
paramilitares de extrema direita e narcotráfico, a Colômbia tem uma tradição de
estabilidade econômica e institucional. Com o novo comando militar, Petro
espera conter a violência que persiste mesmo depois do acordo de desmobilização
firmado em 2016 pelos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia (Farc) com o governo de Juan Manuel Santos. Desde a assinatura do
acordo, foram assassinados 1.340 líderes sindicais (115 só neste ano).
Petro assumiu com o país dividido. Venceu
o segundo turno das eleições com 50,5% dos votos contra 47,2% de Rodolfo
Hernández, um populista de direita. Precisa de ações de impacto para não
repetir na Colômbia a frustração que os também esquerdistas Gabriel Boric e
Pedro Castillo têm trazido a Chile e Peru, respectivamente.
Ex-guerrilheiro do Movimento 19 de Abril
(M-19), Petro tem sua maior oportunidade na retomada das negociações com o
Exército de Libertação Nacional (ELN), iniciadas em 2017, mas interrompidas
depois de um atentado em 2018. Mesmo o Clã do Golfo, grupo de narcotraficantes
e paramilitares, acenou que deseja negociar com o novo governo.
A troca de gerações na cúpula militar, para
que haja uma nova doutrina menos belicista, é bem-vista na Casa Branca do
democrata Joe Biden. Feita a mudança, Petro deve tratar em seguida da economia,
como prometeu na campanha. Seu ministro da Economia, José Antonio Ocampo, foi
bem-aceito no meio empresarial e deverá começar por uma reforma tributária.
A aposta de Petro é uma administração
eficiente que atenda às famílias de renda mais baixa. Como todo governo de
esquerda, corre o risco de cair em tentações fiscais. Se conseguir que a nova
cúpula militar seja leal à Constituição e respeite a democracia e os direitos
humanos, poderá se tornar um exemplo para o continente.
O que a esquerda quer?
O Estado de S. Paulo
A esquerda está disposta a ser democrática e responsável? Não basta ser crítica a Jair Bolsonaro, mas continuar apoiando regimes autoritários e propostas populistas
O Estadão tem feito uma série de
reportagens sobre as recentes vitórias de partidos de esquerda na América
Latina nos últimos anos, mostrando como os resultados para a população estão
muito aquém das promessas. Conforme observou o historiador peruano Alvaro
Vargas Llosa em entrevista ao jornal, os sucessivos governos de esquerda na
América Latina têm falhado na promoção do desenvolvimento social e econômico da
região. Agora, depois de quatro anos de autoritarismo populista e disfuncional
de Jair Bolsonaro, o Brasil pode voltar a ser governado pela esquerda. A
pergunta surge naturalmente: afinal, o que essa esquerda quer?
Se é certo que, com seus devaneios contra
as urnas eletrônicas e a Justiça Eleitoral, Jair Bolsonaro uniu diferentes
correntes ideológicas na defesa da democracia – o respeito ao resultado das
eleições é princípio inegociável –, é também certo que a esquerda brasileira
precisa revisar diversas posições para que possa ser qualificada de
democrática. Basta pensar que o PT e outros partidos de esquerda, enquanto
endossam manifestos em defesa da democracia no Brasil, continuam apoiando
regimes ditatoriais como Cuba, Venezuela e Nicarágua.
Não é coerente chamar Jair Bolsonaro de
“genocida” e “fascista” e, ao mesmo tempo, não reconhecer as seguidas violações
de direitos humanos feitas pelo governo cubano. Não é possível criticar o
envolvimento de setores das Forças Armadas na política bolsonarista para logo
depois fazer vista grossa à participação expressiva de militares na política
venezuelana.
Na preparação dos atos cívicos do dia 11 de
agosto passado, muitas vozes, também da esquerda, disseram, com razão, que não
era possível ficar em cima do muro na defesa da democracia. Abster-se de apoiar
os manifestos em defesa das eleições e do Judiciário era uma tomada de posição:
significava negociar com princípios democráticos que são inegociáveis. No
entanto, é exatamente isso o que o PT e outros partidos de esquerda vêm fazendo
ao longo de décadas quando se trata de atos autoritários e violações de
direitos humanos envolvendo governos que são seus amigos. Recusam-se a
participar de qualquer manifestação de repúdio, em um perverso negacionismo.
Para a esquerda, democracia e direitos humanos têm uma vigência condicionada, a
depender das circunstâncias políticas?
A incoerência da esquerda não está restrita
ao plano externo. Lula da Silva, por exemplo, nunca pediu desculpas ao eleitor
pelo mensalão, sistema criminoso que perverteu a representação democrática.
Como o líder petista minimiza ou nega essa compra de votos, fartamente provada,
e não reconhece o quão danosa foi para a democracia, é lícito presumir que, num
eventual terceiro mandato, talvez não hesite em repetir a dose.
A esquerda também tem o dever de dizer –
afinal, estamos numa democracia – se deseja governar com responsabilidade. É
preciso dizer quais são os planos concretos para seu eventual governo, algo
especialmente necessário tendo em vista que, até agora, o PT nunca se mostrou
contrito pelos erros cometidos na condução da política econômica de Lula e de Dilma,
erros esses que, até hoje, são sentidos pela população. A proposta é seguir com
as mesmas ideias atrasadas, de intervenção populista na economia, ou eles terão
um mínimo de piedade com o País?
Afinal, o que a esquerda quer? Não há
dúvida de que ela quer o poder. Esquecendo-se de tudo o que falou sobre os
governos tucanos em São Paulo, Lula da Silva até colocou Geraldo Alckmin como
vice em sua chapa. Mas, no regime democrático, conquistar o poder exige
delinear minimamente os planos e projetos, firmando um compromisso efetivo com
o eleitor.
Talvez seja este grande receio que a
esquerda ainda desperta: um exercício do poder voltado exclusivamente para si,
para suas ideias, para seu partido, para os interesses do seu guru. Ora, a
democracia requer aceitar a legitimidade dos adversários e das ideias
divergentes; requer denunciar ditaduras onde quer que surjam; e requer governar
com responsabilidade, pois governos irresponsáveis criam castas de
privilegiados e são os algozes dos pobres. Estará o PT pronto para ser
verdadeiramente democrático?
A agenda secreta de Lira
O Estado de S. Paulo
Presidente da Câmara impõe sigilo sobre as visitas que recebe em seu gabinete alegando questões de segurança, o que afronta a inteligência alheia e as leis de transparência
O presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), costuma repetir que o Legislativo é o poder mais transparente e
democrático da República. De fato, a Câmara historicamente adotava mais
procedimentos no sentido de assegurar a publicidade das informações de interesse
público, algo louvável e que depunha muito contra as práticas do Executivo e do
Judiciário. Isso, no entanto, é parte do passado. Como mostrou o jornal O
Globo, Lira tem mantido sob sigilo os dados das pessoas que recebe em seu
gabinete e na residência oficial. Amparado em um parecer jurídico produzido por
um advogado da própria Câmara, ele tem sido bem-sucedido ao impedir a
divulgação das informações de sua agenda alegando o risco de comprometimento de
sua segurança e das instalações da Casa. Até a Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais (LGPD) foi usada como pretexto para afrontar a Constituição e a Lei de
Acesso à Informação. É só mais um episódio a expor a essência de uma gestão
marcada pela ausência de espírito público.
Não há qualquer justificativa para esconder
a agenda de autoridades públicas, sobretudo os compromissos de alguém que ocupa
uma cadeira como a de Lira. É, por exemplo, atribuição do presidente da Câmara
definir a pauta que será submetida à votação em plenário. A prerrogativa de decidir
o que será apreciado pelos deputados e o que permanecerá arquivado nos
escaninhos do Legislativo pode mudar a história de qualquer país, tanto que, ao
menos em tese, e nos termos do Regimento Interno da Câmara, é um poder a ser
compartilhado com os líderes partidários, inclusive os da oposição, além da
liderança do governo na Casa. A prática de Lira, no entanto, tem sido muito
diferente do que apregoa o regimento. Basta lembrar que nem mesmo a derrota da
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso em uma comissão
especial foi capaz de impedi-lo de levar o texto diretamente ao plenário.
Considerando o ritmo alucinado que o deputado tem imposto às votações, seria
fundamental – e, talvez, revelador – saber com quem Lira se reúne antes de definir
a chamada Ordem do Dia.
O encastelamento de Lira não é meramente
simbólico. Desfigurou, inclusive, a arquitetura da Casa. Um de seus primeiros
atos no cargo foi promover uma reforma para restringir o acesso a si mesmo. No
projeto original de Oscar Niemeyer, a localização do gabinete da presidência da
Câmara obrigava o presidente a atravessar todo o Salão Verde até chegar ao
plenário. Muito mais do que uma escolha trivial do arquiteto, foi uma forma de
garantir que o presidente da Câmara fosse interpelado por visitantes,
servidores e jornalistas que estivessem em seu caminho diário, lembrando as
autoridades que chegam à cúpula do Planalto Central sobre a necessidade de
prestar contas para quem vive na planície. O novo gabinete deu fim a esse rito.
Com acesso direto ao plenário e um elevador privativo, Lira entra e sai sem ser
visto, abordado ou fotografado, assim como os visitantes de sua agenda secreta.
É bom lembrar que a Constituição assegura o
princípio da publicidade como norma na administração pública em todos os
Poderes, salvo situações muito excepcionais. Ser transparente não é um favor,
mas um dever democrático do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Apelar a
interpretações controversas da legislação para esconder compromissos externa
uma tentativa de distorcer conceitos. Uma coisa são informações públicas, cuja
divulgação foi reforçada e regulamentada pela Lei de Acesso à Informação. Outra
coisa são dados pessoais, resguardados pela Lei Geral de Proteção de Dados. Não
há conflito entre as duas leis, e quem tenta fabricar essa discórdia certamente
o faz em nome de outros interesses que não o interesse público. No dia em que
foi eleito presidente da Câmara, Lira disse não haver um trono nem um soberano
no plenário. Um ano depois, na abertura dos trabalhos legislativos, afirmou que
não permitiria “retrocessos discricionários e quiçá imperiais”. Faria bem à
democracia se o deputado colocasse seu discurso em prática.
Um valentão na Presidência
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro reitera sua total ignorância sobre a natureza do cargo que ocupa ao partir para a briga contra um desafeto
O presidente Jair Bolsonaro comportou-se
como um valentão de rua ao se desentender com um cidadão que o questionou na
saída do Palácio da Alvorada. Ao fazê-lo, Bolsonaro reiterou sua índole
truculenta, demonstrando, à vista de todos, sua absoluta incapacidade de aturar
críticas, ao partir para a briga contra quem apenas o questionava, além de sua
total ignorância sobre a natureza do cargo que ocupa, ao colocar em risco a
própria integridade física.
A pessoa do presidente da República
representa o Estado, e preservar a vida dessa pessoa equivale, portanto, a
preservar o Estado. É por isso que deve haver um robusto esquema de segurança
para proteger o presidente, e é por isso, igualmente, que o presidente não pode
se expor a ponto de correr risco de vida. É como se, ao assumir a Presidência,
seu ocupante perdesse a liberdade de fazer o que bem entende pelo tempo que
durar o mandato.
Parece óbvio, a esta altura, que Jair
Bolsonaro não tem consciência do que ele próprio passou a significar ao assumir
a Presidência da República. A informalidade é um traço característico de
Bolsonaro como presidente, algo que, em si mesmo, não prejudica em nada o
desempenho de suas funções – ao contrário, pode até ajudar a aproximar o
Estado, que ele encarna, dos cidadãos. Mas a informalidade deve necessariamente
terminar quando se impõe o respeito incondicional pela instituição da
Presidência, o que inclui, em lugar de destaque, cuidar para que o presidente
não se exponha a riscos e para que ele não saia no braço com quem quer que seja.
Por isso, foi chocante ver Bolsonaro
esquecer-se do que representa, partindo para cima de um desafeto sem saber
quais danos o indigitado poderia lhe causar, e foi igualmente chocante observar
a atuação amadora da segurança do presidente, devidamente registrada em vídeo.
Era dever dos agentes ali destacados impedir que Bolsonaro estivesse tão
próximo de desconhecidos que não tinham sido revistados e, principalmente,
evitar que o presidente se atracasse com um deles.
Oxalá tenha sido somente uma falha isolada,
e que o presidente esteja seguro o tempo todo, mesmo nos momentos em que,
ignorando deliberadamente os limites do bom senso e da liturgia do cargo, age
como um desordeiro. E oxalá o presidente se controle da próxima vez, sobretudo
fazendo valer suas juras de amor pela liberdade de expressão – aquela que
Bolsonaro colocou com um valor maior que a própria vida. Se Bolsonaro invoca a
liberdade de expressão sempre que ofende seus adversários nos mais baixos
termos e prega golpes explícitos contra a democracia e o Estado de Direito,
deve aceitar que essa mesma liberdade se estende igualmente a seus críticos, e
de maneira absoluta.
Mas é preciso deixar claro que, no caso da altercação no Alvorada, o rapaz que interpelou Bolsonaro não estava cometendo crime nenhum; já o presidente, quando ameaça não reconhecer o resultado das eleições ou quando espalha desinformação para minar a confiança nas instituições democráticas, força os limites da legalidade.
Voo privado
Folha de S. Paulo
Apesar de falhas iniciais, concessão de
aeroportos avança com bons resultados
Com a realização da 7ª rodada de
leilões de aeroportos, na qual três blocos e 15 terminais passaram
às mãos da iniciativa privada por 30 anos, o programa de concessões no setor
chega às fases finais.
Nessa etapa foram arrecadados R$ 2,7
bilhões em outorgas e contratados investimentos de R$ 7,3 bilhões. Juntos, os
três blocos negociados na quinta (18) respondem por 16% do fluxo de passageiros
no país, o que corresponde a mais de 30 milhões de pessoas por ano.
À diferença do que ocorreu em leilões
anteriores, a competição desta vez foi baixa, mas ainda assim houve ágio de
116,9% em relação aos lances mínimos, no conjunto.
O primeiro e principal bloco, que incluiu
Congonhas, em São Paulo, e mais dez terminais em Mato Grosso do Sul, Pará e
Minas Gerais, contou com apenas um participante, a espanhola Aena, que mesmo
assim pagou ágio de 231% com a outorga de R$ 2,45 bilhões.
O modelo nesse caso foi criticado por
incluir aeroportos em áreas distantes entre si e com baixa conexão e sinergia,
o que pode ter reduzido interesse de outros grupos.
De todo modo, até aqui a estratégia de
juntar terminais cobiçados com outros deficitários, seguida em rodadas
anteriores, se mostrou bem-sucedida em melhorar as operações em cidades
menores, com ganho para os usuários.
O segundo bloco, formado por terminais com
foco em voos executivos —Campo de Marte, em São Paulo, e Jacarepaguá, no Rio de
Janeiro— também não teve concorrência e foi arrematado por um fundo de
investimentos em infraestrutura por R$ 141,4 milhões, pouco acima do lance
mínimo.
Por fim, o bloco Norte 2, que abrange os
aeroportos de Belém (PÁ) e Macapá (AP), foi o único com disputa entre dois
consórcios. A oferta vencedora foi de R$ 125 milhões, um ágio de 119%.
Adiante, resta o oitavo certame, com
modelagem ainda em estudo e que deve ocorrer até 2024, com a venda conjunta dos
aeroportos Santos Dumont e Galeão, no Rio.
Outros dois terminais, em São Gonçalo do
Amarante (RN) e Campinas (SP), concedidos em 2011 e 2012, passam por processo
de reversão da concessão e devem ser relicitados em algum momento.
O modelo nessas operações ainda era
intervencionista, com exigência de participação de 49% da estatal Infraero,
mesmo sem capacidade de investimento, o que legou uma série de problemas.
Foi justamente esse aprendizado que
permitiu os avanços das últimas rodadas. Após o leilão de Congonhas, a parcela
de passageiros atendida por operadores privados deve chegar aos 90%.
A concorrência é bem-vinda e pode gerar
movimentações societárias entre os grupos e aperfeiçoamentos adiante. Os
resultados até aqui são positivos, mas será de todo modo necessário confirmar o
bom desempenho a longo prazo.
Quem paga o piso?
Folha de S. Paulo
Sem definir fonte de recursos, lei em prol
de enfermeiros abre crises na saúde
Por iniciativa de inspiração eleitoreira do
Congresso, depois secundada pelo governo federal, entrou em vigor neste mês a
lei que estabelece um piso salarial nacional para enfermeiros, técnicos e
auxiliares de enfermagem e parteiras.
O texto cria remuneração mensal mínima de
R$ 4.750 para os enfermeiros. Técnicos em enfermagem devem receber 70% desse
montante; auxiliares e parteiras, 50%.
Ao sancionar
o projeto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou o trecho que
determinava o reajuste anual automático dos valores pela inflação. Aprovado sem
fonte definida de recursos, o piso provocou uma previsível grita de estados,
municípios e hospitais, sobre os quais recairá, de longe, a maior parcela dos
custos.
Instituições passaram a ameaçar fechar as
portas ou reduzir drasticamente as equipes; planos de saúde anunciaram o
repasse dos gastos extras a seus clientes; associações médicas e hospitalares
chegaram a ingressar no Supremo Tribunal Federal com uma ação de
inconstitucionalidade contra a medida.
A situação mais preocupante se dá em torno
das entidades filantrópicas, como as
Santas Casas, que já acumulam déficit bilionário em razão da
crescente defasagem da tabela do SUS, que estipula valores para remunerar
procedimentos médicos.
Fundamentais para o atendimento da
população, em especial dos estratos mais carentes, essas instituições são hoje
responsáveis por 50% dos atendimentos públicos. Em cerca de 800 cidades,
constituem o único serviço de saúde.
De acordo com estimativa da Confederação
das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas, o piso
deve provocar um impacto de R$ 6,3 bilhões nos hospitais filantrópicos do
país. Em pelo menos
11 estados, a folha de pagamento da enfermagem deve mais do que
dobrar.
Decerto ninguém há de ser contra a boa
remuneração dos enfermeiros e demais trabalhadores da saúde, profissionais que
prestam serviços inestimáveis, ainda mais evidenciados durante a pandemia.
É preciso, no entanto, buscar uma solução de compromisso, capaz de conciliar a valorização da categoria com a viabilidade orçamentária. Do contrário, trata-se apenas de fazer política e bondades com o chapéu alheio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário