O Globo
É ingenuidade acreditar que conseguiremos
resultados com embates televisionados entre Eduardo Bolsonaro e André Janones
As imagens da invasão do gabinete da
Presidência da República veiculadas na quarta-feira pela CNN tornaram
inevitável a instalação da CPMI para apurar o ataque às sedes dos Poderes.
Na edição apresentada pela CNN, o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, parece ser conivente com a invasão do Palácio do Planalto, e alguns de seus subordinados dão a impressão de colaborar com os invasores. Olhando a íntegra das imagens, publicadas no dia seguinte, podemos até aceitar a verossimilhança da explicação do general: que não houve conivência da parte dele, apenas perplexidade e impotência e que a ação leniente de seus subordinados era desobediência.
Talvez seja verdade, mas nada disso explica
a razão de essas imagens terem sido mantidas longe do escrutínio do público e,
aparentemente, da própria Presidência da República. Agora, essas perguntas
legítimas se somam às teorias da conspiração da oposição, e não há mais como
parar o trem desgovernado de uma CPMI.
Desde a noite do 8 de Janeiro, meios
bolsonaristas defendem a tese tresloucada de que a invasão das sedes dos Três
Poderes foi um movimento pacífico de protesto infiltrado por agentes
provocadores esquerdistas, cujo vandalismo foi facilitado pelas forças de
segurança, numa espécie de cilada para criminalizar o movimento.
Nada disso, obviamente, se sustenta. As
imagens das câmeras de segurança permitiram identificar vândalos que são
notórios bolsonaristas e estavam acampados em frente ao Q.G. do Exército em
Brasília. Além do mais, não faz o menor sentido o governo ter fomentado um
movimento que queria derrubá-lo, para o qual a ocupação das sedes dos Poderes
era apenas uma parte, coordenada com outras ações como o bloqueio de estradas,
a derrubada de linhas de transmissão de energia e a interrupção do
abastecimento de combustíveis.
Porém, por mais inverossímil que seja essa
alegação, ela segue disseminada entre os bolsonaristas e tem sido o motor de
sua insistência por uma CPMI, que deveria tentar esclarecer a eventual
participação de agentes provocadores e por que, alertado pelos serviços de
inteligência sobre uma invasão iminente, o governo não tomou as medidas
cabíveis. As imagens ambíguas do general Gonçalves Dias um tanto inerte
enquanto vândalos invadiam o quarto andar do Palácio do Planalto parecem
respaldar as especulações conspiratórias dos bolsonaristas.
Agora, o estrago está feito. Teremos mesmo
uma CPMI. Passaremos os próximos meses assistindo a acalorados e ridículos
embates entre políticos da situação e da oposição, disputas sobre quem deve ser
convocado e depoimentos que não passam de pretextos para políticos repetirem
narrativas consolidadas. Nada de bom pode sair de uma investigação sobre esse
tema conduzida por políticos em ambiente tão carregado.
É uma pena, porque ainda há muitas
perguntas sem resposta. Precisamos descobrir em que medida integrantes do
governo Lula falharam
em tomar providências para impedir a invasão. Precisamos atribuir as devidas
responsabilidades à Abin, ao GSI, à polícia do Distrito Federal, à Polícia
Federal e ao Batalhão da Guarda Presidencial e entender o que foi apenas
incompetência e o que foi colaboração com uma tentativa de golpe de Estado.
Precisamos também olhar com muito mais
cuidado para o movimento que invadiu a sede dos Poderes e atribuir
responsabilidade aos participantes de maneira proporcional e apoiada nas
evidências. Há imagens mostrando vandalismo e uma tentativa clara de derrubar a
ordem democrática, mas há também imagens de manifestantes tentando impedir o
vandalismo e a violência. Invadir a sede de um Poder da República é uma coisa,
destruir propriedade pública outra; tentar um golpe de Estado, uma terceira,
muito mais grave.
Precisamos descobrir em que medida a dona
de casa que acampou no Q.G. do Exército acreditando na retórica de um movimento
cívico pacífico foi cooptada e radicalizada ou apenas enganada por lideranças
que articulavam a tomada violenta das sedes dos Poderes visando a um golpe de
Estado.
Precisamos, finalmente, identificar os
financiadores e os estrategistas do movimento golpista e suas conexões com a
cúpula política do bolsonarismo.
É muita ingenuidade acreditar que
conseguiremos qualquer dessas coisas com embates televisionados entre Eduardo
Bolsonaro e André Janones.
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