segunda-feira, 3 de julho de 2023

Miguel de Almeida - Melhor já ir se acostumando

O Globo

O enredo malufista guarda ainda poucos paralelos com o ocaso de Bolsonaro

Se eu postar uma foto de Luan Santana, Gabigol e Paulo Maluf e perguntar quem ali seria um político mal-afamado, o acerto viria por exclusão. Pois bem. Maluf, por anos, foi um miasma a assustar a boa família brasileira. Desalmado como seu descendente Jair, cunhou a clássica frase de espírito bolsonarista:

— Estrupa (sic), mas não mata.

A falta de votos nas urnas e a Justiça o jogaram no ostracismo — e, por vários anos, cumpriu prisão domiciliar. Há pouco devolveu alguns milhões de dólares desviados de uma obra pública paulistana. A quantia roubada dava para construir vários outros túneis e viadutos. Mesmo enredado, com suas digitais sangrentas na cena no crime, negava as suspeitas em ríctus indignado. Mentia sem Rivotril.

Em tempos mais pretéritos, promotores de Justiça avançaram sobre as espertezas de Orestes Quércia. A política da época congelou as investigações. Descobriu-se, para pouco espanto da plateia, que o preço do quilômetro do metrô paulistano era o dobro do cobrado no túnel sob o Canal da Mancha, entre França e Inglaterra. Se levantado o tapete roto, estariam ali as mesmas construtoras logo flagradas nos dutos da Petrobras.

Parece ser um ciclo vicioso, ora à direita, ora à esquerda. No caso, os dois espectros políticos de braços dados. Para qualquer grande obra pública, necessita-se de comprovada capacidade técnica. Não há no país mais de uma dezena de empresas com currículo para construir uma linha de metrô. Acontece, como já foi verificado pelos promotores paulistas, a formação de cartel — e, assim, sobem os preços combinados.

A saída? Abrir às empresas estrangeiras a participação nas concorrências. Bem, aí os sindicatos de trabalhadores, nas mãos do PT e de outros afamados, são contra a presença internacional. Alegam que defendem seus empregos. Curiosamente, empresas como a Odebrecht, com financiamento brasileiro, fizeram obras em países da América do Sul. Assim caminham amasiadas a direita oportunista e a esquerda corporativa. A turma do Dallagnol, conhecida como os santinhos de Curitiba, não queria ficar com a grana recuperada da Petrobras para uma fundação administrada por eles? Mesmo assim, ele recebeu mais de 300 mil votos de patriotas paranaenses.

Maluf, Quércia, Marin (este puxando cana nos Estados Unidos), entre outros, são muitos os nomes da direita agora no ocaso, mas antes vistos como líderes messiânicos. Por eles, seus seguidores pegariam resfriado. Falou-se em malufismo, como ainda também em quercismo. Na essência, eram a mesma coisa: um modo ou mau hábito operante do dinheiro público e do lupanarinato político. Nunca se falou de um malufismo sem Maluf, porque a falta de voto deixou inanimada qualquer descendência. Depois das derrotas, a Justiça, sem a pressão política de seus cargos, andou até colocá-lo na prisão.

O enredo malufista acima guarda ainda poucos paralelos com o ocaso de Bolsonaro — por enquanto, pessoal. Ao menos Maluf, a despeito das lentes bifocais, era um tipo simpático e desafinou o coro da ditadura apoiada pelo capitão. Mas ambos, em vários momentos, se transformaram na esperança da direita e da extrema direita. Só que os dois foram abatidos pelas circunstâncias venais; seus truques logo cansaram as plateias e os patriotas de sempre.

O caso de Bolsonaro se mostra ainda mais trágico. Perdeu a eleição apesar de estar no cargo, do uso indiscriminado dos instrumentos de Estado em benefício próprio — quem pagou aquelas motociatas? não foi o Valdemar... — e da distribuição de verbas sob critérios escusos. Grande parte do Centrão eleito deve-se aos recursos do orçamento secreto.

Bolsonaro como cabo eleitoral? Bolsonarismo sem Bolsonaro? Com a ajuda do aparato estatal se viu derrotado. Assim como muitos taparam o nariz ao votar em Lula, outros muitos esconderam as joias ao escolher Bolsonaro. Tal episódio histórico jamais ocorrerá novamente. Basta acompanhar a fé indelével dos evangélicos no futuro do capitão. Em breve, Lula será o líder deles, nada lhes faltará, apostam. Dízimo não tem ideologia.

No pós-Bolsonaro, a caminho de ele ser um corretor de imóveis, especula-se sobre herdeiros. Assim como, na ditadura, também pensou-se numa direita de terno em lugar da farda. Uma direita proativa, empreendedora, do tipo que joga tênis. E que faz obras e combate a corrupção. Sempre em defesa dos pés descalços. Deu em Collor cassado e transformado num político municipal. Depois no Maluf em prisão domiciliar. Ao contrário de magnatas russos, que suspeitamente despencam de prédios, tal direita teve um pouco mais de sorte.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

''Quércia de direita'',ele não era do MDB?