sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

César Felício - Equador é um alerta para Lewandowski

Valor Econômico

Caso equatoriano mostra que o descontrole do Estado no combate à criminalidade leva a uma ameaça ao sistema democrático

O colapso do Equador pode servir como um alerta para o futuro ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, uma vez que o magistrado aposentado deve manter em sua pasta a área da segurança pública. O caso equatoriano mostra que o descontrole do Estado no combate à criminalidade leva a uma ameaça ao sistema democrático e abre portas para uma possível autocracia.

A rebelião de presídios que marcou o 8 de janeiro do Equador não é o primeiro capítulo do livro. O presidente Daniel Noboa já havia proposto uma consulta popular com uma série de pontos que, referendados, colocam as Forças Armadas no centro do tabuleiro político.

Os equatorianos terão que responder se as Forças Armadas passam a ter como função não apenas a proteção contra ameaças externas mas também a prevenção e a erradicação de atividades criminosas. Militares podem ganhar também foro privilegiado. Responderão em liberdade pelas mortes em ações letais.

Talvez recebam ainda o direito de serem indultados pelo presidente, caso condenados. O governo pede ainda que o eleitorado chancele a extradição de nacionais envolvidos em crimes transnacionais. Como um jabuti autêntico, Noboa pergunta ainda se o eleitorado concorda que arbitragens internacionais passem a prevalecer nos conflitos legais em investimentos estrangeiros, em claro enfraquecimento do Judiciário.

Com a rebelião de presídios no dia 8, Noboa assinou um decreto de estado de exceção, com limitação de atividade econômica e suspensão de garantias constitucionais. No dia seguinte, bandidos fizeram ataques que envolveram até a tomada de um estúdio de TV em que acontecia uma transmissão ao vivo. Noboa então assinou um decreto que equivale ao reconhecimento de um estado de guerra civil. Os inimigos, a serem combatidos como invasores, são integrantes de 22 organizações criminosas.

Há muito ceticismo sobre o que pode vir a acontecer no Equador a seguir. O 8 de Janeiro local uniu a classe política em torno de Noboa, a começar do ex-presidente Rafael Correa, de esquerda. Mas o Equador vive além de um colapso na segurança uma falência política. O presidente equatoriano, herdeiro de um grupo empresarial e com apenas 36 anos de idade, exerce um mandato tampão. Foi eleito em novembro para terminar o período iniciado por Guillermo Lasso em 2021. Lasso renunciou para escapar de um processo de impeachment. Durante a campanha presidencial, um dos candidatos foi assassinado pelo crime organizado.

São circunstâncias que dificultam Noboa a se tornar uma espécie de Nagib Bukele da América do Sul. O presidente de El Salvador, que conduz o país de forma cada vez mais autocrática, tem como estratégia pública de combate ao crime o encarceramento em massa e ostenta amplo apoio popular.

O que se passa no Equador sugere mais desespero do que cálculo. “Há risco de milicianização e formação de grupos paramilitares no Equador. O histórico de militarização da segurança pública é ruim na América Latina”, aponta a professora de relações internacionais na Unesp Carolina Pedroso.

É possível o Brasil viver a distopia pela qual passa no momento o Equador? Ainda há uma diferença enorme de proporções entre o caso equatoriano e o brasileiro, mas existem ingredientes em comum: facções criminosas agindo dentro dos presídios, presença de rotas internacionais de narcotráfico, instabilidade política.

O desenho institucional da segurança pública no Brasil é falho. Parte da premissa de que o problema deve ser enfrentado pelos governos estaduais, quando já está claro que as facções atuam transversalmente não só entre os Estados, mas também no plano internacional. O controle institucional sobre as estruturas policiais militares é duvidoso. Planos nacionais, coordenados pelo Ministério da Justiça ou pelo efêmero Ministério da Segurança Pública, foram anunciados por espasmos, como respostas improvisadas. O perfil de Ricardo Lewandowski, raríssimo caso de ex-ministro do STF a se tornar titular da pasta da Justiça, não sugere grande proatividade nessa área.

Nos últimos dias, vieram à tona informações de que prefeitos são extorquidos pelo crime organizado no Rio de Janeiro. O colapso do Equador essa semana, que teve como detonador a incapacidade do governo de controlar o que ocorre dentro dos presídios, serve de alerta.

As instituições não apenas no Brasil mas em países vizinhos têm dificuldades de propor alternativas fora das saídas que fragilizam a cidadania, como a militarização do combate ao crime ou o encarceramento em massa. Por isso toda crise de segurança tende a minar a democracia.

A casa abandonada

Uma ruína no Equador mostra outra dimensão da crise continental. Completam-se em 2024 dez anos da inauguração da sede da Unasul, um imponente edifício futurista construído exatamente na linha do Equador, arredores de Quito, a um custo de U$ 40 milhões para o governo de Rafael Correa. A Unasul foi desmantelada e o prédio, abandonado há quatro anos, deve virar um centro de entretenimento. O cenário sul-americano tornou-se adverso para o Brasil se projetar como liderança regional. Não há mais ciclos de alta de commodities que favoreçam extravagâncias e nem convergência entre os países mesmo dentro do mesmo campo ideológico.

 

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