quinta-feira, 16 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Troca de comando na Petrobras traz volta ao passado

O Globo

Ao escolher Chambriard, Lula insiste em retomar as políticas fracassadas dos tempos de Dilma

Seria enganoso acreditar que a troca de comando na Petrobras tenha sido consequência apenas de intrigas palacianas ou divergências a respeito da distribuição de dividendos. Foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quem decidiu substituir o ex-presidente Jean Paul Prates por Magda Chambriard, ex-funcionária de carreira da petroleira e diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) no governo Dilma Rousseff. O relevante e grave para o Brasil são as razões que motivaram a decisão. Ela é um sinal eloquente de intervenção do governo numa empresa aberta de capital misto, cuja motivação traduz o desejo de retomar as práticas dos tempos de Dilma, de tão traumáticas lembranças. Não há como evitar falar em retrocesso.

A reação dos agentes financeiros foi imediata. Nesta quarta-feira, a estatal perdeu R$ 34 bilhões em valor de mercado, puxando a Bolsa para baixo. Como revelou a colunista do GLOBO Malu Gaspar, Lula pretende que Chambriard acelere investimentos em refinarias, encomendas de navios e tente manter controle sobre o preço dos combustíveis, estratégias adotadas em governos anteriores do PT que já deram muito errado. A avaliação era que Prates não vinha dando a urgência desejada aos planos do governo. Na visão intervencionista de Lula, a petroleira deve ser um braço do Executivo para estimular empregos em setores tidos como estratégicos e para segurar a inflação via controle de preços — mesmo que tudo isso seja artificial, represente perdas bilionárias para a companhia e crie distorções na economia.

As evidências da volta ao passado estão até no vocabulário. Em conversa com Lula nos últimos dias, Chambriard prometeu acelerar projetos “estruturantes”, como a retomada de investimentos em refinarias como Abreu e Lima, em Pernambuco, e Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), rebatizado de Polo GasLub.

Abreu e Lima entrou para a História como um dos maiores focos de corrupção desmascarados pela Operação Lava-Jato e como um sorvedouro insaciável de recursos públicos (orçada em US$ 2 bilhões, consumiu US$ 22 bilhões e não foi completada). O Comperj, lançado no segundo governo Lula em 2008, deveria ter entrado em operação quatro anos depois. Também foco de desvios, acabou paralisado em 2015. Entre 2017 e 2018, o plano de construir uma refinaria foi adaptado para uma unidade de processamento de gás natural. Com a volta de Lula ao poder, a Petrobras retomou a ideia de investir no refino. Há duas semanas, lançou processo de licitação de obras para construção e finalização da infraestrutura. Sabe-se lá quando serão finalizadas e a que custo.

Nas administrações do PT entre 2003 e 2015, a Petrobras gastou US$ 100 bilhões para ampliar a capacidade de refino do país em 400 mil barris diários. A quantia é uma fábula quando comparada aos US$ 24,7 bilhões investidos entre 1954 e 1999 para refinar uma quantidade de petróleo cinco vezes maior. Chambriard conhece o setor, é “do ramo” e assumirá uma Petrobras em grave crise de reputação. Ou desconsiderará análises técnicas para obedecer ao chefe — e, assim, aprofundará os retrocessos que começaram na gestão Prates —, ou então criará novo conflito com quem tem a última palavra no Palácio do Planalto. Nenhum dos cenários é bom para o Brasil.

Recursos para Rio Grande do Sul são essenciais, mas é preciso haver controle

O Globo

Histórico das tragédias nacionais recomenda atenção para desvios no uso de verbas emergenciais

Executivo e Legislativo têm sido diligentes ao destinar recursos ao Rio Grande do Sul, às voltas com caos e devastação sem precedentes depois da tragédia das enchentes. O Congresso aprovou Projeto de Lei Complementar suspendendo por três anos o pagamento da dívida dos gaúchos com a União e reduzindo a zero a taxa de juros no período. Estima-se que, com a medida, o estado deixe de gastar R$ 11 bilhões com a dívida e R$ 12 bilhões com juros. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ontem um auxílio de R$ 5 mil a famílias de baixa renda e a inclusão da população vulnerável no Bolsa Família. O governo também destinará verbas para financiar imóveis e concederá crédito a empresas e produtores rurais.

É sensata a ajuda de todo tipo ao povo gaúcho. Os números são eloquentes. Até quarta-feira, a tragédia que atingiu 90% dos municípios do estado já deixara quase 150 mortos, mais de cem desaparecidos e mais de 600 mil fora de casa. A infraestrutura foi destruída em várias cidades. Pontes, estradas, escolas, hospitais precisarão ser recuperados. Bairros terão de ser realocados ou reconstruídos. Fazendas foram arrasadas, fábricas ficaram debaixo d’água, comerciantes perderam seus estoques.

Mas é preciso haver controle rigoroso sobre o uso dos recursos. O próprio projeto que suspende o pagamento da dívida do estado com a União afirma que o dinheiro economizado só poderá ser aplicado em ações de enfrentamento à calamidade e suas consequências. Diante das carências, não faltarão projetos para recebê-lo, mas órgãos de controle e fiscalização terão de acompanhar os gastos. O histórico de tragédias nacionais recomenda atenção no uso de verbas emergenciais.

Depois das chuvas que devastaram a Região Serrana do Rio em 2011, os casos de incúria se multiplicaram com a chegada dos recursos para reconstrução. Como mostraram reportagens do GLOBO, a taxa de propina nas obras — muitas sem licitação devido à urgência — saltou de 10% para 50%. Os escândalos chocaram a sociedade e levaram à queda de vários prefeitos da região.

Na pandemia de Covid-19, também foram registrados inúmeros casos de malversação de recursos emergenciais que deveriam ter sido destinados a atendimento aos doentes. A roubalheira não poupou nem a compra de respiradores, equipamento essencial para socorrer pacientes graves. Na profusão de malfeitos, houve quem encomendasse insumos hospitalares em casa de vinho.

Não há dúvida de que o Rio Grande do Sul precisará de recursos robustos para a reconstrução. O governador Eduardo Leite (PSDB) estimou a necessidade em pelo menos R$ 19 bilhões. Executivo e Legislativo têm agido com presteza para liberar ajuda. A partir de agora, caberá aos órgãos de controle e à própria sociedade fiscalizar o uso do dinheiro público. Solidariedade é fundamental. Controle sobre os gastos também, para que a população não seja punida duas vezes.

Guerra sem fim

Folha de S. Paulo

Com nova ofensiva na Ucrânia, Putin muda comando da Defesa e eleva gasto militar

Vladimir Putin inaugurou seu quinto mandato como presidente da Rússia com um pacote de surpresas. Na sexta (10), lançou ofensiva no norte da Ucrânia, mirando a região de Kharkiv, ao avançar sobre as defesas com velocidade inaudita desde o início do conflito em 2022.

Seu objetivo é ora insondável, se subjugar Kharkiv, uma missão difícil, ou criar um cordão sanitário para impedir lançamento de mísseis ucranianos contra o sul da Rússia.

Certo é que a ação drenou recursos humanos e materiais de Kiev em toda a linha de frente de 1.000 km e expôs áreas sob ataque a novos avanços. O pânico se espalhou, e o presidente Volodimir Zelenski teve de cancelar viagem ao exterior.

Os EUA despacharam seu secretário de Estado, Antony Blinken, para prometer apoio e armas que, por motivos paroquiais no Congresso americano, só foram liberadas em abril e ainda não chegaram.

Blinken foi além, sugerindo que o eventual emprego delas contra território russo, um tabu ocidental dado o risco de escalada, é decisão privativa do aliado

Em meio a esse cenário, Putin colocou na mesa carta ainda mais bombástica no domingo (12): promoveu a ministro da Defesa um economista keynesiano chamado Andrei Belousov, que o assessorou ao longo dos anos.

Ele ocupa agora o lugar de Serguei Choigu, que dirigia o órgão havia quase 12 anos e comandou a invasão do vizinho, mas fracassou em vencê-lo rapidamente. Ainda é incerto se Choigu, que foi para o posto de um aliado linha-dura de Putin no Conselho de Segurança do país, irá reter influência.

Já o presidente foi claro acerca do papel de Belousov. Nesta quarta (15), ao anunciar um gasto militar recorde no período pós-Guerra Friade 8,7% do PIB neste 2024, afirmou que "a relação entre canhão e manteiga deve ser integrada organicamente à estratégia geral de desenvolvimento do Estado russo".

Ou seja, Putin quer uma economia militarizada por longo prazo, para o embate existencial com o Ocidente que já anunciou em outras ocasiões. Considerando o poderio nuclear do Kremlin e a possibilidade de choques imprevistos, trata-se de perspectiva temerária.

Programa econômico de Lula é o atraso

Folha de S. Paulo

Demissão de Prates na Petrobras mostra presidente empenhado em repetir o que deu errado nas gestões petistas anteriores

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para a surpresa de ninguém, demitiu Jean Paul Prates da chefia da Petrobras porque o defenestrado não cumpriu, com a velocidade e a fidelidade canina exigidas pelo mandatário, a missão de submeter a estatal aos comandos do bestiário ideológico petista.

Para o chefe de Estado, não bastou Prates já ter descarrilhado a política de preços da Petrobras, reestabelecendo defasagens significativas em relação aos praticados internacionalmente. Era necessário afundar o pé no acelerador de projetos ruinosos, considerados estratégicos pelo mandachuva petista.

Lula faz campanha pela retomada vertiginosa de obras no Rio de Janeiro e em Pernambuco, empreendimentos que entraram para os anais da indústria petrolífera mundial pelos desembolsos estratosféricos, irrecuperáveis, e pela corrupção desabrida.

O presidente também faz carga pela entrada da estatal em projetos bilionários nas áreas de fertilizantes e de construção de navios no Brasil. Encampa, assim, a plataforma de repetir tudo o que deu errado nos seus dois mandatos anteriores e na desastrosa passagem da correligionária Dilma Rousseff pelo Palácio do Planalto.

As consequências negativas do intervencionismo que assoma das catacumbas serão duradouras. A deterioração manifesta-se no banho de sangue nas ações da estatal nesta quarta-feira (15), mas não apenas nesse indicador arisco.

Torrar recursos em novas aventuras de retorno improvável vai reduzir a lucratividade da empresa, deprimindo os repasses de dividendos ao Tesouro Nacional, seu principal acionista, que não deveria perder oportunidades de reduzir o seu rombo fiscal.

A invectiva na Petrobras —a repetir, em novo contexto, o intervencionismo tosco de Jair Bolsonaro (PL), que empilhou quatro presidentes na estatal— insere-se num conjunto de atitudes nefastas da administração petista na condução da política econômica.

Lula não faz questão de esconder que mandou às favas a preocupação com o equilíbrio orçamentário e ninguém se surpreenderá, infelizmente, se indicar um cupincha para presidir o Banco Central com a ordem de baixar juros na marra.

A bagunça e a incerteza que o mandonismo voluntarista produzem no ambiente e nas instituições econômicas vão dificultar o crescimento sustentado da renda e do emprego. O fiasco dos investimentos na produção de bens e serviços responde a esses estímulos irresponsáveis do chefe do governo.

O programa econômico de Lula e do PT é o atraso, e seu vulto empobrecedor vai-se tornando cada vez mais nítido conforme progride o mandato presidencial.

Lula, o CEO da Petrobras

O Estado de S. Paulo

Magda Chambriard será a sexta executiva em menos de seis anos a ocupar a presidência da Petrobras, um cargo que Lula, assim como Bolsonaro antes dele, imagina ser seu por direito

A demissão de Jean Paul Prates da presidência da Petrobras revelou que o verdadeiro CEO da empresa se chama Luiz Inácio Lula da Silva e assim permanecerá até o fim de 2026. Magda Chambriard, indicada para ser a próxima preposta, será apenas a tarefeira de Lula em seu plano de financiar a indústria naval, produzir fertilizantes, controlar o preço dos combustíveis, investir em estaleiros e bancar a tresloucada política desenvolvimentista lulopetista da forma que produzir maiores dividendos eleitoreiros.

A bem da verdade, Prates não se interpôs aos anseios do chefe em praticamente nenhum desses quesitos. Mas teve o demérito de tentar privilegiar também os investidores na questão da distribuição de dividendos extraordinários, que Lula tentou reter, sabe-se lá com qual intenção. Além, é claro, de partir para o confronto com o Centrão do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, ungido por Lula da Silva como um de seus principais assessores, ao lado do ministro da Casa Civil, Rui Costa.

Irritado e em busca de mais poder na estatal – sim, a Petrobras até pode ser uma empresa de economia mista por direito, mas, de fato, continua controlada pelo Estado –, Silveira reclamou da morosidade de Prates no financiamento da agenda do governo e venceu a disputa por poder que se arrastou por mais de um ano. A mensagem de Prates em um grupo de WhatsApp, providencialmente vazada, não deixa dúvidas sobre o caráter político da decisão: “Minha missão foi precocemente abreviada na presença regozijada de Alexandre Silveira e Rui Costa”.

Lula da Silva quer avançar sobre a Petrobras desde o início de seu terceiro mandato, derrubando importantes obstáculos erguidos justamente para reduzir a ingerência política na empresa. Para isso contou com a subserviência de Prates, inclusive para mexer no estatuto e derrubar a política de paridade de preços, que vinculava o preço dos combustíveis às oscilações internacionais. Mas essa mudança talvez não tenha dado o retorno que Lula esperava.

Todos os ingredientes postos na bagunça promovida pelo governo Lula da Silva na condução da Petrobras remetem perigosamente a um enredo de abusos e corrupção conhecido por todos, resumido no escândalo do petrolão: disputa de políticos por cargos e poder de influência, obras superfaturadas, estímulo desnecessário à construção de navios e uso da Petrobras como alavanca de programas sociais do governo.

Nas gestões anteriores do PT, essa mistura de interesses estranhos ao negócio da empresa levou à formação de um cartel de empreiteiras que, entre 2004 e 2012, levou a um prejuízo comprovado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de R$ 18 bilhões (valor de 2020, época do estudo). Mas não foi apenas nem principalmente corrupção que arruinou a Petrobras naquela época, e sim o desvirtuamento de sua administração para fins políticos, eleitorais e ideológicos – que gerou imensos prejuízos ao País, pagos pelo contribuinte. É precisamente esse status que Lula pretende restabelecer.

O demiurgo petista parece determinado a fazer da Petrobras uma poderosa fonte de recursos à margem do Orçamento para custear projetos mirabolantes e comprovadamente fadados ao fracasso – como o que distribuiu contratos vultosos da companhia a 19 estaleiros espalhados pelos País, 5 deles estreantes, que tiveram obras garantidas antes mesmo de existirem.

Magda Chambriard, a escolhida por Lula para chefiar a Petrobras em seu nome, é do ramo. Funcionária de carreira da empresa, é especialista em engenharia do petróleo e foi diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Ou seja, currículo tem, mas todos sabem que não foi isso o que pesou em sua escolha, e sim sua suposta disposição para fazer o que Lula mandar.

A julgar pelo que a sra. Chambriard escreveu num artigo na revista Brasil Energia, publicado em dezembro do ano passado, Lula ficará feliz. Além de demonstrar entusiasmo pela ideia de reativar estaleiros, a nova executiva diz ali que “a estatal não poderia ter a dimensão atual sem a mão forte de um governo que a fez crescer de tamanho abruptamente” e que se espera que a empresa e o governo “retribuam o esforço da sociedade em seu benefício”, inclusive na luta pela “redução das desigualdades”. Logo se vê que, sob nova direção, o core business da Petrobras não será petróleo, e sim demagogia.

O pessimismo dos cientistas climáticos

O Estado de S. Paulo

Especialistas já não têm grandes esperanças de que mundo cumprirá a meta de temperatura global, o que amplia o desafio de reduzir os danos ambientais para mitigar os desastres naturais

Alguns dos cientistas climáticos mais renomados do mundo estão clamando por urgência. Para a maioria deles, a meta de 1,5°C para limitar o aquecimento global até 2030, como definido pelos países no Acordo de Paris, poderá ficar inviável ainda nesta década, segundo mostrou um levantamento realizado junto a especialistas que integram o Painel Intergovernamental da ONU para Mudança do Clima (IPCC). Realizada pelo jornal britânico The Guardian, a consulta aos pesquisadores mostrou que quase 80% deles preveem um aquecimento de pelo menos 2,5°C, enquanto apenas 6% afirmaram que o limite de 1,5°C será cumprido. Tal pessimismo é resultado tanto da trajetória do aquecimento global nas últimas décadas quanto da resposta empreendida pelos governos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Mais de 30 anos após a assinatura da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima – uma recomendação do IPCC que definiu a base para a cooperação internacional sobre as questões relacionadas ao aquecimento global –, e nove anos depois do Acordo de Paris, a insuficiência da resposta parece ser um consenso, ainda que a severidade os efeitos gere divergências. Acordada em 2015 por mais de 195 países, a meta de limitar o aumento das temperaturas globais a 1,5°C (comparada com níveis préindustriais) vem sendo perseguida desde então. Diferentes evidências mostram, no entanto, que há riscos de o mundo ultrapassar esse limiar. É uma discussão que divide a comunidade científica, inclusive sobre qual impacto cada fração a mais, ou a menos, exercerá sobre o planeta.

É muito mais uma meta política, ainda que ancorada em evidências científicas. Não está escrito nas estrelas, portanto, que descumpri-la resultará no apocalipse. Há quem preveja, para usar uma expressão de um cientista envolvido nos relatórios do IPCC, um futuro “semidistópico”, como fome, conflitos e migração em massa, impulsionados por ondas de calor, incêndios florestais, tempestades e enchentes – como a do Rio Grande do Sul. Mas, no caso, é a política, conjugada com os cálculos e projeções da ciência, que pode fazer a diferença para um futuro com mais ou menos catástrofes naturais, climáticas e ambientais. Os relatórios do IPCC estão no olimpo das análises sobre mudanças climáticas. Em geral são avaliações aprovadas pelos governos. E, como descreveu o Guardian, suas evidências demonstram que muitas das pessoas mais bem informadas do planeta esperam o caos climático.

Um relatório de 2022 mostrou, por exemplo, que diante de um aquecimento de 1,5°C, cerca de 350 milhões de pessoas estarão expostas à escassez de água devido a secas severas. Com 2°C, esse número sobe – e outros milhões estarão expostos a ondas de calor extremas. Aumento das chuvas torrenciais e furacões, redução do gelo e clima desértico em alguns países são algumas das projeções realizadas pelos cientistas. O melhor é não pagar para ver: cada fração de grau evitada na temperatura global pode reduzir o nível dos problemas no futuro.

Esse é um desafio gigantesco para a ciência, para os governos e, sobretudo, para as finanças globais. Com as projeções atuais, o financiamento climático global precisará ampliar para cerca de US$ 9 trilhões por ano até 2030, acima do quase US$ 1,3 trilhão em 2021-2022, de acordo com um relatório do Climate Policy Initiative. Não se trata de um número aleatório: são cálculos realizados a partir das mudanças que o novo clima exigirá. Para citar um exemplo, a International Renewable Energy Agency (Agência Internacional de Energias Renováveis) estima a necessidade de gerar anualmente, até 2030, 1.000 gigawatts de capacidade de energia renovável. Sem falar na adaptação da infraestrutura das cidades, na maior eficiência em energia de edificações e na restauração de ambientais naturais, como a reconstrução das cidades destruídas pelas chuvas no Rio Grande do Sul.

Exatamente por não ser fácil nem barato que metas e acordos políticos – mesmo se não cumpridos – são fundamentais. É uma forma de o mundo ter parâmetros, limites e responsabilidades, de modo a dimensionar fracassos, mensurar avanços e, afinal, saber quem está sendo mais ou menos negligente com a humanidade.

Os ruídos no Banco Central

O Estado de S. Paulo

Tecnicamente, a ata entregou as explicações esperadas. Politicamente, o BC ainda parece ter mais a dizer

 ata do Comitê de Política Monetária (Copom) dissipou as dúvidas do mercado de que o Banco Central (BC) estaria disposto a adotar uma postura mais leniente com a inflação. O tom do documento foi considerado duro e houve um esforço para esclarecer as razões pelas quais quatro dos diretores – todos indicados pelo presidente Lula da Silva – votaram por uma redução maior da taxa básica de juros.

Como esperado, a ala dissidente preferia seguir o rumo sinalizado na reunião anterior, na qual o BC indicou a possibilidade de uma última redução de 0,50 ponto porcentual (p.p.) na Selic. Para esses diretores, por maiores que fossem as incertezas externas e domésticas, a política monetária já estaria em nível suficientemente contracionista, e o custo de mudar a sinalização anterior poderia ser elevado demais.

Já os diretores que preferiram votar pela redução de 0,25 p.p. reforçaram que o cenário mais benigno com o qual trabalhavam até março não se confirmou. Ficou implícito, para esse grupo, que as declarações dadas pelo presidente Roberto Campos Neto em um evento em Washington, em abril, já eram uma indicação de que o BC não hesitaria em fazer o necessário para levar a inflação à meta.

Tecnicamente, a ata entregou as explicações esperadas e deixou a impressão de que os juros não mais cairão a um dígito, dada a avaliação unânime sobre a necessidade de uma política monetária “mais contracionista, mais cautelosa e sem indicações sobre os próximos passos”. Politicamente, no entanto, o BC ainda parece ter algo a dizer, haja vista que três integrantes do Copom saíram a público para fazer comentários adicionais sobre a última reunião do Copom.

À Bloomberg, o diretor de Assuntos Internacionais, Paulo Picchetti, sustentou que o comitê deveria “priorizar mecanismos oficiais de comunicação” que resultam de “conversas entre membros do conselho”, uma crítica não tão velada à atitude de Campos Neto.

Campos Neto, por sua vez, não escondeu o desconforto. Na abertura da Conferência Anual do Banco Central do Brasil, em Brasília, ele reforçou que as expectativas de inflação estão desancoradas e que a política monetária não permite discussões sobre o centro e a banda da meta de inflação. “Nossa meta é 3% e deveríamos persegui-la”, disse.

Já o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, provável sucessor de Campos Neto no cargo, contemporizou. Em um evento em Nova York, endossou a declaração do presidente do BC sobre a necessidade de firme persecução da meta, mas não deixou de dar razão a Picchetti ao mencionar que Campos Neto não consultou os demais diretores antes do discurso em Washington, que pavimentou a decisão adotada na última reunião do Copom.

A piora nas expectativas, aliada ao conteúdo da última ata, já foi suficiente para o mercado ajustar suas posições – e já há quem espere que a Selic será mantida inalterada na próxima reunião, em junho. Fato é que o BC precisará aparar arestas e afinar sua comunicação antes disso – não para preparar o mercado para suas decisões, mas para preservar a credibilidade da instituição.

Planos do Planalto tendem a reviver a ‘velha’ Petrobras

Valor Econômico

Com preços domésticos dos produtos que vende parados e pesados investimentos a realizar, a lucratividade da empresa tenderá a cair de novo

Jean Paul Prates, ex-senador do Partido dos Trabalhadores, teve o destino reservado ao de um presidente da Petrobras nos dias de hoje - foi demitido pelo presidente da República após pouco mais de um ano de mandato. Prates era alinhado às diretrizes do Planalto, mas não inteira e satisfatoriamente alinhado. Cumpriu suas primeiras missões, como acabar com a fórmula de reajustes de preços em paridade com as cotações internacionais - desde outubro os preços domésticos não se moveram. Foi retirado do comando da maior estatal do país com o pretexto de desavenças com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e com o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Era criticado por “não entregar resultados”, mesmo após ter apresentado o segundo maior lucro da companhia em sua história no ano passado. Por trás disso, estava o interesse do governo de usar a estatal de modo intervencionista.

A disputa sobre a distribuição dos R$ 43,9 bilhões de dividendos selou seu destino, ainda que a solução por ele proposta, de repartição de 50%, pela qual foi finalmente punido, fosse adotada. Os resultados a que o presidente Lula, Silveira e Costa se referem não têm nada a ver com o desempenho econômico-financeiro da empresa, mas com os objetivos políticos do governo, que mais uma vez atropelaram o comando da estatal e regras de governança de uma S.A. A ideia, velha e errada, na cabeça do presidente Lula é tornar a Petrobras a indutora do crescimento nacional com projetos de viabilidade econômica mais que duvidosa e financiamentos camaradas. Pela experiência do passado das gestões de Lula e Dilma Rousseff, esses projetos foram vorazes dilapidadores de recursos.

Lula nomeou Magda Chambriard, ex-funcionária da Petrobras e ex-diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) no governo de Dilma Rousseff, no lugar de Prates. Como ele, Chambriard participou da equipe de transição de governo para a área de energia e, tanto em conversas com ministros de Lula quanto em artigos publicados, está de pleno acordo com os planos que o governo quer que a Petrobras execute. São os mesmos de sempre dos governos petistas, que afundaram junto com o mar de corrupção que quase arruinou a Petrobras e alimentou a Operação Lava-Jato.

Chambriard, ao que tudo indica, seguirá orientações do Planalto, para acelerar projetos “estruturantes”, entre eles a Refinaria Abreu e Lima, inconclusa em seu desenho original depois de US$ 18 bilhões (R$ 90 bilhões) enterrados ali - custo orçado originalmente em US$ 2,3 bilhões. Nos planos da Petrobras, para atingir a capacidade de 230 mil barris por dia, estão reservados investimentos adicionais de R$ 6 bilhões a R$ 8 bilhões. O Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), paralisado pela roubalheira e tido como antieconômico no governo Michel Temer, tinha custo estimado original de US$ 6,1 bilhões, mas já consumira US$ 13,5 bilhões em 2014, um ano antes de o projeto ser interrompido.

O presidente Lula pretende reanimar os estaleiros nacionais com encomendas de embarcações pela Petrobras, com financiamentos não se sabe a que taxas do BNDES. O histórico petista dessa tentativa, ao qual se lançará novamente, é o de um fracasso absoluto, tanto pelos preços domésticos muito superiores aos dos concorrentes externos como pela má administração, mau planejamento e corrupção incontida. “Aguarda-se pelos estaleiros lotados, conforme promessa da empresa, veiculada por diversos veículos da mídia especializada, em agosto de 2023”, escreveu Chambriard em 27 de novembro de 2023 na revista Brasil Energia.

Chambriard comandou a licitação de oito blocos na Bacia da Foz do Amazonas e defende a exploração da Margem Equatorial, como seu antecessor. Em artigo, vai mais longe e questiona atribuições legais do Ibama. “O Ministério do Meio Ambiente será, de fato, o verdadeiro poder concedente do país? A Presidência da República concorda com isso? (...) É nesse contexto que se advoga a intervenção do Presidente da República. É ele que tem mandato para estabelecer as prioridades nacionais, em nome do povo”, escreveu em 14 de junho do ano passado.

A presidente indicada para a Petrobras concordou em encerrar o PPI e é pouco provável que faça reajustes para cima nos preços dos combustíveis a curto prazo, apesar das defasagens em dois dígitos. Em suas disputas com Prates, Silveira reclamou da morosidade do então presidente da estatal em reduzir preços e, com ênfase, dos baixos investimentos em gás. Chambriard é favorável à ampliação desses investimentos, assim como dos que serão destinados ao setor de fertilizantes.

A volta ao passado não é bom augúrio para a Petrobras. O lucro líquido da empresa declinou 24% no primeiro trimestre do ano em relação ao último de 2023 e 34% em relação ao primeiro do ano passado. Com preços domésticos dos produtos que vende parados e pesados investimentos a realizar, a lucratividade da empresa tenderá a cair de novo. Não é difícil antever que nos rumos da Petrobras, transformada em uma repartição do Planalto no Rio de Janeiro, haverá mais disputas com os acionistas minoritários, que têm interesse em que sua direção cumpra estritamente as regras de governança.

Intolerância religiosa não cabe no Brasil plural

Correio Braziliense

O Brasil é um país plural, mas seu povo ainda carece de praticar o respeito à diversidade e aos direitos humanos

Qual é o dano pessoal que a opção religiosa de alguém pode causar ao próximo? A indagação se impõe diante da reação de pelo menos 200 mil brasileiros que deixaram de ser seguidores da cantora Anitta. Ela revelou ao público que aderiu ao candomblé, expôs a sua iniciação na afrorreligiosidade e tornou-se alvo da intolerância religiosa. Foi o suficiente para o afastamento dos fãs e de ácidas críticas por meio das plataformas digitais. Mas as ofensas não suprimem o valor artístico da cantora, uma celebridade do funk carioca, com valores reconhecidos nacional e  internacionalmente.

A intolerância religiosa é lamentável comportamento que se arrasta desde o século 16, quando chegaram ao país os primeiros grupos de negros sequestrados em vários povos do Continente Africano, para serem escravizados no Brasil, pelos colonizadores europeus. Nos tribunais de Justiça do país, as ações motivadas por intolerância religiosa somam 33% (176 mil) entre as relacionadas ao racismo, segundo levantamento da startup Jus Racial. A instituição constatou que no Supremo Tribunal Federal (STF), a intolerância religiosa representa 43% de 1,9 mil processos contra o racismo.

A reação dos (ex) fãs de Anitta é mais uma demonstração da repulsa de parcela da sociedade aos valores dos legados africanos. Trata-se de comportamento recorrente no país. A demonização do povo negro e de sua religiosidade está ancorada no racismo. Enquadra-se entre as afrontas à Constituição de 1988, que garante a liberdade religiosa no país, a igualdade de direitos a todos os cidadãos, independentemente da origem étnico-racial. Ofende também o arcabouço legal dos direitos humanos. Porém, nenhum marco legal tem conseguido impedir a violência contra as instituições e aos adeptos das religiões de matrizes africanas. Denúncias levadas aos fóruns internacionais de direitos humanos também não surtem efeito mitigador desse comportamento.

Nas religiões de matrizes africanas, não há restrições ao gênero, à cor da pele, à condição socioeconômica, ao status social, ao grau de escolaridade e a tantos outros paradigmas que dividem a sociedade em castas e motivam disputas por espaços, muitas vezes, insanas e mortais. Entendem como fundamentais o respeito entre as pessoas, a preservação da vida, o direito de escolha, inclusive, religiosa, de pensamento, de expressão. A ausência de preconceitos é uma das razões que tem elevado o número de adeptos aos terreiros.

A falta de letramento racial está entre as causas do racismo e das atitudes violentas, preconceituosas e intimidadoras contra os adeptos do candomblé e da umbanda em todo o território nacional. A Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas públicas ou particulares, desde o ensino fundamental até o ensino médio, não é cumprida. A educação é uma das formas mais eficazes de quebrar os estigmas, forjados em inverdades, consolidados em relação ao povo negro, suas culturas, práticas de fé, hábitos e costumes. 

A hegemonia das vertentes de religiões cristãs não autoriza uma cruzada racista, intolerante, agressiva e violenta contra pretos e pardos nem contra a afrorreligiosidade. Há espaço para todas no país, sob o manto da Constituição Cidadã. O Brasil é um país plural, mas seu povo ainda carece de praticar o respeito à diversidade e aos direitos humanos.

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