sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Rogério Furquim Werneck - A rota da reeleição

O Globo

Uma pá de cal na esperança de que ainda haja algum esforço de ajuste fiscal duradouro. A dívida bruta como proporção do PIB já está em 77,8%

Arguta e bem informada como sempre, Vera Magalhães dissecou, em coluna recente, o que “auxiliares de Lula” lhe mapearam como a rota pela qual o presidente pretende chegar ao final do mandato em condições de assegurar sua reeleição (“A receita de Lula até 2026”, O Globo, 26/7).

Em complemento à sua excelente análise, vale discutir aqui quais deverão ser as diretivas, implícitas e explícitas, à condução da política econômica ao longo dessa rota. Adiantando desde já a conclusão, a palavra de ordem parece ser empurrar com a barriga o enfrentamento dos principais desafios com que hoje se debate o país na área econômica.

Tendo mal completado um ano e meio de governo, o presidente estaria convicto de que “a fase de reforma deste terceiro mandato se esgotou”. Da perspectiva do problema central com que a economia hoje se defronta — contas públicas insustentáveis —, isso significa uma pá de cal na esperança de que ainda haja algum esforço de ajuste fiscal duradouro até 2026.

Sem ir mais longe, o governo não deverá mover uma palha para desmontar o mecanismo de expansão descontrolada de gastos que teimou em voltar a acionar, em 2023, ao restaurar a superindexação da gigantesca folha de pagamentos de benefícios previdenciários e assistenciais da União vinculados ao salário mínimo.

A ideia é ater-se à simples repressão fiscal — bloqueios e contingenciamentos — para, aos trancos e barrancos, tentar dar a impressão de que o governo está de fato empenhado em respeitar as restrições já escancaradamente permissivas do seu mal-ajambrado arcabouço fiscal.

A aposta é que não seria necessário mais do que isso para manter a economia crescendo a 2% ao ano, com farta geração de empregos. E para deixar o presidente a um passo da reeleição.

Salta aos olhos que será preciso muito mais para a economia “chegar bem” ao final do mandato. Sem evidência de compromisso claro do governo com uma gestão responsável das contas públicas, que atenue o risco fiscal, é improvável que as taxas reais de juros possam voltar a ser condizentes com a recuperação dos investimentos, a manutenção da dinâmica do endividamento público sob controle e a preservação do crescimento da economia.

Não será redobrando a aposta na possibilidade de continuar a esticar a corda da irresponsabilidade na política fiscal, e de passar a fazer o mesmo na política monetária, a partir de 2025, que o governo fará a economia “chegar bem” a 2026.

O pronunciamento do presidente à nação, no domingo passado, 28/7, deixou claro como lhe será difícil chegar a bom destino por essa suposta rota da reeleição. “Quando terminei o segundo mandato, há 14 anos, a economia crescia mais de 4% ao ano.

A geração de empregos, o salário e a renda das famílias aumentavam e a inflação caía. Tiramos o Brasil do mapa da fome.” Foi o que lembrou de início, para, em seguida, lamentar. “De lá para cá, assistimos a uma enorme destruição no nosso país”.

Estaria coberto de razão se tivesse reconhecido que a destruição adveio primordialmente do colossal descarrilamento da economia perpetrado por Dilma Rousseff, que ele próprio alçara à presidência da República. Mas preferiu insinuar que a destruição deveria ser debitada a governos não petistas.

Lula da Silva continua entregue ao negacionismo. Ao se comportar como se o mandato e meio de Dilma jamais tivesse existido, continua incapaz de extrair as devidas lições dos erros crassos cometidos pelo PT entre 2011 e 2016. E pronto a incorrer em equívocos similares.

No próprio pronunciamento, o presidente permitiu-se declarar em tom solene: “Não abrirei mão da responsabilidade fiscal”. Como assim?! Em não mais que um ano e meio, já deixou que a dívida bruta do governo, como proporção do PIB, sofresse um salto de mais seis pontos percentuais, de 71,7% para 77,8%. Para começar. Ainda lhe faltam dois anos e meio de destruição nessa linha. E o presidente continua a não perder ocasião de externar sua resistência a uma reles meta de déficit primário zero.

Um problema grave de dissonância cognitiva. Ou pior.