domingo, 27 de maio de 2012

As bienais e as vanguardas:: Ferreira Gullar

A Bienal de Veneza, fundada em 1895, foi talvez o primeiro sinal da tendência à internacionalização das manifestações artísticas que surgiam e se multiplicariam nas décadas seguintes. Nela, pela primeira vez, as tendências estéticas inovadoras de diferentes países europeus podiam ser apreciadas por um público também internacional.

Assim, a Bienal de Veneza se tornaria a vitrine da arte de vanguarda, característica do século 20. É desnecessário dizer que os fundadores da Bienal não podiam prever o futuro que a esperava mas, se a criaram, foi porque os tradicionais salões nacionais de arte tornaram-se incapazes de atender à inevitável internacionalização dos movimentos artísticos que eclodiam nas cidades de Paris, Berlim, Zurique, Milão e Moscou.

Mas o papel desempenhado pela Bienal não se limitou a difundir a produção artística internacional, uma vez que esse encontro das diferentes manifestações nacionais estimulou a troca de influências, ao mesmo tempo que a difusão e intensificação do experimentalismo estético. Desse modo, a Bienal de Veneza passou a desempenhar um papel dinamizador das inovações artísticas e de sua progressiva internacionalização.

É verdade que duas guerras mundiais -a de 1914 a 1918 e a de 1939 a 1945- provocaram interrupções nesse processo, dificultando ou mesmo inviabilizando o intercâmbio entre artistas e países.

A mais grave dessas interrupções foi provocada pela Segunda Guerra Mundial, de que resultou o exílio de artistas e até mesmo a cessação de vida artística em importantes centros culturais da Europa.

É verdade, porém, que a radicação de alguns artistas importantes em países onde a guerra não chegara resultou em outro modo de difusão das tendências artísticas que representavam. Com o fim do conflito, reatou-se o intercâmbio artístico e a Bienal de Veneza retomou suas atividades.

Foi então que Ciccillo Matarazzo Sobrinho fundou, em 1951, a Bienal de São Paulo, destinada a influir decisivamente no processo artístico brasileiro.

Por surgir quando surgiu e onde surgiu, esta Bienal não desempenhou inicialmente o mesmo papel que a de Veneza, mas se aproximou dela em função mesmo do que viria a ocorrer no âmbito internacional.

A primeira e principal consequência de sua criação foi contribuir decisivamente para o surgimento, no Brasil, da arte concreta, cuja figura principal era o suíço Max Bill, ganhador do prêmio da 1ª Bienal com sua escultura "Unidade Tripartida".

O concretismo significou a ruptura com a tradição modernista brasileira, surgida no ano de 1922, e possibilitou o nascimento da arte neoconcreta, considerada hoje uma contribuição original brasileira à arte contemporânea.

Mas os anos se passaram e as vanguardas, seguindo os "ready-mades" de Duchamp, abandonaram as linguagens artísticas, fundadas no domínio técnico, para entregar-se ao improviso das sacações ditas conceituais.

Disso resultaram as instalações e os "happenings" que não buscam permanência, mas apenas o impacto eventual e momentâneo.

Por outro lado, como não se apoia numa linguagem, a arte conceitual se vale de todo e qualquer objeto (ou coisa, ou gente, ou bicho) para se expressar. Isso vai desde expor casais despidos num museu até engaiolar urubus para exibi-los numa bienal.

Resulta que tais sacações só ganham caráter de arte se realizadas numa galeria de arte, num museu ou numa bienal. Ou seja, essa é uma vanguarda que precisa das instituições para se afirmar.

Por essa razão, as bienais, dado o caráter de mostras eventuais, tornaram-se o lugar mais do que qualquer outro propício à arte conceitual, pois a obra dura o tempo que dura o evento e termina com ele.

Com raras exceções, por não se apoiar numa linguagem, mas numa "boa ideia", a arte conceitual -depois de se valer de casais despidos e de urubus engaiolados- vê esgotar-se seu repertório.

Essas bravatas já não escandalizam ninguém. O urinol de Marcel Duchamp completa um século em 2017. Como uma se apoia na outra, é possível supor que não vão durar muito tempo.

FONTE: ILUSTRADA / FOLHA DE S. PAULO

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