• A política fiscal do segundo mandato de Dilma já mudou
Por Raymundo Costa e Ribamar Oliveira - Valor Econômico
Brasília - Cresce dentro do governo e no PT, especialmente nos grupos ligados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ideia de que o governo deve mudar a política econômica, diminuindo o arrocho na área fiscal para permitir que a economia volte a crescer. Defende-se a elevação de impostos, inclusive o retorno da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e o aumento da oferta de crédito por meio da liberação de parte dos depósitos compulsórios.
Nas discussões, diz-se que "país nenhum se recupera com recessão". Alega-se, ainda, que é preciso aumentar tributos, principalmente dos setores que mais ganharam nos anos do governo Lula, para não haver cortes na área social. O grupo do governo e do PT que defende essas propostas é mais identificado com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, do que com o da Fazenda, Joaquim Levy.
Para eles, Levy não é fiador do apoio manifestado há alguns dias por integrantes do sistema financeiro à permanência da presidente Dilma no cargo. "[Levy] É apenas um fio muito tênue", diz um líder do PT, referindo-se ao papel do ministro como articulador entre os bancos e o governo. Dilma já não teria demitido Levy por temer que as agências de classificação de risco retirem o grau de investimento do país.
Aliados de Lula insistem em aumento de imposto
A despeito da rejeição de parlamentares e da recente desistência do governo da iniciativa, a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) ainda não é assunto esgotado na administração Dilma Rousseff e áreas fins do Palácio do Planalto com influência sobre as decisões de política econômica. Interlocutores da presidente acreditam que a ideia poderá ter sucesso, se o governo federal for menos "guloso" e aumentar a parcela dos recursos a serem arrecadados destinada aos governadores.
Essa é uma das muitas discussões de política econômica que envolvem o atual governo e também são tratadas no Partido dos Trabalhadores, em instituições vinculadas ao PT, no Instituto Lula e no "Grupo Para o Futuro", criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a discussão de assuntos da conjuntura, que se reúne regularmente em São Paulo. Na opinião de integrantes das reuniões do grupo com trânsito também no Planalto, a presidente Dilma botou "o bode na sala", ao deixar para o Congresso a empreitada para cobrir o rombo de mais de R$ 30 bilhões no Orçamento de 2016.
"Alguém vai ter de consertar", diz uma fonte que integra os grupos de debate formados em torno de Lula. E a discussão não deve ser sobre quem perde mais e sim de quem vai passar a "ganhar menos", segundo o enunciado feito no Ipiranga, bairro onde se localiza o instituto que leva o nome do ex-presidente. É preciso aumentar imposto, especialmente dos setores que mais ganharam nos anos de fartura do governo Lula, para não haver corte no social.
Essa é uma área do PT e simpatizantes mais identificados, no governo, com o ministro Nelson Barbosa (Planejamento) do que com o da Fazenda, Joaquim Levy. No meio, porém, duvida-se da saída do ministro da Fazenda, há apenas sete meses no cargo. "Ficaria muito mal para o currículo dele", diz um integrante do grupo de discussão.
Levy não é visto nessa área como fiador do apoio manifestado à permanência de Dilma, há duas semanas, por integrantes do sistema financeiro, especialmente por dirigentes dos bancos Bradesco e Itaú. "É apenas um fio muito tênue", diz um líder do PT, numa referência ao papel de Levy como articulador entre o setor financeiro e o governo. O manifesto dos empresários - entidades patronais também apoiaram Dilma - não foi escrito "em torno" de Levy, mas para evitar o aprofundamento da crise, o que é ruim para os negócios de todos. Algo na linha do "ruim com ela, pior sem ela".
Nas discussões, um princípio é que país nenhum do mundo se recupera com recessão. Lula, particularmente, tem manifestado a opinião de que o arrocho não é a única saída para a atual crise econômica. O ex-presidente já defendeu inclusive com Dilma a proposta de se aumentar a oferta de crédito. Haveria meios para isso. Exemplo: um alívio no compulsório dos bancos privados.
O PT participa amanhã do lançamento da Frente Brasil Popular, um conglomerado de partidos, intelectuais e movimentos que pede mudanças na política econômica. Na manifestação realizada no dia 20 de agosto, o PT apoiou e participou dos atos, mas evitou o "Fora Levy", palavra de ordem abraçada por outros integrantes da frente. "O partido sustenta e empurra o governo Dilma", diz um líder partidário. Mas os dois precisam acertar os ponteiros, pois na frente o PT não assume o "Fora Levy" mas convive com ele com satisfação.
O ex-presidente Lula e pessoas do seu círculo de relações políticas continuam a críticos das políticas de governo Dilma. O grupo considerou um erro presidente ter deixado o orçamento para o Congresso, pois passou a ideia de que não governa. As críticas mais pesadas são dirigidas ao chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, muito embora o ministro e o PT pensem de maneira parecida com relação às políticas de Joaquim Levy.
A Mercadante são atribuídas algumas decisões consideradas equivocadas por líderes petista, como a fritura do vice Michel Temer na articulação política do governo. Mercadante, segundo fontes do PT, é o responsável pela ideia de o Palácio do Planalto dispersar as forças aliadas no Congresso para negociar com grupos em separado. Decisão que esvaziou as funções que Dilma havia atribuído a Temer, quando o Congresso parecia fora de controle e ameaçava não aprovar o ajuste fiscal.
Dilma também teve a chance de estabelecer um canal de comunicação com o deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara, que em julho havia rompido espetacularmente com o governo. A ideia era boa, mas a execução foi mal acabada: o Palácio do Planalto atraiu para a negociação o governador Luiz Fernando Pezão e o ex-governador Sérgio Cabral, mas deixou de fora o vice Michel Temer. O que parecia uma boa ideia acabou num acerto capenga e recheado de denúncias de traição. Temer poderia selar um acordo e deixar para Dilma eventual arbitragem no grupo de pemedebistas.
Uma das principais críticas feitas à presidente é a condução errática não só da coordenação, mas também nos assuntos sensíveis da economia, com repercussão no mercado. Um exemplo é a conversa que Dilma teve com dois ex-presidentes da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Marco Maia (PT-RS), quando ficou acertado que o PT começaria a "bater" em Eduardo Cunha, denunciado pelo Ministério Público Federal na Operação Lava-Jato. Ao mesmo tempo, Dilma articulava com o PMDB do Rio o encontro que teve na terça-feira com o presidente da Câmara. Mais grave são as mudanças de rota em assuntos econômicos, das quais o anúncio - e posterior recuou - da recriação da CPMF é apenas um exemplo.
Medo de 'downgrade' sustenta Levy
Na terça-feira, em audiência pública na Câmara dos Deputados, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, insistiu que é preciso trabalhar para alcançar a meta de superávit primário de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016, "que já é reduzida". Ninguém entendeu nada.
Naquele momento, os parlamentares tinham em mãos a mensagem da presidente Dilma Rousseff, que acompanha a proposta orçamentária do próximo ano, dizendo outra coisa. Na mensagem, Dilma informa ter encaminhado "um aviso ao Congresso Nacional solicitando que a meta fiscal seja de menos R$ 21,1 bilhões, possibilitando que o resultado primário chegue a - 0,34% do PIB estimado para o ano". Dilma dizia uma coisa e seu ministro da Fazenda outra.
Até a semana passada, Levy lutou o quanto pode para que o governo cortasse despesas para obter a meta de superávit primário de 0,7% do PIB em 2016. Não conseguiu. Dilma preferiu ouvir os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Casa Civil, Aloizio Mercadante, para quem cortes adicionais nos gastos iriam aprofundar a recessão econômica, o que reduziria ainda mais as receitas tributárias.
Em vez de cortar despesas, os dois propuseram que o governo procurasse aumentar a arrecadação. Foi assim que surgiu a ideia de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Levy foi contra. Mas a proposta entusiasmou a presidente. No entanto, a reação contrária de empresários e líderes políticos levou Dilma e os dois ministros a mudarem de ideia. Esqueceu-se de avisar o ministro da Fazenda. Enquanto Levy anunciava seu apoio à criação do imposto sobre cheques, em Campos de Jordão (SP), onde participava de seminário, o Palácio do Planalto divulgou a desistência da CPMF.
No domingo passado, nas reuniões finais de elaboração do Orçamento de 2016, Levy dizia achar um erro o governo encaminhar ao Congresso a proposta orçamentária com déficit primário. E insistia no corte dos gastos. Não conseguiu. Fontes oficiais informaram que houve um momento constrangedor, pois Levy deu a entender que, publicamente, não apoiaria um Orçamento deficitário.
Quando ainda não tinha assimilado as derrotas em torno do Orçamento, Levy teve mais um dissabor. Ontem, a Câmara concluiu a votação do projeto de lei Complementar 25/07, que aumenta o limite de enquadramento das micro e pequenas empresas para terem acesso ao regime tributário Simples Nacional. A Receita Federal, órgão subordinado a Levy, estimou redução de R$ 11,4 bilhões na arrecadação federal se o projeto for sancionado.
Além da instabilidade política, provocada pela Operação Lava-Jato e pelo esfacelamento da base de sustentação do governo Dilma, existe agora uma briga surda no interior do PT, tendo como motivo a presença do ministro da Fazenda no governo, informa um importante líder governista. Alguns setores do partido querem mudar não apenas Levy, mas a política econômica em curso.
Segundo a mesma fonte, a ideia de trocar o ministro da Fazenda está sendo alimentada por ministros muito próximos à presidente. Esse líder garante que a presidente não vai tirar Levy. "A saída dele agora será um desastre", afirmou. Ele considera que o ministro da Fazenda "é o pau da barraca" e sua demissão vai precipitar o rebaixamento ("downgrade") da nota de crédito do Brasil pelas agências internacionais de risco.
Até representantes do próprio PMDB, ouvidos pelo Valor, anunciam que são contra um "ajuste fiscal que implique corte de investimentos públicos", em um recado direto ao ministro da Fazenda. O partido do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), era uma espécie de "base de sustentação de Levy" no governo. Agora, só quer saber de crescimento.
A questão a ser avaliada é que a política fiscal já mudou. No início do segundo mandato da presidente Dilma, os ministros Levy e Barbosa executaram um ajuste fiscal baseado na teoria da "contração expansionista". Grosso modo, essa teoria diz que quando o governo faz o ajuste necessário em suas contas, com corte de despesas e aumento da economia para pagar juros, reduz as incertezas e eleva a confiança dos empresários no futuro, que passam a investir. Com isso, embora o ajuste seja recessivo, ele termina dando origem a mais investimento e a uma retomada da economia.
Com o ajuste iniciado nos primeiros meses deste ano, Levy e Barbosa acreditavam que a economia brasileira voltaria a crescer no segundo semestre. Mas a confiança dos investidores não foi restaurada. Na verdade, ela passou a cair de forma mais acentuada, resultando na queda na taxa de investimento. Em parte porque se descobriu que a situação fiscal do país era mais grave do que a imaginada, pois havia sido mascarada pelos truques fiscais da equipe econômica anterior.
O governo vai terminar 2015 com déficit primário em suas contas, repetindo o que houve em 2014. É provável que o "rombo" seja semelhante. O mais grave é que o governo anuncia novo déficit em 2016 e, mesmo assim, projeta um aumento das despesas da União equivalente a 0,4 ponto percentual do PIB. Por isso, é difícil achar que os investidores acreditarão que o quadro de deterioração fiscal será revertido em 2017, com a obtenção de um superávit primário de 1,3% do PIB e de 2% em 2018, como está na mensagem de Dilma.
A política fiscal mudou. Não se fala mais em obtenção de uma meta de superávit primário que evite o crescimento acelerado da dívida pública bruta. O discurso agora é de manutenção de programas considerados essenciais pelo governo. Basta ver que o gasto com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) terá mais R$ 7,2 bilhões no próximo ano, na comparação com 2015. E, para isso, se o Congresso puder aprovar novas receitas tributárias, ótimo.
Mudou também porque a prioridade passou a ser discutir "uma política fiscal de longo prazo", embora a agenda apresentada seja tímida. A rigor, apenas duas medidas. Uma reforma administrativa, cuja economia de gastos é pequena, e a discussão com lideranças sindicais "de medidas legais e infra-legais para a redução do déficit da Previdência". O governo agora espera a retomada do crescimento, quando as receitas tributárias retornarão.
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