• Folha de pessoal é o maior problema fiscal dos Estados
- Valor Econômico
Nem todos os governadores foram favoráveis à reabertura da negociação da dívida dos Estados, uma agenda do fim dos anos 1990. Este é o caso, por exemplo, de Paulo Hartung, que governa o Espírito Santo pela terceira vez. Na realidade, Hartung era um dos mais ferrenhos adversários da nova negociação, mas, diante do fato consumado, acha que o presidente interino, Michel Temer, deve aproveitar o momento para assegurar o compromisso dos governadores com as reformas e tocar em temas politicamente mais delicados como a previdência dos servidores. A dívida, na opinião de Hartung, não é o maior problema por trás da crise dos Estados. É a folha de pagamentos dos servidores ativos e inativos do serviço público.
Se a reforma não for a fundo nessa questão, inclusive estabelecendo para os servidores a mesma idade mínima que se propõe para o regime geral, a renegociação das dívidas e o teto para os gastos públicos deve resolver por algum tempo a crise dos Estados, mas a longo prazo ela voltará a bater à porta. Não basta uma meia sola. A previdência pública está por trás da falência do Rio Grande do Sul. Se alguma não for feito com urgência, cenas de aposentados sem poder pagar as contas, com pagamento atrasado, como se vê no Rio de Janeiro, devem se tornar a regra, não a exceção.
Politicamente, os governadores em geral têm dificuldades para atacar o problema dos inativos, pois enfrentam a dura oposição de categorias organizadas e influentes eleitoralmente. É nesse aspecto que o governo federal pode ajudar os Estados, não em um abraço de afogados, mas num acordo mútuo de sobrevivência. A crise é uma oportunidade única. O presidente interino poderia ter envolvido mais os governadores com uma reforma de fundo quando aceitou a moratória até o fim do ano. Poderia ter feito como fez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003.
Naquele que foi considerado o ato de maior simbolismo político de seu governo, até então, Lula atravessou a rua que separa o Palácio do Planalto do Congresso Nacional para entregar pessoalmente as propostas de reforma da Previdência Social e tributária. Ele estava havia quatro meses no cargo e ainda não tinha dissipado de todo as desconfianças do mercado em relação ao governo do PT. Falou durante 13 minutos no plenário da Câmara. "A sorte está lançada", disse Lula.
Não precisava de muito mais que isso: os projetos chegaram ao Legislativo depois de Lula negociar com cada um dos 27 governadores. Individualmente. O ex-presidente chegou ao Congresso acompanhado de 22 dos 34 ministros, de todos os chefes de executivo estadual, de 10 prefeitos de capitais e de 38 dos 83 integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Era tanta gente que a comitiva foi de ônibus. Claro, havia manifestantes à espreita, protestando contra a reforma da Previdência, como acontecia também nos tempos do governo do PSDB.
Ao contrário de Lula, no entanto, Temer não acaba de sair de uma eleição, com a legitimidade conferida em milhões de votos. O governo do presidente interino entrou mais fraco na negociação por dois motivos, pelo menos. O primeiro foram as liminares concedidas a 14 Estados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) suspendendo o pagamento de parcelas da dívida. Estava no fim, também, o prazo de 60 dias que o STF deu para que os Estados e a União chegassem a um acordo. O presidente estava pressionado pelo tempo.
O segundo certamente foi o fato de Temer ser interino, chefiar um governo provisório. Há muitas decisões em suspenso à espera de uma definição do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O presidente do Senado, Renan Calheiros, prestou um desserviço ao país ao esticar desnecessariamente os trabalhos da comissão de impeachment. Collor não teve dez por cento do prazo concedido a Dilma para se defender, e no entanto, não há como dizer que o ex-presidente teve a defesa cerceada.
"O governo é tanto melhor quanto mais tem consciência de suas limitações", diz Hartung. Para o capixaba, "o lado positivo dessa renegociação é o que ela constrói para o futuro", pois o acordo está assentado em contrapartidas que permitem atacar o que de fato é o maior problema fiscal dos Estados - a folha de pessoal.
Na avaliação de Paulo Hartung, a reforma previdenciária é uma agenda que "não pode ser negligenciada". Juntamente com as propostas de reforma no regime geral da Previdência com a adoção de uma idade mínima "compatível com a expectativa de vida dos brasileiros", o governador do Espírito Santo defende que haja uma "convergência de regras para reforma dos regimes próprios do serviço público". Neste último caso, defende que deve se assegurar a revisão e o reequilíbrio dos regimes especiais de aposentadoria.
Ponto importante na confecção de uma agenda para recolocar os Estados no caminho de volta ao equilíbrio fiscal, segundo Hartung, seria a criação de um instrumento especial para aqueles que desejam reduzir dívidas, mas sem empurrar a conta para outras instâncias. "Em vez de buscar artifícios para reduzir estoque das dívidas, os governos precisam aderir ao programa de desestatização do governo federal, tendo como atores o BNDES e a Secretaria Executiva do Programa de Parcerias e Investimentos". Para o governador Hartung a "desmobilização de ativos e a busca por parcerias com o setor privado precisa estar associada à necessária redução estrutural do endividamento no Brasil".
"Se a raiz da atual crise é o problema fiscal que mergulhou o país na maior depressão da sua história", argumenta o governador capixaba, "somente o equacionamento das contas brasileiras no longo prazo é que trará de volta a confiança, mais investimentos, emprego, renda e receitas públicas". Segundo Hartung "não adianta forçar a marcha por mais alívios de curto prazo, numa tentativa de pressionar um governo de transição". Isso sim, diz ele, "será o verdadeiro abraço dos afogados".
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