terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Yoshiaki Nakano: O presidencialismo de coalizão

- Valor Econômico

Conselho do presidente seria uma garantia institucional de que o programa escolhido nas urnas será executado

O povo brasileiro e o Congresso Nacional já se manifestaram claramente favoráveis ao sistema presidencialista. Mas na sua atual configuração, tornou-se um dos focos permanentes de crise de credibilidade do nosso sistema político e a relação entre poder Executivo-Congresso um foco alimentador do clientelismo e da corrupção no país.

O povo prefere escolher diretamente o presidente, chefe do Poder Executivo nacional, a delegar a escolha ao Congresso Nacional, num sistema parlamentarista. Em uma eleição direta o povo julga poder avaliar melhor quem dirigirá os destinos do país, suas ideias, suas propostas, enfim, o seu "programa de governo".

O Congresso Nacional, por sua vez, prefere ficar numa posição cômoda de cobrar e criticar o Executivo do que assumir as responsabilidades do Executivo, propondo projetos e programas de governo para o país. Isto está associado ao fato de não existirem no Brasil verdadeiros partidos políticos programáticos. Os partidos são oligárquicos, com donos, e um amontoado de oportunistas de interesses particulares; não se organizam em torno de ideias e propostas políticas. Os líderes políticos são clientelistas e não passam de despachantes ou representantes de grupos de interesses específicos, normalmente de minorias, que são sempre mais bem organizadas. Os interesses da maioria da população são múltiplos e mais difusos e, portanto, de difícil organização.

Neste quadro, o presidente eleito, para obter apoio necessário do Congresso Nacional para aprovar seus projetos e viabilizar o "programa de governo" pelo qual foi eleito, precisa negociar com diversos grupos, utilizando como moeda de troca cargos nos ministérios, autarquias, empresas estatais etc. O resultado final desta barganha é que o governo é totalmente partilhado, dividido, uma colcha de retalhos onde cada entidade torna-se posse privada de certo grupo de interesse particular. Prevalece então o interesse do grupo particular sobre o "programa de governo" e o bem comum.

Multiplicam-se nesta lógica o número de ministérios, estatais e outras agencias para o executivo aumentar a moeda de troca e assim as despesas do governo são regidas por grupos de interesses particulares, criando-se uma dinâmica perversa que desemboca numa continua elevação da carga tributária e endividamento crescente do poder público.

Não se pretende discutir aqui a reforma do regime de governo, reforma eleitoral, nem a reforma partidária, mas sim uma medida que uma lei aprovada pelo Congresso pode resolver e trazer frutos no curto e médio prazo. Ou colocada de forma mais específica, a questão central que quero tratar é como ter um Executivo capaz de implementar efetivamente o "programa de governo", simbolizado na figura do presente da República, escolhido pela maioria da população?

O pressuposto aqui é que se o "programa de governo" aprovado nas urnas for efetivamente implementado, nas eleições subsequentes a eleição presidencial ganha importância e força. Quando a população escolher o "programa de governo" a instituição governamental recomporá sua credibilidade, deslocando o debate e abrindo novas avenidas para as reformas políticas.

De um estilo "ad hoc" de formulação de política econômica e políticas públicas, caminharíamos de uma forma mais técnica, institucionalizada e focada.

Não é preciso inventar a roda. Basta copiarmos experiências testadas e bem-sucedidas de outros países. Refiro-me no caso aos Estados Unidos, país presidencialista e economicamente bem-sucedido, que criou o Conselho Econômico do Presidente, em 1946, portanto com mais de 70 anos de experiência bem-sucedida. (veja, por exemplo, o relato de Roger Porter, no encontro na Brookings Institution, em fevereiro de 2016).

Este Conselho Econômico do Presidente, lotado no gabinete presidencial, seria de escolha pessoal do presidente, aprovado pelo Senado, com três membros, um presidente, um vice-presidente e um terceiro conselheiro, com a função de aconselhar o presidente na formulação e avaliação da política econômica e políticas públicas e provê-lo de pesquisas empíricas objetivas. Os membros do Conselho devem ser pessoas que como "resultado do seu treinamento, experiência e realizações sejam excepcionalmente qualificados para analisar e interpretar desenvolvimento econômico, para avaliar programas e atividades do governo e para formular e recomendar política econômica nacional para promover emprego, produção, e poder de compra sob regime de livre competição".

Tanto os membros como o staff devem ser economistas de reputação, sem filiação partidária, e que em regra estabelecem a ligação do Conselho com academia, onde surgem novas ideias, desenvolvem-se as pesquisas e as inovações. Muitos são oriundos da academia para onde voltam depois de dois anos no Conselho. Isto pode dar ao Conselho o selo e a reputação de entidade altamente qualificada, objetiva e não-partidário. Assim constituído o Conselho deve ser uma agência neutra, os membros devem ter mandatos curtos para não se incorporarem à burocracia. O Conselho seria uma garantia institucional de que o "programa de governo" escolhido nas urnas será efetivamente implementado de forma técnica e não partidária.
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Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)

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