Era inevitável que o protecionismo americano fosse contestado na Organização Mundial do Comércio e colocasse a instituição diante de uma de suas piores crises. Em apenas um dia, 21 de novembro, foram aprovados 13 painéis para averiguar a legalidade de medidas tomadas na área de comércio exterior - um recorde. O órgão de solução de controvérsias aprovou 7 deles tendo as sobretaxas americanas sobre aço e alumínio como alvo em ações solicitadas pela União Europeia, China, Canadá, México, Rússia, Turquia e Noruega. Os EUA pediram e obtiveram 4 painéis a respeito das retaliações feitas por China, Canadá, UE e México e outro para investigar desrespeito da China às normas que regem os direitos de propriedade intelectual.
À primeira vista poderia parecer que os EUA aceitam a OMC como fórum legítimo e privilegiado para dirimir divergências comerciais, mas esta não é de forma alguma a intenção de Washington. Os negociadores americanos não aceitam que a instituição se meta no que considera ameaça à sua segurança nacional, o motivo utilizado para impor as sobretaxas. O representante dos EUA advertiu que a insistência neste ponto "poderia minar a legitimidade do mecanismo de disputa da OMC e mesmo a viabilidade da OMC como um todo" (Valor, 22 de novembro).
O argumento de Trump é esdrúxulo e é potencialmente danoso, já que dá a todos os países pretextos subjetivos para adotarem o mesmo expediente. O governo de Donald Trump, no entanto, não está muito preocupado com isso e levou sua ampla ofensiva econômica contra a China a todos os organismos internacionais de que participa.
Donald Trump e Xi Jinping, presidente da China, têm um encontro marcado nesta semana durante reunião do G-20 em Buenos Aires. Os EUA, mais uma vez, não querem menção ao protecionismo no comunicado oficial da reunião, como fizeram em encontro do G-7 em junho, em Quebec, para surpresa dos participantes. Washington se recusou a assinar texto em defesa de "mercados abertos" e da "importância de um sistema comercial multilateral". Trump ainda reclamou, durante as discussões, que os EUA são "como um cofrinho que todo mundo está roubando".
As chances de que um acordo com a China possa emergir de reuniões bilaterais são pequenas e foram se desvanecendo ao longo do mês. O governo chinês tem usado um discurso conciliatório em relação à abertura adicional de sua economia. Ontem, Liu He, vice-presidente, disse que seu país está "melhorando substancialmente" a proteção a patentes, aumentando importações e liberalizando algumas restrições à participação estrangeira no mercado de carros, navios e aviões. Apesar disso, está claro que não cederá nada sob ameaças de Trump. E Trump, também ontem, disse que ampliará as tarifas sobre todas as importações da China caso não haja um acordo.
O presidente americano tem sido particularmente destrutivo nesta empreitada, ao não apenas enfrentar a China, mas também ao antagonizar e ridicularizar países tradicionalmente aliados que têm interesse em uma ação conjunta contra o que consideram práticas desleais dos chineses, em particular na proteção a patentes.
Não há uma saída fácil para a OMC, se os confrontos perdurarem. A UE e o Japão concordaram em encaminhar uma proposta de reforma na organização, uma revisão de regras que tornaria a questão dos subsídios e as normas de transferência de tecnologia mais transparentes. Ambas certamente colocariam a China na defensiva.
A escalada americana contra a China passou a ser apontada por unanimidade como uma das maiores ameaças à saúde da economia global. Países do Sudeste asiático, que têm na economia chinesa o principal destino de suas exportações, desaceleraram o crescimento no terceiro trimestre. A Alemanha, maior máquina de exportação europeia, viu suas vendas para o mercado chinês despencarem, o que jogou para baixo o desempenho da zona do euro. Além disso, é uma questão de tempo até que o protecionismo americano traga aumento dos preços domésticos. Com a inflação já praticamente na meta do Fed, ao redor de 2%, a resposta será juros mais altos, que contribuirão para acentuar a desaceleração global em curso.
Ao decidir iniciar uma disputa de poder global a partir de questões comerciais com a segunda maior economia do mundo, os EUA podem derrubar as instituições que estiverem no caminho, construídas justamente para evitar conflitos de grande escala e conduzí-los ao leito da diplomacia. A OMC corre riscos.
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