Pode-se
responsabilizar o governo Bolsonaro pela saída da Ford do Brasil? Por não ter
feito nada para evitar, sim; mas essa não foi a causa principal
Neste
episódio do encerramento das operações da Ford no Brasil há mais coisas entre o
céu e a terra do que os aviões da Embraer. A propósito, a mais importante
empresa de tecnologia da indústria nacional, que foi a consagração do modelo de
substituição das importações, luta para sobreviver, depois do fracasso da
bilionária parceria com a Boeing. A indústria de aviação passa por uma
reestruturação mundial, agravada pela pandemia do novo coronavírus, que teve
forte impacto no transporte de passageiros. De certa forma, a redução do fluxo
de pessoas pode ajudar a volta por cima da Embraer, que produz aviões menores,
como o E190, para 100 passageiros, ideal para a aviação regional. A startup EGO
Airways divulgou, recentemente, que o avião brasileiro vai operar 11 rotas
italianas, inicialmente, tendo por hubs os aeroportos de Forli e de Catânia, no
norte e no sul da Itália, respectivamente; depois, na rota Milão-Roma.
Pode-se responsabilizar o governo Bolsonaro pela saída da Ford do Brasil? Por não ter feito nada para evitar, sim; mas essa não foi a causa principal. Em tese, poderíamos ter disputado a permanência das fábricas com a Argentina e o Uruguai, mas isso exigiria um arranjo institucional impossível de ser feito sem reforma tributária, política industrial e política de comércio exterior adequadas. Além disso, poderia ser uma solução de curto prazo, porque a indústria de automóveis passa por uma revolução tecnológica, na qual a Ford ficou para trás. Já são vendidos no Brasil, por exemplo, cerca de 20 modelos diferentes de carros elétricos Audi, Chevrolet, Nissan, Jaguar, BMW, Renault, JAC, Mercedes-Benz, BYD e Tesla. A briga boa é para produzi-los aqui no Brasil, mas, aí, surge o problema da automação: modernas plantas industriais são automatizadas, a mão de obra barata deixou de ser um atrativo.
As
grandes marcas não são imortais, mesmo quando a empresa opera no país há mais
de 100 anos. A Esso, com 50 anos de mercado, tinha 1,7 mil postos de
combustíveis quando deixou de existir. Estava no Brasil desde 1912. No início,
os postos se chamavam “Standard Oil Company of Brazil”. Não se sabe, ao certo,
quando a marca e sua mascote, o tigre, foram adotados. Mas, na década de 1940,
quando o Repórter Esso estreou na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a marca já
tinha alguma popularidade. Em 2008, a rede Esso foi comprada pela Cosan. Três
anos depois, a própria Cosan se uniu à Shell, formando a Raízen. Na ocasião,
Cosan e Shell anunciaram que a marca Esso seria substituída.
Tecnologia
A
troca de bandeira não é uma operação fácil. Só para vestir os frentistas da
Esso com o uniforme da Shell a companhia precisou de 300 mil macacões e 60 mil
bonés. A Raízen investiu R$ 130 milhões para trocar a bandeira pela Shell. E
como será com o carro elétrico, cujas baterias são recarregadas na garagem? É
melhor a Petrobras vender logo a BR Distribuidora — corre o risco de que faltem
compradores interessados — e investir na exploração do pré-sal, antes que seja
tarde demais. Inovação é o que mantém as empresas vivas. Para isso, precisam conversar
com startups ou criar programas de pesquisa e desenvolvimento. Entretanto,
preferimos subsídios e reservas de mercado, que têm pernas curtas quando ocorre
uma revolução tecnológica, como agora, com forte impacto na divisão
internacional do trabalho.
A
Blockbuster era uma companhia gigante e com uma grande clientela. Morreu de
maneira surreal. Deixamos de alugar DVDs para assistir a vídeos por meio de
serviço de streaming em demanda, como Netflix e o Net Now. Teve a oportunidade
de comprar a Netflix em 2000 e não comprou, preferiu focar na atenção ao
cliente de suas lojas. Na época, a Netflix era só um serviço de delivery de
DVD. A empresa faliu em 2013. Na década de 1970, a Kodak chegou a ser dona de
80% da venda das câmeras e de 90% de filmes fotográficos. E, na mesma década,
inventou o que ia falir a empresa: a câmera digital. Como ia prejudicar a venda
de filmes, eles engavetaram a tecnologia. Duas décadas depois, as câmeras
digitais apareceram com força e quebraram a Kodak. Faliu em 2012.
Em
2005, o Yahoo! era o maior portal de internet do mundo e chegou a valer US$ 125
bilhões. Pouco mais de 10 anos depois, a companhia foi vendida para a Verizon,
por apenas US$ 4,8 bilhões. Ela poderia ser o maior portal de pesquisa da
internet, mas decidiu ser um portal de mídia. O PARC (Palo Alto Research
Center) da Xerox tinha objetivo de criar tecnologias inovadoras: computadores,
impressão a laser, Ethernet, peer-to-peer, desktop, interfaces gráficas, mouse
e muito mais. Conseguiu. Steve Jobs só criou a interface gráfica de seus
computadores após uma visita ao centro da Xerox, no coração do Vale do Silício.
Quem menos lucrou com essas inovações foi a própria Xerox.
MySpace, Orkut e Atari tiveram trajetórias parecidas: estagnaram e foram engolidas pela concorrência. Os dois primeiros, por Facebook e Twitter; o terceiro, pela Nintendo. Mas, nada foi mais espetacular do que a ultrapassagem do Blackberry. Chegou a ter mais de 50% do mercado de celulares nos Estados Unidos, em 2007. Contudo, naquele mesmo ano, começou a sua derrocada. O primeiro iPhone foi lançado em 29 de junho de 2007. A Blackberry ignorou as tecnologias que o concorrente estava trazendo, como o touch screen. Resultado: a Apple dominou o mercado de consumidores pessoas-físicas.
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