quinta-feira, 29 de abril de 2021

Bernardo Pasqualette* - Riocentro, a noite que não terminou

- O Globo

Às vésperas do Dia do Trabalho, há 40 anos, um show em comemoração à data havia sido programado no Riocentro. No palco, grandes nomes da MPB. No estacionamento, duas bombas dentro de um Puma. Um dos artefatos explodiu antes da hora, vitimando dois militares (um deles fatalmente) e trazendo à luz a faceta mais sombria do grupo que se insurgia ante o processo de abertura política.

No açodamento inicial das investigações, organizações clandestinas de esquerda foram apontadas como suspeitas pelas autoridades encarregadas do caso. Faltou esclarecer, no entanto, que tais organizações já haviam sido extintas quase uma década antes. Precipitação semelhante àquela verbalizada pelo presidente Figueiredo ao tomar conhecimento do episódio: “Finalmente os comunistas fizeram uma bobagem”.

O tempo, em pouco tempo, se encarregaria de revelar todo o desengano do presidente.

Desmoralizada no estacionamento do centro de convenções, a linha-dura se recolheu. Rumou ao ostracismo e a negócios mais lucrativos e obscuros. A partir daquela data, os atentados deixaram de ocorrer, e o processo de abertura política pôde seguir seu caminho livre de embaraços. Desaguaria na Nova República e nos novos ares democráticos que o Brasil passou a vivenciar a partir de março de 1985.

O episódio e suas investigações inconclusivas (até hoje não se chegou aos culpados) evidenciam que as versões sobrevivem aos fatos. Infelizmente. A “ameaça” comunista, àquela altura um verdadeiro tigre de papel, em realidade servia apenas a interesses escusos — o principal deles seria prolongar indefinidamente o regime militar.

Para o bem do Brasil, não colou.

Transpostas para os dias atuais, as supostas “ameaças” de grupos organizados que aspiram a uma revolução socialista soam como devaneio até para os mais crédulos, mas ainda despertam sinceras ambições. Ontem, como hoje, podem servir de pretexto para a manutenção do poder. Amoldando-se à conveniência momentânea, tais bravatas podem estar em todo lugar e, ao mesmo tempo, em lugar nenhum. Tudo dependerá das circunstâncias em que o país chegará a outubro de 2022.

Impiedosamente minado por uma pandemia que destroça a saúde do povo e castiga a economia, o Brasil tem um porvir duvidoso. Garantidos mesmo, só os solavancos que inevitavelmente ocorrerão. Se os 36 anos da nossa democracia serão suficientes para aguentar a pressão que virá, só o futuro poderá dizer. Embora tenhamos instituições vigilantes e democraticamente maduras, ainda é cedo para cravar qualquer prognóstico.

O certo é que o futuro é incerto. Dessa constatação, emerge a maior lição que é possível extrair da longínqua noite de 30 de abril de 1981: há momentos em que, embora os inimigos sejam imaginários, o perigo pode ser real. Aquela tenebrosa noite ainda não terminou.

Pelo menos para alguns.

*Advogado e autor de “Me esqueçam — Figueiredo: a biografia de uma presidência”

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