sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Vinicius Torres Freire – O golpe bolsonarista, capitulo 1

Folha de S. Paulo

Ainda falta descobrir muito de quem fez parte da armação, a financiou ou foi conivente

Jair Bolsonaro prometeu ou estimulou o golpe em público, por muitas vezes, com mais frequência e de modo ainda mais explícito a partir de 2021, quando sua impopularidade decolava.

Em comícios e "lives", dizia que não haveria eleição em 2022 a não ser que o voto fosse impresso, "auditável", ou de algum modo da sua vontade. Dizia que não obedeceria a decisões do STF. Etc. A dúvida era a respeito de como seria a armação do golpe.

Um indício do modus operandi foi a descoberta, em janeiro de 2023, da "minuta do golpe" na casa de Anderson Torres, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro.

A prisão do tenente-coronel Mauro Cid suscitou vazamentos úteis, mas fragmentários, de evidências. Cid, falsário e muambeiro, era lacaio de Bolsonaro e comandava uma quadrilha de militares no Planalto.

Na decisão em que autorizou a batida da Polícia Federal contra bolsonaristasAlexandre de Moraes resumiu o que haveria de pistas e provas da armação do golpe, ao menos depois de meados de 2022. É muito e é pouco.

Antes de mais nada: quase tudo ali é "puro suco" de bolsonarismo. As conversas têm muito de ignaro e lunático, como aquelas sobre fraudes eleitorais, nas quais alguns parecem acreditar. São vazadas no linguajar cafajeste, iletrado e violento do bolsonarismo.

Tudo parece improvisado, tosco, desinteligente. Quase não é difícil acreditar que alguma daquelas pessoas ou agregados delas rezassem para pneus; certamente oravam para muros de quartéis.

Mas por que imaginar que o golpe seria elegante e bem planejado? Né? Talvez bastassem um cabo, um soldado e "vontade de matar". Recorde-se a tosqueira da ditadura militar de 1964-1985.

Um tipo como Bolsonaro chegou a presidente e não foi deposto por impeachment. Uma parceria de brucutu militar com ferrabrás das cavernas civis pode tentar a tirania de novo.

A reação da parte melhor da elite brasileira, em agosto de 2022, ainda que tardia, ajudou a conter ânimos golpistas na cúpula militar. Foi por pouco, com tosqueira, com tudo.

Agora, com a operação da PF, há prova de que se discutia o golpe em reunião de governo, numa das quais Augusto Heleno, desonra do generalato, pregava a antecipação do golpe e explicitava o esquema de espionagem que comandava (infiltração em partidos).

Bolsonaro exigia o aumento da propaganda de desinformação ("guerra psicológica") e editava a redação de um "AI-B" (Ato Institucional do Bolsonaro, a "minuta do golpe").

Oficiais superiores do Exército, de major a general, debatiam a armação da coisa: operação, financiamento e convocação de tropas.

Depois do fracasso, Estevam Theophilo, general que foi do Alto Comando durante o primeiro ano quase inteiro de Lula 3, dizia a Cid, "el golpeador", que ele tinha as costas quentes, que seria protegido pelo Comando do Exército.

Ainda é pouco, porém, o que se sabe. Militares conspiravam com o conhecimento de superiores ou mesmo de comandantes de Forças Armadas, não importa que parte deles, enfim, barrasse o golpe.

Por que ninguém era preso? Por que golpistas estavam para ser ou foram promovidos e nomeados para postos importantes, "boca rica"? Os comandantes queriam abafar o caso ou temiam eles mesmos serem derrubados, presos ou mortos?

Graças a Cid, temos a filmagem de reunião preparatória do golpe, com Bolsonaro e asseclas maiores. Quantas mais houve? Com quem? De onde vinha o dinheiro, como uns R$ 100 mil que financiaram comício golpista?

Há golpismo nas Forças Armadas, está mais evidente. Cid e colegas estudaram "intervenção militar" (golpe) na escola de pós-graduação do Exército. Parte da elite, ricos, apoiava ou financiava o golpe ou era conivente, omissa, em defesa do "liberalismo" (não pagar imposto, arrancar o couro do povo e o resto que se dane). Parte do Congresso criticou e menosprezou a operação da PF.

É preciso ir mais a fundo, pois, sem anistia. O golpismo não acabou, como se vê.

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