terça-feira, 18 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Incêndios florestais exigem ação urgente do poder público

O Globo

Seca inclemente contribui para maior quantidade de focos dos últimos 21 anos. E pior ainda pode estar por vir

Depois das cheias no Rio Grande do Sul, está em curso novo desastre ambiental com a maior temporada de incêndios florestais dos últimos 21 anos. Até a semana passada, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) contava quase 28 mil focos de incêndio no primeiro semestre, acima do recorde de 2003. A temporada deste ano promete ser tão ou mais severa, pois a estação de incêndios, na maioria dos biomas, ocorre no segundo semestre e chega ao auge entre setembro e outubro. O pior, provavelmente, ainda está por vir.

Só no Pantanal, os focos de incêndio aumentaram mais de dez vezes em relação a 2023. E a combustão não tem se limitado a esse bioma. Ao longo dos últimos três anos, os incêndios têm varrido Cerrado e Amazônia, pondo em risco também Caatinga e Mata Atlântica. Apenas o Pampa ficou a salvo do fogo, como atestam as enchentes gaúchas.

Aproximadamente 84% dos incêndios no Pantanal são atribuídos a ação humana, segundo informou ao GLOBO a meteorologista Renata Libonati, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em geral, agricultores desejam limpar o campo e perdem o controle das chamas. Como as cinzas são ricas em nutrientes, elas também fertilizam o solo por meio da umidade noturna. Mas, com frequência, a boa intenção se transforma em tragédia.

Nem tudo deve, porém, ser debitado ao homem. No Pantanal, os 16% restantes dos incêndios se devem a causas naturais — pouco mais de 5%, a raios na vegetação seca. Na Amazônia, ainda que o desmatamento tenha caído 22% no ano passado, a seca contribuiu para fazer proliferar os incêndios. Por todo o país, a seca inclemente serve de combustível ao desastre. Sua origem está no aquecimento das águas do Pacífico, fenômeno climático conhecido como El Niño.

Neste momento, o Pacífico começa a se resfriar no fenômeno apelidado La Niña. Mas a mudança ocorre lentamente, segundo Fabiano Morelli, chefe do Programa Queimadas, do Inpe. A vegetação continuará seca, servindo de combustível às queimadas, sobretudo no Pantanal. “Como os rios não subiram quanto deveriam na estação certa, temos um mapa mostrando acúmulo de biomassa seca na região, que atua como se fosse pólvora”, diz o secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, Jaime Verruck.

As autoridades têm tomado as providências de praxe. A Agência Nacional de Águas (ANA) decretou calamidade hídrica no Pantanal. O estado de Mato Grosso do Sul criou 13 postos avançados para os bombeiros. Entre outras medidas, o governo estadual suspendeu autorização para uso controlado do fogo. Não se sabe se haverá fiscais suficientes para conter os infratores.

O país não enfrenta apenas mais uma temporada de incêndios. É preciso haver mobilização de equipes, recursos e equipamentos em dimensões inéditas. O governo federal também precisa agir, em coordenação com as autoridades estaduais. É imprescindível a atuação das Forças Armadas com helicópteros para debelar as chamas. O fogo não respeita fronteiras, por isso também se faz necessário entendimento com os governos da Bolívia e do Paraguai.

Para os ambientalistas, nem todas as medidas necessárias têm sido tomadas a tempo. A situação é crítica, e a emergência tende a se agravar. Nada justifica reação lenta e burocrática do poder público.

Punição a agressores de Vini Jr. é marco na luta contra racismo nos estádios

O Globo

Pela primeira vez na Espanha, torcedores foram presos por atacar o craque com gritos e gestos racistas

A trajetória nos gramados da Espanha credencia Vinicius Jr. como favorito a ganhar a Bola de Ouro deste ano. Mas foi fora de campo que o jogador do Real Madrid conseguiu algo inédito. Pela primeira vez na história do esporte espanhol, torcedores de um time adversário, o Valencia, que o agrediram com gritos e gestos racistas durante uma partida, foram condenados à prisão pela Justiça. “Não sou vítima de racismo. Eu sou algoz de racistas”, disse Vini Jr. depois da sentença.

Há todos os motivos para celebrar as condenações. Muitos o aconselharam a esquecer as agressões e a se concentrar apenas no futebol. Vini demonstrou estar próximo de seus limites emocionais em março, ao chorar numa entrevista coletiva antes do amistoso entre Brasil e Espanha em Madrid. “Cada vez tenho menos vontade de jogar”, afirmou. “Mas, se saio daqui, estou dando o que os racistas querem.” Disse ainda que continuaria a defender a mesma bandeira antirracista, mas sem descuidar da busca de títulos. Não fez por menos: marcou um dos gols na vitória do Real Madrid sobre o alemão Borussia Dortmund por 2 a 0 na final da Liga dos Campeões, o principal campeonato do futebol europeu.

No início do ano, Vini Jr. deixava claro que contava com o apoio do Real Madrid na luta que travava fora dos gramados. Mas faltava a adesão da Liga Espanhola (La Liga), organizadora do campeonato espanhol. Seu presidente, Javier Tebas, chegou a desconsiderar as acusações de racismo feitas por Vini Jr., mas, com a repercussão negativa, teve de pedir desculpas em público. A cúpula da entidade foi forçada a se sensibilizar. Agora, ao comentar a decisão do juiz, o craque incluiu La Liga nos agradecimentos. Divulgada a sentença judicial, a entidade informou em nota que considera o fato “uma ótima notícia” e advertiu os que vão ao estádio para “insultar” de que os identificará e denunciará, para que haja “consequências criminais”. Há esperança de que a campanha de Vini Jr. seja um marco contra o racismo nos estádios.

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) já incluiu no Regulamento Geral de Competições a possibilidade de o clube ser punido esportivamente caso seus torcedores, dirigentes ou integrantes da comissão técnica cometam “infração de cunho discriminatório”. A súmula da partida será enviada ao Ministério Público e à Polícia Civil. Se o futebol é o esporte do povo, não pode conviver com quem desrespeita etnias, credos e orientação sexual. O mesmo vale para qualquer esporte. A bem-sucedida luta de Vini Jr. serve de exemplo no combate a essa chaga que infelizmente ainda grassa nos estádios Brasil e mundo afora.

Correção de FGTS pela inflação é reparação parcial e tardia

Valor Econômico

Legislação deveria caminhar para a permissão do livre uso dos recursos pelo cotista, quando fosse demitido ou trocasse voluntariamente de emprego

O Supremo Tribunal Federal (STF) corrigiu em parte um erro histórico ao mudar a forma de remuneração do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Por sete votos a quatro, o STF decidiu que o FGTS deve passar a render no mínimo a inflação, medida pelo IPCA. Se a fórmula atual (Taxa Referencial mais 3% ao ano) não for suficiente para cobrir a inflação, o Conselho Curador do FGTS deve determinar uma compensação. Ainda assim, o rendimento do Fundo continua abaixo de praticamente todas as modalidades de aplicações do mercado, o que se traduz em perdas para o trabalhador, que só em casos limitados pode sacar os recursos.

Neste século até 2023, o reajuste do FGTS só não perdeu para a inflação em nove anos: em 2005, 2006 e 2007 e, mais recentemente, depois que os trabalhadores passaram a receber uma parcela anual do lucro do Fundo, de 2016 a 2022, de acordo com levantamento feito pela Caixa Econômica Federal (O Globo, 14/6). Apesar disso, o FGTS somente teve a remuneração melhorada agora, e a decisão começará a ser aplicada a partir da publicação da ata do julgamento.

O FGTS foi concebido em 1966 pelo então ministro Roberto Campos e entrou em vigor em 1967, para acabar com a estabilidade no emprego e criar um funding para a construção de imóveis. Até então, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) assegurava ao trabalhador do setor privado estabilidade após 10 anos na mesma empresa e indenização de um mês de salário por ano trabalhado em caso de demissão injustificada.

A partir da criação do FGTS, formado com a contribuição das empresas equivalente a 8% do salário dos funcionários, o trabalhador poderia optar pela estabilidade ou pelo fundo, que seria resgatado em condições específicas como a demissão ou compra da casa própria. A remuneração oferecida mostrou-se uma outra armadilha ao longo do tempo, especialmente nos períodos de inflação elevada e após a mudança do cálculo da TR, que ficou perto de zero.

Apesar disso, foi difícil convencer o STF da necessidade de mudança no cálculo, requerida em abril do ano passado pelo Solidariedade. O governo argumentou que a mudança lhe traria perdas elevadas. A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025 chegou a mencionar custo de R$ 295,9 bilhões no pior cenário, com troca da TR pela inflação para atualizar os depósitos e remuneração retroativa dos depósitos. Já no caso do retorno igual ao da poupança, o custo estimado seria de R$ 3,3 bilhões por ano. O governo alegou também que recursos do FGTS seriam necessários para ajudar o Rio Grande do Sul.

Ao final, prevaleceu a sugestão do próprio governo, em acordo com centrais sindicais, de que o FGTS teria remuneração, no mínimo, igual ao IPCA. Diversas associações da construção civil aplaudiram a decisão do STF. Beneficiados por décadas com funding do FGTS, consideraram que o reajuste de no mínimo igual à inflação é assimilável, e permitirá a sustentabilidade do Minha Casa Minha Vida. A demora no desfecho da questão era, sim, uma preocupação para o setor.

O FGTS, porém, não se adaptou às condições da economia, bastante diferentes após 58 anos de sua criação. A poupança compulsória que forma passou a financiar não só imóveis, mas saneamento e investimentos em infraestrutura, a baixo custo, devido à má remuneração do cotista - só em 2017 os lucros do fundo começaram a ser distribuídos. Há instrumentos financeiros e sofisticação no mercado de capitais suficientes para sustentar investimentos em infraestrutura e imóveis.

Como poupança contra o desemprego, o trabalhador deveria poder levar consigo o que lhe pertence após o fim do vínculo empregatício. Não é o que ocorre, por determinação legal. Mas a disputa por esses recursos abriu brechas por onde retirá-los. A nova lei trabalhista permitiu demissão por acordo com direito a retirada de 20% do FGTS. Há dezenas de propostas para que o trabalhador use o dinheiro do FGTS como garantia para o empréstimo consignado ou para aquisição de imóveis.

A compulsoriedade trouxe alguma proteção em um país de salários muito baixos. Como eles mal davam para a subsistência, o livre uso dos recursos seria imediatamente consumido. Também devido aos baixos salários, surgiram outros programas que, no fim, buscavam a mesma coisa que o FGTS: o seguro-desemprego, que, ao lado do abono salarial, consumiu R$ 74,1 bilhões em 2023.

Assim como a legislação ampliou possibilidades do uso do FGTS (há pelo menos 16, com viés de alta), deveria caminhar para a permissão do livre uso dos recursos pelo cotista, quando ele fosse demitido ou trocasse voluntariamente de emprego, porque afinal o dinheiro lhe pertence. Esses recursos poderiam servir de poupança via investimentos com uma remuneração melhor, ou para formar patrimônio por meio de fundo de previdência privado ou público (via aplicações no Tesouro Direto). Eventuais subsídios hoje bancados pela baixa remuneração do FGTS deveriam ser feitos pelo Tesouro com previsão orçamentária.

Política econômica tem exaustão precoce

Folha de S. Paulo

Números do mercado brasileiro estão entre piores do mundo, em sinal de que fragilidades domésticas se tornaram evidentes

Juros de longo prazo em alta, saltos da cotação do dólar e Bolsa de Valores em queda dão hoje um recado eloquente —a baixa credibilidade da política econômica brasileira não é uma conjectura, mas um fato objetivo que implica riscos crescentes para o país.

Do início deste 2024 até a última sexta-feira (14), a moeda brasileira perdeu quase 10% de seu valor ante a divisa americana, o segundo pior resultado numa amostra de países ricos e emergentes, como noticiou a Folha.

Em sintonia, o índice Bovespa acumulou queda de 10,5% no mesmo período, em direção oposta à dos principais mercados globais, que mostram alta relevante no ano.

O principal termômetro, porém, é o custo do dinheiro no país, que subiu mesmo com os cortes na taxa básica, hoje em 10,5% ao ano.

As referências de mais longo prazo, que não são controladas pelo Banco Central, subiram entre 1,5 e 2 pontos percentuais —as taxas de contratos para dez anos já superam 12%, ante 10,36% no início do ano, dinâmica nefasta que, se persistir, comprometerá os investimentos e a geração de emprego.

O quadro internacional decerto tem algum peso na piora. Diante da força da economia americana, os juros no maior centro financeiro do mundo permanecem altos, o que valoriza o dólar em relação a todas as demais moedas.

Desde abril, contudo, são domésticas as principais fontes de incerteza, a começar, obviamente, pela política fiscal. A decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de afrouxar suas metas para o saldo do Tesouro firmou a percepção de que não se pretendem fazer mais ajustes.

Ademais, a devolução pelo Congresso de uma medida provisória que buscava reduzir perdas com a desoneração da folha de pagamentos, na semana passada, explicitou a inviabilidade da tentativa petista de equilibrar as contas do Tesouro apenas com alta da arrecadação.

A gestão monetária tem sido contaminada por temores de interferência política no Banco Central a partir de 2025, quando o órgão terá seu comando trocado.

Se há algo de positivo no esgotamento precoce da política econômica é que se tornou inevitável uma discussão franca a respeito de controle de gastos, pauta já colocada pelos ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento —que prometem levar opções a Lula.

Discursos ufanistas não convencem ninguém. Em vários setores se observa que o país está cada vez mais à margem dos fluxos de investimentos globais.

Se Lula insistir em negacionismo econômico e sectarismo ideológico, colherá degradação continuada da atividade e de seu governo.

Parceria na educação

Folha de S. Paulo

Contratos entre governos e empresas podem ser promissores para resolver gargalos

Num Estado com Orçamento deficitário e permeado por amarras constitucionais, como o brasileiro, as parceiras público-privadas (PPPs) são instrumentos essenciais para impulsionar investimentos.

Esse tipo de contrato entre governos e empresas já é usado em infraestrutura e saúde, mas na educação, por corporativismo ou ideologia, ainda enfrenta resistências ao ser tratado como privatização.

Recentemente, dois estados avançaram em iniciativas do tipo. No Paraná, deputados aprovaram projeto que transfere a administração de escolas à iniciativa privada. Já o governador de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos), autorizou a abertura de licitação para PPPs em obras, administração e manutenção de unidades da rede pública de ensino.

O decreto paulista prevê parcerias para a construção de 33 novas escolas, que podem vir a oferecer 35,1 mil vagas em 29 municípios do interior do estado. As empresas ficarão responsáveis por investir R$ 2,1 bilhões em obras, cuja conclusão está prevista para 2027.

A participação da iniciativa privada ficará restrita à gerência administrativa, como serviços de vigilância, limpeza e alimentação. A área pedagógica continua sob o comando da Secretaria de Educação.

No Paraná, não haverá obras, mas o programa vai além na atuação das empresas, que podem contratar professores provisórios ou substitutos e estipular metas de produtividade —medida que, ao lado da avaliação de resultados, deveria fazer parte rotineira do sistema público de ensino.

Parcerias em educação são capazes de aliviar gastos de governos e contribuir para que secretarias concentrem atenção no processo de ensino e aprendizagem, cujos indicadores são sofríveis no país.

Entretanto, por óbvio, não são panaceia. É preciso realizar diagnósticos para direcionar investimentos às zonas mais deficitárias e, principalmente, estipular marcos regulatórios claros.

Com alocação racional de recursos, regulação e fiscalização, PPPs são promissoras para lidar com os gargalos da educação brasileira que décadas de exclusividade estatal não conseguiram eliminar.

A conta da farra é sempre do consumidor

O Estado de S. Paulo

Solução do governo para crise da Amazonas Energia é boa para a Eletrobras, para a empresa de Joesley e Wesley Batista e para o Tesouro, menos para o consumidor, que pagará a conta

No início da semana passada, a Eletrobras anunciou a venda de suas últimas usinas termoelétricas para a Âmbar Energia, do Grupo J&F. A operação fazia todo o sentido para a Eletrobras, que tem como meta ser uma companhia carbono zero até 2030, e para a Âmbar, empresa que pertence aos irmãos Joesley e Wesley Batista e que é hoje a quarta maior geradora de energia a gás natural em capacidade instalada.

Seria um negócio corriqueiro no setor, não fosse o fato de que parte dessas usinas tem como cliente a distribuidora Amazonas Energia, que não paga um tostão pela energia gerada desde novembro e deve cerca de R$ 10 bilhões. Pelo contrato, a Âmbar assumiu todo o risco de calote. Nas palavras do ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana ao Valor, era um negócio extremamente complexo de entender. Não é mais. Uma reportagem publicada pelo Estadão tratou de ligar os nebulosos pontos dessa história.

Tudo fez sentido na quinta-feira, quando o governo publicou uma medida provisória para salvar a Amazonas Energia, cuja situação é realmente periclitante e requer uma solução urgente para não deixar os consumidores do Estado no escuro.

A Aneel já havia recomendado à União a caducidade da concessão da distribuidora, e um grupo de trabalho do Ministério de Minas e Energia (MME) sobre a Amazonas Energia concluiu pela seleção de um novo operador para atender o Estado, hoje nas mãos do Grupo Oliveira Energia.

O relatório do grupo de trabalho do MME, no entanto, alertou que seriam necessárias mudanças legislativas para “remediar” o cenário atual da concessão, caracterizado por altos níveis de endividamento, inadimplência elevada e reduzida capacidade de geração de caixa.

As mudanças, de fato, vieram com a edição da Medida Provisória 1.232/2024 e garantirão que custos operacionais e perdas não técnicas, os famosos “gatos”, sejam cobertos pela tarifa – não a dos amazonenses, mas a de todos os consumidores do País, segundo o presidente da Frente Nacional dos Consumidores, Luiz Barata, explicou ao Estadão.

O governo achou por bem oferecer mais e permitir que alguns contratos de termoelétricas com as quais a Amazonas Energia está inadimplente também sejam repassados para as contas de luz de todos os consumidores brasileiros – entre eles os das usinas que agora pertencem à Âmbar. A fatura pode ultrapassar R$ 30 bilhões no prazo de 15 anos.

Com a retirada de tantos passivos, a Amazonas Energia passou de uma concessão virtualmente falida para um ativo interessante aos olhos dos investidores, capaz de atrair grupos que já atuam em Estados vizinhos e, por que não, a própria Âmbar.

É tudo muito estranho, mas o Ministério de Minas e Energia disse desconhecer os termos do acordo entre a Eletrobras e a Âmbar, que, por sinal, são públicos. Segundo a Eletrobras, o negócio inclui 13 termoelétricas e 2 gigawatts (GW) de potência e foi fechado por R$ 4,7 bilhões.

Para a Eletrobras, foi um ótimo negócio. A empresa não apenas se livrou de usinas que produzem energia “suja”, como repassou o risco de inadimplência à Âmbar. Para a Âmbar também foi um ótimo negócio, uma vez que a inadimplência será coberta pelas tarifas pagas por consumidores de todo o País.

E não é só isso. Caso a Âmbar consiga comprar a Amazonas Energia, a dívida que a distribuidora acumulou com a Eletrobras no passado poderá ter três soluções: (i) ser convertida em ações na nova distribuidora; (ii) ser transformada em um instrumento a ser vendido a terceiros no mercado; ou (iii) tornar-se crédito a ser exercido pela Eletrobras contra a Âmbar.

Para o governo, é a saída perfeita. O MME poderá alardear que resolveu um problema que poderia afetar o abastecimento no Amazonas sem ter de intervir na distribuidora, e tudo por meio de uma solução “de mercado”, haja vista que o negócio não contou com aporte de recursos do Tesouro Nacional. Só quem se deu mal foi o consumidor, que, mais uma vez, terá de pagar a conta de uma festa para a qual não foi convidado.

A marcha dos indecentes

O Estado de S. Paulo

Oxalá resolução que pune uma ralé que não respeita a democracia moralize a Câmara, mas, se o indecoroso Bolsonaro não foi punido quando deveria, nada indica que seus aprendizes o serão

O desrespeito aos princípios democráticos mais comezinhos chegou a tal ponto na atual legislatura que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se viu obrigado a exorcizar o espírito de corpo e agir. Há poucos dias, a Casa aprovou uma resolução que alterou o Regimento Interno para dar à Mesa Diretora o poder de suspender de forma cautelar, por até seis meses, o mandato de deputados acusados de quebrar o decoro parlamentar. A mudança, segundo Lira, presta-se a evitar “confrontos desproporcionalmente acirrados”, um eufemismo para brigas que, frequentemente, têm sido travadas a xingamentos, socos e pontapés entre os parlamentares.

Em que pese a suposta boa intenção de Lira, a ideia de punir de forma mais ágil uma ralé que não respeita a democracia só ganhou tração porque o Conselho de Ética não tem servido para nada. O órgão deixou de ser o suposto farol moral da Câmara para se tornar um indecente conciliábulo de acomodações políticas, ao sabor das conveniências de ocasião. Por essa razão, é muito improvável que a alteração do Regimento Interno, na prática, vá conter os ânimos de brucutus que lutam para desmoralizar a política.

Isso porque o projeto de resolução inicial foi bastante esvaziado após a pressão que Lira sofreu de um grupo de deputados insatisfeitos com a concentração de poder na Mesa. Ao fim e ao cabo, o Conselho de Ética e o plenário da Câmara continuam senhores do destino de qualquer deputado no que concerne ao mandato. Comunicado da decisão da Mesa, o Conselho de Ética deverá deliberar sobre a suspensão cautelar do acusado no prazo de até três dias, com possibilidade de o deputado suspenso recorrer ao plenário, que apreciará o caso na sessão imediatamente subsequente.

O problema é que o peso dos fatos tem quase nenhuma importância para o colegiado. O Conselho de Ética, não de hoje, existe apenas no plano formal, pois é altamente suscetível a acordos de bastidor entre os partidos que visam à impunidade de seus deputados – um acerto em que todos ganham, menos a sociedade. O Estadão mostrou que o Conselho de Ética julgou 29 representações por quebra de decoro entre 2023 e 2024. Algumas decerto eram descabidas, mas todas foram arquivadas. Como disse a cientista política Maria Carolina Lopes, “os custos de estar em conflito são mais baixos” para os indecorosos do que os ganhos que eles obtêm exercendo sua truculência.

Diante dessa triste realidade, ao presidente do Conselho de Ética, Leur Lomanto Júnior (União-BA), não restou mais que um misto de lamento e advertência. A este jornal, Leur advertiu que, do jeito que os confrontos físicos têm escalado, “vai chegar ao ponto que, daqui a pouco, pode acontecer um crime, alguém atirar em algum parlamentar”. O Conselho de Ética vai esperar que haja um assassinato nas dependências da Câmara para decidir cassar um deputado violento?

Oxalá a resolução surta efeito, pois no Congresso tem de prevalecer um pacto civilizatório para que as lides políticas sejam travadas com respeito mútuo, no mínimo. É improvável, porém, que a possibilidade de sanção mais célere contenha o barbarismo de uma nova classe de deputados que chegaram a Brasília sem saber fazer política de outra forma que não o recurso à violência.

Impulsionados pelas redes sociais – onde, como se sabe, o respeito às divergências não tem lugar –, esses mandatários veem na truculência um meio legítimo de ação política, pois julgam ter ganhado a eleição graças exatamente ao comportamento indecoroso. Por isso, sentem-se incentivados a desrespeitar tanto os adversários como as instituições, alimentando um círculo vicioso de degradação da representação popular.

O histórico de leniência da Câmara com os abusos de seus membros também não inspira esperança. Basta lembrar que os que hoje ofendem e agridem adversários nada mais fazem do que emular Jair Bolsonaro, o pior vândalo político que este país conheceu desde a redemocratização. Durante quase 30 anos, Bolsonaro não foi punido com a cassação por seus reiterados atentados contra o decoro parlamentar e o regime democrático. Deu no que deu.

Pantanal em chamas, de novo

O Estado de S. Paulo

Focos de incêndio no bioma crescem 1.000% e só agora o governo Lula da Silva diz que vai agir

Precisou o fogo no Pantanal registrar crescimento de mais de 1.000% nos cinco primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período de 2023 para o governo Lula da Silva decidir, enfim, criar uma sala de situação para a prevenção e o controle de incêndios. A medida, porém, mostra-se insuficiente, em razão da letargia com que a reação foi apresentada e de dúvidas que pairam sobre a capacidade efetiva da gestão petista para enfrentar o problema.

Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre o primeiro semestre denunciam o perigo que se avizinha no Pantanal. O principal temor – não sem razão – é que os incêndios repitam a tragédia de 2020, quando foram consumidos nada menos do que 26% da vegetação e 10 milhões de animais morreram. À época, o Brasil e o mundo assistiram perplexos à destruição.

As chamas hoje avançam em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. As imagens de labaredas ou de árvores e animais incinerados voltam a ocupar o noticiário. Os alertas vêm sendo feitos por autoridades locais, especialistas e imprensa, enquanto o governo federal, em particular o Ministério do Meio Ambiente, com Marina Silva à frente, se arrasta. Só negligência ou incompetência explicam o atraso na execução de um plano.

Avisos se impõem há meses. Desde o fim do ano passado, o Pantanal estava em alerta, em razão do baixo volume de chuvas. Uma resolução da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), de maio, colocou a Bacia do Rio Paraguai em escassez hídrica. Mato Grosso do Sul e Mato Grosso declararam emergência no bioma. É no segundo semestre, com previsão de temperaturas acima da média – o que agrava a situação –, que chegará a estiagem ao Pantanal.

Para piorar, a seca intensificada pelo El Niño, combinada com a ação humana – acidental ou criminosa –, coloca em risco os outros biomas brasileiros, com exceção do Pampa, onde as chuvas mostraram a força dos extremos climáticos. Pinta-se um cenário muito cinza.

Marina Silva havia abordado o recrudescimento da situação do Pantanal no Dia do Meio Ambiente, em 5 de junho, quando o governo assinou pactos – pelo visto limitados – contra incêndios florestais. O plano firmado com Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre, Amazonas e Pará prevê planejamento e ações integradas de prevenção e combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia. Vale lembrar que o governo Lula da Silva havia sido alvo de críticas no ano passado pela tibieza no enfrentamento de queimadas na Amazônia. A ineficiência, portanto, é recorrente.

Enquanto governos locais correm para empreender esforços contra o fogo, alteram regras de autorizações de queimadas e esperam por ajuda, o governo Lula da Silva patina na discussão de ampliação de recursos e da simplificação para contratação de brigadistas, equipamentos e aeronaves. Sem foco na prevenção, o combate claudica. Vê-se, assim, que todo o prenúncio da crise não foi capaz de mover as autoridades federais com a celeridade que a seca e os incêndios exigem, apesar do palavrório lulopetista em defesa da pauta ambiental. Tempo para preparo não faltou, mas sobrou omissão.

PL antiaborto: só recuo não basta

Correio Braziliense

O que se espera dos parlamentares e demais políticos é um fazer democrático nas instâncias do poder, sem artimanhas que desacelerem um caminhar da sociedade rumo a relações mais justas e igualitárias

O possível recuo na tramitação do projeto de lei que equipara o aborto ao crime de homicídio, conhecido como PL antiaborto, revela o quanto a preocupação com questões de gênero e combate ao machismo está longe de ser uma pauta que, de fato, mobiliza parlamentares brasileiros. Em meio às manifestações que ganharam as ruas e as redes sociais nos últimos dias, deputados e senadores falam em desacelerar a votação do PL temendo, na verdade, um forte desgaste político. Nas declarações da maioria desses políticos, parece não haver indignação, ou no mínimo um desconforto, com a possibilidade de perda de um direito adquirido ou de ocorrência de decisões judiciais polêmicas — como a da vítima submetida ao procedimento receber uma pena maior do que a de quem a violentou.

Declarações do autor do PL, o deputado Sóstenes Cavalcante, evidenciam a verdadeira motivação. O parlamentar diz que não tem pretensão de mexer no texto e que não há pressa para a votação da proposta. Há "o ano todo" para que ela seja votada, segundo ele, já que o presidente da Câmara, Arthur Lira, assumiu o "compromisso" de aprovação "até o último dia do seu mandato". Se há  uma despreocupação com o tempo, o que justificaria a aprovação do requerimento de urgência do projeto de lei em votação relâmpago, na última quarta-feira, dificultando um debate amplo sobre o tema? 

Dedicado a garantir que seu substituto seja um aliado, Lira se transformou no principal alvo das manifestações contra o PL e tratou de anunciar que vai desacelerar a tramitação, assegurando que a relatora do projeto será alguém da bancada feminina da "ala moderada". Também na tentativa de amenizar os ânimos, o deputado alegou que a população desconhece o processo legislativo, tendo um entendimento de urgência que não corresponde ao processo real. Não parece, porém, necessário muito conhecimento sobre os meandros do Congresso para questionar se 24 segundos são suficientes para decidir o andamento de uma proposta com tamanho impacto social.

 Das 74.930 vítimas de estupro no Brasil em 2022, 75% tinham menos de 14 anos, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Em 2020, foram registrados cerca de 17.500 partos de meninas com 10 a 14 anos no Brasil, indicam dados mais recentes do Ministério da Saúde.  No comando da pasta,  Nísia Trindade afirmou que o PL é "injustificável e desumano", seguindo uma declaração do presidente Lula, também no sábado, classificando o projeto como uma "insanidade". O governo, aliás, também mudou o tom acerca do PL antiaborto. Abriu mão de um estratégico silêncio depois das repercussões negativas dentro e fora do campo político, incluindo acusações de condescendência na votação relâmpago. 

Há, agora, um compromisso em não mudar a legislação atual sobre o aborto, afirmou, ontem, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Não é suficiente, assim como a promessa de arrefecer o polêmico projeto de lei que, segundo parecer da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), tem "linguagem punitiva, depreciativa e cruel", além de ser inconstitucional. O que se espera dos parlamentares e demais políticos é um fazer democrático nas instâncias do poder, é propor e aprovar ideias que não ameacem direitos fundamentais nem sejam contaminadas por dogmas religiosos, fake news ou qualquer outra artimanha que desacelere um caminhar da sociedade rumo a relações mais justas e igualitárias. Esse, sim, é um processo que requer urgência.

Nenhum comentário: