O Globo
Em qualquer avaliação da eficácia dessa
despesa para atingir certos objetivos sociais, o programa seria reprovado, por
qualquer critério
Neste nosso décimo encontro para debater
propostas para 2023, trataremos do abono salarial. Este tem um valor de até um
salário mínimo (SM), a depender do número de meses trabalhados no ano utilizado
como referência, e é concedido a todos aqueles trabalhadores do setor formal da
economia que recebem uma remuneração de até dois SM.
Ele integra o conjunto de políticas sociais do governo federal e sua caracterização atual está definida na lei 7998/90, sendo citado na Constituição no artigo 239 das Disposições Gerais. Na prática, ele funciona como uma espécie de “décimo quarto salário” para quem ganha um SM e como uma fração de um décimo quarto salário para quem recebe entre um e dois SM.
Como milhões de pessoas recebem o
benefício, é evidente que não é preciso ser um craque em política para perceber
a importância do tema. E, obviamente, isso se presta a que o governo que
encarar o desafio de rever o benefício seja tachado de insensível,
“antipopular” e todas essas palavras simpáticas que a oposição de plantão tende
a utilizar nessas ocasiões.
O fato, porém, é que temos no Brasil o
seguinte conjunto de elementos:
i) uma regra do teto que, mesmo que for
mudada, deverá ser substituída por alguma outra regra que, provavelmente,
determine algum tipo de limitação para a despesa;
ii) uma tendência ao crescimento contínuo
da despesa do INSS, em que pese a reforma previdenciária realizada, o que pode
contribuir para comprimir o espaço das demais despesas, dada a existência de
alguma limitação para a expansão da despesa total; e
iii) em função disso, um achatamento
sistemático das despesas discricionárias, que entre 2014 e 2021 caíram nada
menos que 45 %, em termos reais, algo que obviamente não poderá ser mantido
indefinidamente, por comprometer os recursos destinados à segurança, à defesa,
a ciência e tecnologia, ao meio ambiente etc.
Adicionalmente, há em curso um debate sobre
a importância de definir uma política de apoio para os trabalhadores informais
que, possivelmente, poderá ensejar a criação de um novo programa social no
próximo governo, exigindo uma realocação de recursos, o que demandará
criatividade das autoridades para identificar as fontes para o financiamento do
mesmo.
Pensemos nos objetivos que os governos
perseguem quando dedicam verbas para programas sociais. Um deles é a mitigação
dos efeitos do desemprego, tema sobre o qual não precisamos nos alongar, por
obviedade.
Outro pode ser a utilização com fins de
reduzir a exclusão social, por meio de políticas assistencialistas.
Adicionalmente, o programa pode servir para atacar o problema da informalidade,
objetivo igualmente meritório.
Pensemos agora nos efeitos concretos do
programa do abono salarial. Ele combate o desemprego? Não, porque quem recebe o
abono está empregado. Ele combate a miséria? Não, porque quem recebe o abono
não está entre os 20 % mais pobres do país. Ele ajuda a reduzir a
informalidade? Não, porque quem recebe o benefício já está no mercado formal.
Sejamos francos: em qualquer avaliação da
eficácia dessa despesa para atingir certos objetivos sociais, o programa seria
reprovado, por qualquer critério.
Precisamos entender que comandar um país
implica liderar e, assim, expor à população as razões das políticas públicas. E
a realidade é que esse programa não mais se justifica e, pior, por conta da sua
existência, ele na prática retira recursos que poderiam ir para a saúde, a
educação e a segurança.
Eliminá-lo gradualmente deveria ser parte
integrante de um planejamento que permita aumentar as despesas em outras
rubricas nos próximos dez anos.
Por isso, e para que não haja resistências
intransponíveis, sugere-se que o programa seja reduzido linearmente ao longo de
5 anos, na proporção de 20 % do seu valor atual por ano. São em torno de R$ 20
bilhões por ano. Recursos que poderiam ser utilizados, por exemplo, em um outro
programa social, mais focalizado. Ainda voltaremos a este ponto, nesta série.
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