sexta-feira, 17 de junho de 2022

Fabio Giambiagi: Pelo fim do abono salarial

O Globo

Em qualquer avaliação da eficácia dessa despesa para atingir certos objetivos sociais, o programa seria reprovado, por qualquer critério

Neste nosso décimo encontro para debater propostas para 2023, trataremos do abono salarial. Este tem um valor de até um salário mínimo (SM), a depender do número de meses trabalhados no ano utilizado como referência, e é concedido a todos aqueles trabalhadores do setor formal da economia que recebem uma remuneração de até dois SM.

Ele integra o conjunto de políticas sociais do governo federal e sua caracterização atual está definida na lei 7998/90, sendo citado na Constituição no artigo 239 das Disposições Gerais. Na prática, ele funciona como uma espécie de “décimo quarto salário” para quem ganha um SM e como uma fração de um décimo quarto salário para quem recebe entre um e dois SM.

Como milhões de pessoas recebem o benefício, é evidente que não é preciso ser um craque em política para perceber a importância do tema. E, obviamente, isso se presta a que o governo que encarar o desafio de rever o benefício seja tachado de insensível, “antipopular” e todas essas palavras simpáticas que a oposição de plantão tende a utilizar nessas ocasiões.

O fato, porém, é que temos no Brasil o seguinte conjunto de elementos:

i) uma regra do teto que, mesmo que for mudada, deverá ser substituída por alguma outra regra que, provavelmente, determine algum tipo de limitação para a despesa;

ii) uma tendência ao crescimento contínuo da despesa do INSS, em que pese a reforma previdenciária realizada, o que pode contribuir para comprimir o espaço das demais despesas, dada a existência de alguma limitação para a expansão da despesa total; e

iii) em função disso, um achatamento sistemático das despesas discricionárias, que entre 2014 e 2021 caíram nada menos que 45 %, em termos reais, algo que obviamente não poderá ser mantido indefinidamente, por comprometer os recursos destinados à segurança, à defesa, a ciência e tecnologia, ao meio ambiente etc.

Adicionalmente, há em curso um debate sobre a importância de definir uma política de apoio para os trabalhadores informais que, possivelmente, poderá ensejar a criação de um novo programa social no próximo governo, exigindo uma realocação de recursos, o que demandará criatividade das autoridades para identificar as fontes para o financiamento do mesmo.

Pensemos nos objetivos que os governos perseguem quando dedicam verbas para programas sociais. Um deles é a mitigação dos efeitos do desemprego, tema sobre o qual não precisamos nos alongar, por obviedade.

Outro pode ser a utilização com fins de reduzir a exclusão social, por meio de políticas assistencialistas. Adicionalmente, o programa pode servir para atacar o problema da informalidade, objetivo igualmente meritório.

Pensemos agora nos efeitos concretos do programa do abono salarial. Ele combate o desemprego? Não, porque quem recebe o abono está empregado. Ele combate a miséria? Não, porque quem recebe o abono não está entre os 20 % mais pobres do país. Ele ajuda a reduzir a informalidade? Não, porque quem recebe o benefício já está no mercado formal.

Sejamos francos: em qualquer avaliação da eficácia dessa despesa para atingir certos objetivos sociais, o programa seria reprovado, por qualquer critério.

Precisamos entender que comandar um país implica liderar e, assim, expor à população as razões das políticas públicas. E a realidade é que esse programa não mais se justifica e, pior, por conta da sua existência, ele na prática retira recursos que poderiam ir para a saúde, a educação e a segurança.

Eliminá-lo gradualmente deveria ser parte integrante de um planejamento que permita aumentar as despesas em outras rubricas nos próximos dez anos.

Por isso, e para que não haja resistências intransponíveis, sugere-se que o programa seja reduzido linearmente ao longo de 5 anos, na proporção de 20 % do seu valor atual por ano. São em torno de R$ 20 bilhões por ano. Recursos que poderiam ser utilizados, por exemplo, em um outro programa social, mais focalizado. Ainda voltaremos a este ponto, nesta série.

 

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