O Globo
Lula prometeu revogar segredos de Bolsonaro, mas seu governo repete a prática de esconder informações oficiais
Transparência nos olhos dos outros é
refresco. Tema de debate na última eleição presidencial, o sigilo de cem anos
voltou ao noticiário. Desta vez, é o governo Lula que insiste em esconder
documentos oficiais.
O Executivo negou acesso à Declaração de Conflito de Interesses do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. O ofício precisa ser entregue antes da posse de cada ocupante do primeiro escalão.
A decisão pelo segredo foi da Comissão Mista
de Reavaliação de Informações, chefiada pela Casa Civil. No início do mês, o
órgão alegou ao UOL que a declaração de Silveira conteria dados de acesso
restrito, “que se referem a aspectos da vida privada e intimidade do titular e,
portanto, não publicizáveis”. A conversa repete um artifício muito usado pelo
governo de Jair Bolsonaro: usar a Lei de Acesso à Informação para dificultar o
acesso à informação.
De acordo com a lei, o Estado deve preservar
informações pessoais que envolvam “a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem” dos cidadãos. Nesses casos, é previsto o sigilo máximo de cem anos. A
regra foi estabelecida para valer em situações excepcionais. Numa interpretação
distorcida, virou arma para encobrir o que deveria ser revelado.
A transparência deve ser a norma no serviço
público. Quem aceita virar ministro precisa estar pronto para ser submetido a
escrutínio. É o que prevê a Lei de Conflitos de Interesses, sancionada em 2013
pela então presidente Dilma Rousseff. O texto afirma que os ocupantes de altos
cargos na administração pública devem informar patrimônio, participações
societárias, atividades econômicas e profissionais. Se Silveira preencheu o
questionário para virar ministro, não há por que esconder essas informações da sociedade.
No início do governo, Lula bateu bumbo para a
derrubada de sigilos impostos por Bolsonaro. É no mínimo incoerente repetir a
prática que condenava na gestão passada.
A aversão à transparência é suprapartidária.
Na última semana, o governo de São Paulo impôs cem anos de sigilo a processos
disciplinares contra o coronel Mello Araújo, ex-comandante da Rota. O policial
será candidato a vice-prefeito na chapa de Ricardo Nunes, que concorre à
reeleição na capital paulista. A decisão de esconder os documentos beneficia o
prefeito, aliado do governador Tarcísio de Freitas.
Ao tratar informações corriqueiras como
segredos de Estado, governantes também se arriscam a cair no ridículo. Na
quarta-feira, a Casa Rosada se negou a fornecer informações sobre os cachorros
do presidente da Argentina, Javier Milei. Alegou que os dados seriam “de
natureza privada e familiar”.
Desde que o dono da matilha tomou posse, a
imprensa pede informações sobre os cães, que ele chama de “filhos de quatro
patas”. Uma das excentricidades de Milei é que ele acredita se comunicar por
telepatia com seu primeiro mastim inglês, morto anos atrás. Os repórteres
tinham perguntas mais simples: quanto se gasta em ração, quem cuida dos
animais, quanto custou a construção de canis na residência oficial de Olivos.
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