Valor Econômico
Está em jogo o destino institucional do
Legislativo, um processo que envolve uma avaliação acurada sobre os avanços
obtidos e diversos problemas que a Casa ainda tem
Os atores políticos não estão de olho apenas
na eleição municipal. Uma disputa que está mexendo com a elite da classe
política é a sucessão na Câmara Federal. Depois de um dos presidentes mais
poderosos da história da Casa, o deputado Arthur Lira, alguns candidatos
surgiram e há meses fazem uma das mais longas campanhas da trajetória recente
do Congresso. Pergunta-se muito qual nome seria o mais adequado para manter o
poder obtido pelo Legislativo, mas pouco se fala sobre qual projeto seria
melhor para que essa instituição servisse melhor à sociedade e à democracia do
país.
É inegável que o perfil dos candidatos vai afetar o futuro da Câmara Federal. Nomes, com suas trajetórias institucionais, fazem sempre diferença em política. Só que está em jogo o destino institucional do Legislativo, um processo que envolve uma avaliação acurada sobre os avanços obtidos e diversos problemas que a Casa ainda tem. E, por enquanto, os concorrentes estão mais ávidos em fazer jantares e conversas reservadas com caciques políticos e deputados do baixo clero do que em apresentar projetos que definam os rumos da instituição nos próximos anos.
O principal ponto de partida para a discussão
de um projeto de aperfeiçoamento institucional da Câmara Federal é o
diagnóstico corrente na opinião pública e na ciência política de que houve uma
relevante mudança no presidencialismo de coalizão, com o aumento do poder do
Legislativo e o enfraquecimento relativo do Executivo federal neste jogo
institucional. Essa percepção é majoritária, mas há visões divergentes ou
formas diferentes de enxergar esse fenômeno, particularmente analisando a
gestão de Arthur Lira.
Para parte importante dos analistas e atores
políticos, o reforço recente do Legislativo federal piorou o sistema político,
com o aumento do emendismo clientelista, do poder de chantagem do Centrão, de
decisões tomadas pelos deputados com pouca conversa junto à sociedade, de uma
polarização legislativa que transformou reuniões em baixarias sem controle e,
sobretudo, da força de um presidente da Casa que desequilibrou o jogo dos
Poderes. Todos esses pontos expressam grande parte da verdade dos fatos, porém,
a Câmara Federal na Era Arthur Lira é mais do que isso.
A liderança de Lira teve um papel central na
garantia da democracia, seja na votação que derrotou a possibilidade da volta
das cédulas de papel nas eleições de 2022, seja na posição firme de reconhecer
imediatamente a vitória de Lula no pleito presidencial. Talvez se possa dizer
que não fez mais do que a obrigação de um democrata, só que o cenário de golpe
estava muito avançado e nem todos teriam a coragem para ir contra o golpismo
bolsonarista. Provavelmente a maioria dos congressistas não teria segurado essa
barra.
Lira também foi fundamental para garantir a
base orçamentária do novo governo, para aprovar o novo arcabouço fiscal e,
sobretudo, em todo o processo de tramitação e aprovação da reforma tributária,
modificação que esperara mais de 30 anos para avançar no Legislativo. Sempre
será possível reclamar de uma ou outra atuação de Lira, mas houve igualmente
projetos maiores em seu mandato.
Os lados problemático e positivo da
presidência de Arthur Lira coexistiram, e o novo presidente que for eleito em
fevereiro de 2025 terá de levar em conta que precisa aprender com ambos para
enfrentar os desafios de fazer algo melhor do que o antecessor. Não basta ser o
chefe do sindicato dos deputados para ser um comandante forte da Casa. Arthur
Lira foi isso e algo mais, tendo um projeto de poder voltado a alguns temas
fortes em setores sociais importantes.
Ademais, as críticas feitas ao novo perfil de
poder do Legislativo vão continuar e provavelmente se tornarão mais fortes
daqui para a frente. Não será possível simplesmente ignorar essas visões
negativas, ao custo de se perder legitimidade e força ao longo dos próximos
dois anos. O caráter reformista e defensor das instituições que também esteve
presente em alguns momentos de 2021 a 2024 terá de encontrar um novo sentido.
Quais reformas serão priorizadas pelo sucessor de Lira?
Todo esse processo de aperfeiçoamento
institucional, por fim, terá como bússola política fundamental uma eleição
presidencial novamente polarizada, mas com um provável candidato à reeleição
cujo mandato é baseado em políticas públicas, e não na guerra cultural e num
distributivismo improvisado, como fora Bolsonaro. Neste cenário, há muitas
chances de o Centrão se dividir na eleição de 2026, porque será difícil ficar
completamente contrário a um governo federal que terá muito poder na execução
das emendas e programas governamentais. Qual será o impacto disso na
governabilidade do futuro presidente da Câmara?
Diante da necessidade de se ter um projeto
institucional para a futura gestão da Câmara Federal, elencam-se aqui cinco
desafios centrais para o biênio 2025-2026. O primeiro diz respeito ao modelo de
processo legislativo que Lira implantou na Casa. O alto grau de centralização
decisória do ponto de vista da agenda legislativa e a rapidez do processo
decisório são dois pontos que marcaram o grande poder do então presidente, mas
que, ao final, desgastaram a figura pessoal de Lira e, pior, o próprio Legislativo.
A votação sobre o PL relativo ao aborto é o maior exemplo disso, embora a
votação da definição das alíquotas do novo IVA brasileiro tenha sido ainda mais
desastrosa para o país - e é provável que o Senado mude várias das decisões dos
deputados, desmoralizando a condução política feita por Lira.
Uma governança baseada em poucos atores, com
deliberações açodadas que reduziram o tempo de reflexão e discussão dos
deputados, é um desastre para a imagem institucional da Câmara Federal e algo
que cada vez mais desgastará os ocupantes da presidência da Casa, porque o
número de descontentes tende a aumentar com o uso desmesurado do poder
centralizado.
Em poucas palavras, o futuro comandante da
Câmara precisa construir um modelo de maior debate e parcimônia na tramitação
das matérias legislativas. Muitas reformas são necessárias, mas serão tanto
melhores se forem decididas com o tempo necessário de maturação, com abertura
para que se ouçam mais as opiniões minoritárias e que os majoritários possam
fazer suas escolhas levando em conta todas as consequências de suas decisões.
Em complemento ao aspecto anterior, um
segundo desafio para o sucessor de Arthur Lira será ouvir mais a sociedade e os
especialistas na construção de sua agenda legislativa. Não que a Câmara tenha
sido fechada para os setores sociais. Todavia, há a impressão de que ficou mais
aberta a determinados grupos e lobbies.
Para mudar essa percepção, é preciso abrir a
Casa para mais discussões substantivas com a população e com estudiosos. O caso
da redução da tributação sobre as armas mostra que a soma do açodamento e
centralização decisórios com a falta de efetivo diálogo com a sociedade gerou
um monstrengo, que provavelmente será mudado pelo Senado. A volta para a Câmara
dessa proposição certamente colocará a instituição numa saia justa junto à
maioria do eleitorado, tal como aconteceu na questão do aborto.
Um terceiro desafio diz respeito ao clima de
guerra criado na Câmara, com parlamentares brigando como moleques da sétima
série, em vez de atuarem como representantes pagos pelo povo para resolver os
problemas do país. A liderança dessa baderna certamente é da bancada mais
próxima da extrema direita, com destaque para os midiáticos que ganham poder se
tornando heróis da radicalização nas redes sociais. Mas parte dos congressistas
governistas também entrou nesse clima juvenil e irresponsável. Acabar com esse circo
é uma forma de evitar que o discurso antipolítico e antidemocrático enfraqueça
todas as instituições, incluindo o Congresso Nacional.
Será muito difícil manter parte do modelo
emendista atual no próximo biênio legislativo. Este quarto desafio
provavelmente já emergirá com uma nova decisão do STF sobre as chamadas emendas
Pix, que não têm transparência e racionalidade orçamentária. Isso não quer
dizer que os congressistas devam abdicar de seu poder orçamentário, só que ele
deve ter um formato mais compatível com o controle democrático e com a boa
organização das políticas públicas. Ser influente sobre as bases políticas
locais é legítimo e os parlamentares precisam recalibrar o modo de exercer esse
poder, porque a visão do eleitorado sobre o modelo atual tenderá a piorar cada
vez mais.
Como último e mais complexo desafio está a
necessidade de melhorar a articulação e reduzir o conflito com as outras
instituições políticas, como o Senado, o STF e a Presidência da República. A
defesa da relevância estratégica da Câmara Federal deve ser prioridade de seu
presidente, para que não haja dúvida do papel dos deputados eleitos pelo povo
brasileiro. Não obstante, tanto mais bem avaliado será o sucessor de Arthur
Lira se ele for capaz de ampliar o diálogo democrático e distensionar a
polarização política.
Em 2026 haverá uma nova eleição presidencial
que poderá fraturar o país ou recolocar a disputa política num patamar
civilizado. Neste embate, o novo presidente da Câmara será uma peça-chave para
garantir um desfecho feliz à democracia do país.
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