quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Peluso abre caminho para mais condenações

Na sua despedida, ministro classifica como crime saques dissimulados de dinheiro repassado por Valério

Jailton de Carvalho

BRASÍLIA No voto de condenação do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que foi também seu último no Supremo Tribunal Federal, o ministro Cezar Peluso afirmou ontem que parte dos R$ 10 milhões do contrato entre a Câmara dos Deputados e a agência SMP&B, de Marcos Valério, pode ter sido usada para pagar parlamentares da base governista, o chamado mensalão. A SMP&B foi contratada na gestão de João Paulo, entre 2003 e 2004.

O ministro classificou como crime os saques dissimulados de dinheiro repassado pelas empresas de Valério. Endossou uma parte central da denúncia da Procuradoria Geral da República e pode abrir caminho para a punição de todos os parlamentares e ex-parlamentares que receberam dinheiro de Valério por ordem de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT.

O ministro fez a referência à suposta transferência de dinheiro da Câmara para o "valerioduto", ao apontar o exagero que teria sido a contratação da agência de Valério. Para Peluso, tudo indica que não havia necessidade dos serviços da SMP&B. O trabalho já era executado por outra agência, contratada antes. Parte da tarefa poderia ter sido executada por servidores da própria instituição - o que teria ocorrido logo após a saída da agência de Valério da Câmara.

- Findo o contrato, na gestão subsequente, os gastos sob os mesmos títulos caíram para R$ 65 mil. De R$ 10 milhões para R$ 65 mil. Alguma coisa muita estranha estava nessa diferença de curvas. Essa hipertrofia de serviços que, no fundo, no fundo era justificação para a percepção de comissões para alimentar os cofres da SMP&B, até para efeito da distribuição de dinheiro que, depois, acabou se revelando, como aliás está no capítulo subsequente que vamos analisar um pouco mais adiante - disse Peluso.

Peluso indica que Visanet não era única fonte

Peluso não voltará a tratar do caso. Terá que se aposentar até segunda-feira, quando completará 70 anos. Ainda assim, deixa a indicação de que o fundo Visanet não teria sido a única fonte de recursos públicos do mensalão. Esclareceu que considera crime os saques dentro da estrutura montada por Valério e Delúbio. Em geral, os saques eram feitos por auxiliares de parlamentares em operações de pagamentos e recebimentos controlados pela SMP&B. A empresa aparecia nas duas pontas, como autora do pagamento e destinatária dos saques. Os nomes dos verdadeiros destinatários eram omitidos nos registros enviados às autoridades financeiras.

- Se alguém, que não aparece em documentos oficiais como credor de certa importância, aparece nos fundos de uma agência bancária, recebe dinheiro provindo de outra agência em que o sacador e o tomador é a mesma pessoa, que justifica perante os registros contábeis como forma de pagamento de fornecedores e recebe o dinheiro de um modo clandestino, porque à revelia dos registros oficiais desse recebimentos, evidentemente nós temos um fato provado que nos leva, pela observação, à regra que esse comportamento é um comportamento ilícito - afirmou Peluso.

O ministro foi mais específico ao citar como João Paulo recebeu R$ 50 mil de Valério. O dinheiro foi sacado numa agência do Banco Rural em Brasília pela mulher do deputado, Silvana Márcia Regina. Para Peluso, o deputado mandou a mulher ao banco porque queria manter em segredo a operação sabidamente ilegal.

- O denunciado mandou a mulher porque não queria que nenhum dos seus assessores soubesse do recebimento. E, segundo, porque queria a garantia da entrega do dinheiro. Já por aqui constitui um ato ilícito. Um ato que não poderia ser revelado - apontou Peluso.

O mesmo raciocínio poderia ser aplicado aos parlamentares e ex-parlamentares que enviaram assessores às agências do Rural para receber dinheiro de Valério sem aparecer como os verdadeiros beneficiários dos recursos.

Peluso votou pela condenação e prisão de João Paulo, Valério, seus sócios, e do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil. Disse, porém,, que juízes não condenam por motivação pessoal.

- Nenhum juiz condena ninguém por ódio. Nada mais constrange um juiz que condenar um réu. As condenações são uma imposição da consciência do magistrado. Condena por imposição da Justiça e porque reverencia à lei. E por amor e respeito aos réus. Uma condenação é um chamado, uma vez cumprida a pena, se reconciliem com a sociedade - disse Peluso.

O ministro foi homenageado pelos colegas e advogados dos réus. Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, foi à tribuna e destacou o brilhantismo que marcou a carreira de Peluso.

FONTE: O GLOBO

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