Desfecho do escândalo muda a forma como o país vê a impunidade
O julgamento que condenou alguns dos homens mais poderosos e influentes do país chega ao fim com uma herança promissora. Ao impor penas rigorosas a 25 réus, a ação penal do mensalão marca o início de uma mudança na forma como se pune a corrupção no Brasil.
A transformação, avalia o cientista político Joel Formiga, do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP, já tem efeitos na sociedade.
– O julgamento estabeleceu um novo nível de exigência. A população viu que os corruptos são passíveis de punição, sim, e não tolera mais a impunidade – diz ele.
O cenário, no entanto, não se modificará da noite para o dia. O primeiro passo foi dado, o legado existe, mas o caminho é longo e cheio de armadilhas. Basta ver o exemplo de outros países.
Nos anos 1990, a Itália testemunhou a Operação Mãos Limpas, que investigou nada menos do que 6 mil pessoas suspeitas de envolvimento em falcatruas. A devassa resultou em punições exemplares e repercutiu na mídia internacional. Passaram-se duas décadas, e os problemas voltaram.
– A corrupção não acaba com o julgamento do mensalão. Quem está achando que, com isso, o Brasil vai ser uma nova República ou fugiu das aulas de história ou não entendeu nada do que é o processo político. O que muda são procedimentos – ressalta a coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Unesp em Franca (SP), Rita de Cassia Biason.
Traduzindo: a criminalização de corruptos sempre foi difícil no Brasil. Sem provas concretas, diretas e conclusivas, dificilmente gente importante iria parar atrás das grades. Com o precedente aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), uma alteração importante se desenha.
Para o diretor da Faculdade de Direito da UFRGS, Danilo Knijnik, o julgamento evidenciou que o atual ordenamento jurídico é suficiente para punir desvios por parte de agentes políticos.
– O que o STF mostrou é que as provas, mesmo que não contenham o ato em si, mesmo que ninguém tenha sido filmado pegando dinheiro, podem ser determinantes em um julgamento desse tipo. O que muda, e vai mudar sim, é o procedimento de condenação – completa Rita.
Embora muitos juristas vejam a novidade com algum temor e discordem do modo como ministros embasaram seus votos (leia na página 8), tudo indica que a alteração não tem volta. E essa talvez seja a herança mais importante da ação penal 470, além do efeito simbólico e pedagógico das penas.
– Quero acreditar que, daqui por diante, esse caso deixará de ser uma exceção e passará a ser uma nova regra – projeta Formiga.
O problema é que um único julgamento, apesar de emblemático, ainda é pouco para garantir conclusões definitivas. A dúvida persistirá até que reformas profundas aconteçam e novos casos – incluindo os mensalões do PSDB e do DEM – cheguem ao Judiciário.
– O ponto que precisa ser discutido é se o STF usou essa jurisprudência seletivamente ou não. Só poderemos dizer que o rigor aumentou quando casos semelhantes forem julgados da mesma forma – resume o cientista político Fernando Filgueiras, da UFMG.
Fonte: Zero Hora (RS)
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